Tecnofeudalismo, um terrível Mapinguari planetário

No Brasil, os índios temiam o Mapinguari. A lenda diz que na região amazônica vive um monstro, um gigante peludo faminto, com um olho e uma boca enorme no lugar do umbigo.

Tecnofeudalismo, um terrível Mapinguari planetário

Tecnofeudalismo, um terrível Mapinguari planetário, por Fábio de Oliveira Ribeiro

No Brasil, os índios temiam o Mapinguari. A lenda diz que na região amazônica vive um monstro, um gigante peludo faminto, com um olho e uma boca enorme no lugar do umbigo.

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Tecnofeudalismo, um terrível Mapinguari planetário

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Um debate interessante está ocorrendo. Neste momento de pandemia, o neoliberalismo está reafirmando seu poder global ou se transformando em tecnofeudalismo?

Em nosso país, capitalismo e democracia sempre foram duas finas camadas de verniz que escondem a realidade real, qual seja, a predominância avassaladora do poder político dos proprietários de imensos latifúndios produtivos e improdutivos. Portanto, podemos dizer com alguma segurança que no Brasil o feudalismo nunca deixou de existir.

 

A superposição do tecnofeudalismo (um fenômeno novo que parece estar reorganizando a economia e a política nos EUA e na Europa) com nosso feudalismo tradicional, que destruiu a democracia em 2016 e agora massacra os índios e volta a explorar o trabalho escravo, merece outro nome.

Na falta de uma denominação, tenho chamado o novo sistema brasileiro de neolibarbarismo. Nos EUA e na Europa, o tecnofeudalismo não poderá ser imposto sem preservar as aparências (e talvez criar um programa de renda para contingentes populacionais inúteis). Aqui as aparências não precisam ser mantidas e a brutalização da parcela indesejada da população já é normalizada pela imprensa. 

As diferenças entre o Brasil e os países ricos vão aumentar. Mas os EUA e a Europa podem ficar mais e mais parecidos com o Brasil que existia antes de 2016. O que era bom para os brasileiros pobres provavelmente será considerado insuportável pelos europeus e norte-americanos.

Nos EUA e na Europa, o neoliberalismo tinha uma característica: os ricos ou não pagavam impostos ou pagavam poucos impostos. Ricos não pagarem impostos sempre foi algo corriqueiro no Brasil.
O tecnofeudalismo concentra o poder midiático, econômico e político nas mãos dos donos do Facebook, Amazon, Google, Apple e Netflix. No Brasil, mesmo antes da digitalização, a mídia estava concentrada nas mãos de meia dúzia de famílias com a maior empresa (a Rede Globo) exercendo grande poder político.

Desculpem-me por ser pedante e didático. Mas como brasileiro não posso deixar de notar e mencionar as diferenças que existem entre a nossa realidade e a realidade dos europeus e norte-americanos. Acredito que talvez isso também poderá ajudá-los a ver as coisas melhor.
Os imensamente ricos de todas as nacionalidades já são totalmente diferentes do resto das populações em todos os países. As redes de computadores permitem que eles convivam em um país diferente, que existe apenas nos fluxos de informações e de dinheiro que circulam em tempo real pelo planeta.

 

No século XVI, as aldeias brasileiras eram muradas e cercadas por tribos hostis. Dentro delas, as casas dos ricos eram pequenos castros de pedra. Riqueza, paranóia, alienação dentro de um grupo separado dos povos da “terrae incognitae” é algo que nós conhecemos muito bem.

Essa realidade também prevaleceu na Europa e nos EUA. Assim, podemos dizer que há um ressurgimento de uma mentalidade feudal doentia reprimida que talvez tenha sido impressa no DNA dos ancestrais das pessoas extremamente ricas e culturalmente compartilhada com os novos ricos.

Medo do outro, medo do servo e do escravo que pode se tornar um traidor, medo da Inteligência Artificial e do robô que pode ser hackeado… Todas essas coisas parecem estar conectadas. Cenários diferentes, a mesma reação cognitiva.

O medo é uma condição de impossibilidade da política. Onde predomina o medo, a confiança, a amizade, a empatia não podem existir. Não há política entre mestre e servo ou escravo, nem entre mestre e IA e robôs.

Talvez essa seja a maior lição do microchip implantado no cérebro de Elon Musk. O medo do outro só pode ser superado pelo erro monstruoso de suprimir a própria humanidade tornando-se um apêndice biológico da Matrix computadorizada.

 

Em termos literários, os alemães podem representar a ação de Elon Musk como um novo contrato digital faustiano. Na Inglaterra, ele pode ser visto como um Mr. Hyde virtual. “Um monte de gente vai morrer tentando colonizar Marte.” Sabemos que as coisas não correram muito bem para Fausto e para o Dr. Jekyll.

No Brasil, os índios temiam o Mapinguari. A lenda diz que na região amazônica vive um monstro, um gigante peludo faminto, com um olho e uma boca enorme no lugar do umbigo. Com braços longos e garras afiadas, o Mapinguari percorre a floresta em busca de animais e pessoas para devorar.

O tecnofeudalismo pode ser representado aqui como um Mapinguari capaz de devorar florestas, pessoas, democracias, empregos, direitos trabalhistas, dignidade humana etc. Empresários como Elon Musk são os *Péros, os servos voluntários desse monstro planetário, algo que não pode ser considerado um coisa muito lisonjeira.

*Péros – substantivo da língua Tupi usado pelos índios para nomear (e possivelmente ofender) os portugueses no século XVI.

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.