Quais são os efeitos da controversa passagem do navio da Guarda Costeira dos EUA pelo Atlântico Sul?
A passagem do navio USCGC Stone, da Guarda Costeira norte-americana, por águas da América do Sul acabou por despertar polêmica sobre possível interferência na soberania marítima dos países
Quais são os efeitos da controversa passagem do navio da Guarda Costeira dos EUA pelo Atlântico Sul?
© CC BY 2.0 / Tony Hisgett / Guarda Costeira dos EUA
A passagem do navio USCGC Stone, da Guarda Costeira norte-americana, por águas da América do Sul acabou por despertar polêmica sobre possível interferência na soberania marítima dos países. Após amistosa cooperação com Guiana e Brasil, o navio teve que modificar seu percurso diante da posição firme do Uruguai e da Argentina.
A operação militar Southern Cross (Cruzeiro do Sul, na tradução), desenvolvida pela Guarda Costeira dos EUA e apoiada pelo Departamento de Estado do país norte-americano, não conseguiu completar todos os objetivos planejados no Atlântico Sul. No último momento, Argentina e Uruguai não acetaram a colaboração militar oferecida pelos norte-americanos para combater a pesca ilegal.
O navio USCGC Stone partiu em dezembro da cidade de Pascagoula, no estado do Mississippi, com tripulação de 120 pessoas e o objetivo de navegar até o sul do oceano Atlântico. Em seu itinerário, o navio tinha previsto visitar, durante o mês de janeiro, os portos da Guiana, Brasil, Uruguai e Argentina.
Parte de sua missão tinha caráter estritamente protocolar, como servir de viagem inaugural para embarcação e gerar alianças com forças armadas locais e habilitar visitas do público.
No entanto, em comunicações oficiais, a Guarda Costeira revelou que suas missões também eram "enfrentar a pesca ilegal, não regulamentada e não declarada" e "reforçar a soberania marítima e segurança da região".
Guiana
Tal como estava previsto, a primeira parada do USCGC Stone foi na costa da Guiana, onde a embarcação chegou na primeira semana de janeiro. Em 9 de janeiro, ocorreu o primeiro exercício conjunto entre a Guarda Costeira e a Força de Defesa da Guiana (GDF, na sigla em inglês).
A operação aconteceu na costa do país sul-americano e teve como objetivo principal "pesca ilegal, não regulamentada e não declarada", conforme informado pelo governo da Guiana. O executivo do país afirmou que as operações ocorreram no âmbito de um acordo assinado entre ambos os governos em setembro de 2020 que também permite "a patrulha marítima e aérea conjunta para interceptar narcóticos".
Em 12 de janeiro, a Força de Defesa da Guiana fechou um acordo de cooperação com o Departamento de Defesa dos EUA, que foi representado na assinatura do acordo pelo comandante do Comando Sul dos EUA, Craig Faller.
O primeiro de uma série de exercícios conjuntos de colaboração entre a Guarda Costeira da Força de Defesa da Guiana e a Guarda Costeira dos Estados Unidos da América foi concluído hoje, em alto mar da Guiana. Esta colaboração é resultado do acordo recém-assinado entre os governos da Guiana e dos Estados Unidos da América. O exercício de hoje foi um sucesso retumbante.
Brasil
A segunda parada do navio USCGC Stone foi o Brasil, onde chegou em 11 de janeiro. O comunicado da Embaixada norte-americana no país informou que o navio estaria no Rio de Janeiro em 29 e 30 de janeiro, e em Salvador, na Bahia, em 8 de fevereiro, já estando a caminho para os Estados Unidos.
O comunicado oficial destacou o papel da operação Cruzeiro do Sul contra a pesca ilegal, bem como seu valor para "reforçar a relação com nações amigas para cooperação marítima e segurança na região".
Em 27 de janeiro, a Marinha do Brasil escreveu em sua conta do Twitter que o navio-patrulha Amazonas participou de um dos exercícios conjuntos com o USCGC Stone, cumprindo um movimento conhecido como leap frog (salto de sapo, na tradução), que consiste no emparelhamento na posição lateral. Os navios também realizaram exercícios de busca e salvamento.
Uruguai
Em 25 de janeiro, o navio chegou ao Porto de Montevidéu, e sua entrada foi anunciada como parte dos esforços dos Estados Unidos para colaborar no combate à pesca ilegal.
No entanto, o navio teve que fazer outro itinerário, se comparado aos anteriores, já que a Marinha do Uruguai não concordou em realizar exercícios militares conjuntos.
O porta-voz da Marinha uruguaia, Pablo González, explicou à Sputnik o porquê de não ter acontecido manobras conjuntas em águas uruguaias.
"O navio ofereceu colaborar em nossas águas embarcando nossos tripulantes, mas essa colaboração não acontecerá porque essa patrulha está sendo feita por nossas embarcações e aeronaves", afirmou González.
Apesar do comentário do porta-voz da Marinha, a Embaixada dos EUA no Uruguai e a tripulação do USCGC Stone, explicaram que a falta de treinamentos conjuntos aconteceu por medidas exigidas pelo país sul-americano devido à pandemia da COVID-19, embora os EUA "tenham oferecido vários programas e atividades" ao país.
O navio foi recebido em Montevidéu com cerimônia de honra por parte da Marinha, mas a estadia apenas se limitou ao reabastecimento.
Durante a manhã de hoje e sob estrito protocolo sanitário, atracou no porto de Montevidéu o navio Cutter Stone da Guarda Costeira dos Estados Unidos, comandado pelo Capitão Adam B. Morrison para fazer combustível e estocar suprimentos.
Argentina
A possibilidade da realização de exercícios conjuntos com a Argentina foi descartada na declaração emitida pelo Ministério das Relações Exteriores da Argentina em 15 de janeiro. A chegada do navio ao porto argentino foi aceita, mas a atividade seria "de caráter estritamente protocolar", excluindo os exercícios.
O mesmo comunicado revelou que a visita do USCGC Stone "não envolverá missões de vigilância ou de controle de pesca, as quais são realizadas exclusivamente com meios e pessoal do Estado argentino".
No entanto, em 29 de janeiro, a visita do navio dos EUA às águas argentinas foi cancelada, segundo informou a Embaixada dos EUA no país.
"Uma avaliação exaustiva das condições encontrou desafios logísticos que impedem a ancoragem do navio no porto de Mar del Plata", de acordo com o comunicado da Embaixada.
Em sua declaração, a chancelaria norte-americana explicou sua intensão de continuar cooperando com a Argentina, afirmando que "a região é mais segura e próspera quando nossos países se unem para reforçar a segurança marítima da região".
O ex-combatente na guerra das Malvinas e vice-diretor do Instituo Malvinas, Mario Volpe, afirmou que no contexto de soberania, a visita do navio USCGC Stone poderia gerar grandes contratempos para os países do Cone Sul (Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai).
Na entrevista para Sputnik, Volpe advertiu que "nesses momentos de tenções grandes entre as potencias e de reconstrução da geopolítica mundial, um navio norte-americano não tem por que vir a nossa costa para controlar a frota chinesa".
A referência de Volpe sobre a China vem do fato do gigante asiático ser um dos países mais destacados no combate à pesca ilegal, e segundo o especialista, poderia ser interpretado pelo governo chinês como "uma provocação", tal como aconteceu no passado.
Nesse sentido, o argentino lembrou que a incursão de um navio norte-americano no mar do Sul da China em 2020 gerou uma reação de Pequim e aumentou as tenções nessa zona.