Jango pediu que sua viagem à China fosse autorizada por escrito

Jango pediu que sua viagem à China fosse autorizada por escrito
O retorno ao Brasil foi pela rota do Pacífico, para que houvesse tempo de negociar a sua posse na Presidência
Lorena Paim
A viagem do vice João Goulart à República Popular da China, à União Soviética e a outros países do Oriente, em 1961, foi apoiada pelo presidente da República. Nesse sentido, Jânio Quadros foi um visionário, pois acreditava que a aproximação com os chineses traria benefícios econômicos aos brasileiros. O PTB de Jango, por sua vez, vinha defendendo o reatamento das relações com a China comunista e, assim, a programação foi de consenso.
O que não se sabia era que, em meio a este périplo, o País ficaria sem seu presidente eleito e a sucessão natural estaria ameaçada. João Goulart, que viajou como chefe de uma missão econômica e parlamentar, levou 31 dias para voltar ao Brasil, onde só desembarcou com a certeza de que assumiria a presidência no lugar de Jânio, mesmo que sob o regime parlamentarista.
Na madrugada do dia 26 de agosto, quando se encontrava em Cingapura, um dos pontos do roteiro, Jango recebeu a notícia da renúncia de Jânio. Seu secretário de imprensa, Raul Ryff, bateu forte à porta do quarto para lhe transmitir a preocupante novidade. E um telefonema da agência internacional de notícias Associated Press chegaria logo no Hotel Raffles, onde se hospedava, ratificando a informação.
Na hora do café da manhã, o senador Barros Carvalho, integrante da comitiva, sugeriu abrir uma garrafa de champanha para brindar ao novo presidente do Brasil. Cauteloso, como era de seu temperamento, Jango observou que a situação ainda estava indefinida. E disse: “Se você quer tomar champanhe vamos tomar. Não sou contra. Mas não para saudar o novo presidente da República, e sim o imprevisível.” (ou o imponderável, segundo algumas fontes).
Encontro com Mao
Os acontecimentos políticos daquele agosto de 1961 foram tão fortes que pouco se falou, posteriormente, sobre os resultados da missão à China. Os defensores dessa viagem lembram que o pioneirismo valeu, pois o ex-presidente Richard Nixon só aceitou a inclusão do mercado chinês e da própria China nas relações com os Estados Unidos, dez anos depois.
A viagem dos brasileiros começou a ser definida quando, em 5 de julho, a Câmara de Deputados autorizou a presença do vice-presidente na delegação econômica ao Leste Europeu e Oriente. O convite para visitar a China teria sido feito ao próprio Jango. Este, precavido, pediu que a autorização para a sua viagem fosse transmitida por escrito. O que acabou acontecendo, com um comunicado neste sentido endereçado ao Itamaraty.
Em Paris, o vice se juntou aos demais integrantes da missão: quatro representantes do Congresso (os senadores Franco Montoro e Antônio de Barros Carvalho, e os deputados Dix-Huit Rosado e Gabriel Hermes), além de Evandro Lins, Dirceu de Pasca, João Etcheverry, Raul Ryff e os componentes da missão comercial.
O filme do cineasta Silvio Tendler, Jango, começa mostrando a visita de Jango à China — às cidades de Hangchow, Cantão e Pequim, sendo recebido pessoalmente por Mao Tsé-Tung. Em Hangchow, Mao recepcionou a comitiva com um almoço composto por variados pratos da culinária local. Depois, o líder comunista e Jango tomaram chá e conversaram bastante sobre os respectivos países, com perguntas interessadas por parte do anfitrião. No contexto da Guerra Fria, essa aproximação revelaria a independência da política externa brasileira. O vice-presidente foi o primeiro político latino-americano a desafiar o alinhamento automático com os EUA, por causa de sua visita à URSS e à China.
Ao discursar no Congresso do Povo, durante a programação oficial, João Goulart declarou, enfático: “Viva a amizade cada vez mais estreita entre a China Popular e os Estados Unidos do Brasil, viva a amizade dos povos asiáticos, africanos e latino-americanos!”.
Cada um com sua responsabilidade
Diante das incertezas sobre o que fazer, após tomar conhecimento da renúncia, João Goulart teria dito: “Está encerrado o assunto. Vou para o Brasil, vou tentar assumir, mas que cada um assuma a sua responsabilidade perante a história. A minha, de acordo com a Constituição brasileira, é ir para o Brasil para assumir a presidência. É o que eu vou fazer. O resto não está me interessando no momento.”
Depois de muitos telefonemas, a vários interlocutores políticos (mas não a Brizola), Jango apressou sua volta. Chegou a Paris com pretensão de regressar imediatamente ao Brasil. Mas recebeu, no hotel George V, onde estava, informações telefônicas de que os ministros militares ameaçavam prendê-lo tão logo desembarcasse no País. Na capital francesa, recebeu a visita de políticos brasileiros que foram prestar solidariedade e sondá-lo sobre os próximos passos.
O retorno ao Brasil foi pela rota do Pacífico, para que houvesse tempo de negociar a sua posse na Presidência

Lorena Paim
A viagem do vice João Goulart à República Popular da China, à União Soviética e a outros países do Oriente, em 1961, foi apoiada pelo presidente da República. Nesse sentido, Jânio Quadros foi um visionário, pois acreditava que a aproximação com os chineses traria benefícios econômicos aos brasileiros. O PTB de Jango, por sua vez, vinha defendendo o reatamento das relações com a China comunista e, assim, a programação foi de consenso.
O que não se sabia era que, em meio a este périplo, o País ficaria sem seu presidente eleito e a sucessão natural estaria ameaçada. João Goulart, que viajou como chefe de uma missão econômica e parlamentar, levou 31 dias para voltar ao Brasil, onde só desembarcou com a certeza de que assumiria a presidência no lugar de Jânio, mesmo que sob o regime parlamentarista.
Na madrugada do dia 26 de agosto, quando se encontrava em Cingapura, um dos pontos do roteiro, Jango recebeu a notícia da renúncia de Jânio. Seu secretário de imprensa, Raul Ryff, bateu forte à porta do quarto para lhe transmitir a preocupante novidade. E um telefonema da agência internacional de notícias Associated Press chegaria logo no Hotel Raffles, onde se hospedava, ratificando a informação.
Na hora do café da manhã, o senador Barros Carvalho, integrante da comitiva, sugeriu abrir uma garrafa de champanha para brindar ao novo presidente do Brasil. Cauteloso, como era de seu temperamento, Jango observou que a situação ainda estava indefinida. E disse: “Se você quer tomar champanhe vamos tomar. Não sou contra. Mas não para saudar o novo presidente da República, e sim o imprevisível.” (ou o imponderável, segundo algumas fontes).
Encontro com Mao
Os acontecimentos políticos daquele agosto de 1961 foram tão fortes que pouco se falou, posteriormente, sobre os resultados da missão à China. Os defensores dessa viagem lembram que o pioneirismo valeu, pois o ex-presidente Richard Nixon só aceitou a inclusão do mercado chinês e da própria China nas relações com os Estados Unidos, dez anos depois.
A viagem dos brasileiros começou a ser definida quando, em 5 de julho, a Câmara de Deputados autorizou a presença do vice-presidente na delegação econômica ao Leste Europeu e Oriente. O convite para visitar a China teria sido feito ao próprio Jango. Este, precavido, pediu que a autorização para a sua viagem fosse transmitida por escrito. O que acabou acontecendo, com um comunicado neste sentido endereçado ao Itamaraty.
Em Paris, o vice se juntou aos demais integrantes da missão: quatro representantes do Congresso (os senadores Franco Montoro e Antônio de Barros Carvalho, e os deputados Dix-Huit Rosado e Gabriel Hermes), além de Evandro Lins, Dirceu de Pasca, João Etcheverry, Raul Ryff e os componentes da missão comercial.
O filme do cineasta Silvio Tendler, Jango, começa mostrando a visita de Jango à China — às cidades de Hangchow, Cantão e Pequim, sendo recebido pessoalmente por Mao Tsé-Tung. Em Hangchow, Mao recepcionou a comitiva com um almoço composto por variados pratos da culinária local. Depois, o líder comunista e Jango tomaram chá e conversaram bastante sobre os respectivos países, com perguntas interessadas por parte do anfitrião. No contexto da Guerra Fria, essa aproximação revelaria a independência da política externa brasileira. O vice-presidente foi o primeiro político latino-americano a desafiar o alinhamento automático com os EUA, por causa de sua visita à URSS e à China.
Ao discursar no Congresso do Povo, durante a programação oficial, João Goulart declarou, enfático: “Viva a amizade cada vez mais estreita entre a China Popular e os Estados Unidos do Brasil, viva a amizade dos povos asiáticos, africanos e latino-americanos!”.
Cada um com sua responsabilidade
Diante das incertezas sobre o que fazer, após tomar conhecimento da renúncia, João Goulart teria dito: “Está encerrado o assunto. Vou para o Brasil, vou tentar assumir, mas que cada um assuma a sua responsabilidade perante a história. A minha, de acordo com a Constituição brasileira, é ir para o Brasil para assumir a presidência. É o que eu vou fazer. O resto não está me interessando no momento.”
Depois de muitos telefonemas, a vários interlocutores políticos (mas não a Brizola), Jango apressou sua volta. Chegou a Paris com pretensão de regressar imediatamente ao Brasil. Mas recebeu, no hotel George V, onde estava, informações telefônicas de que os ministros militares ameaçavam prendê-lo tão logo desembarcasse no País. Na capital francesa, recebeu a visita de políticos brasileiros que foram prestar solidariedade e sondá-lo sobre os próximos passos.