Lula: ecos de João Goulart

Lula: ecos de João Goulart
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva percebeu que sua batalha para trazer o Centrão ao seu lado está perdida – e essa derrota deve-se à incapacidade do mandatário de fazer política e de se aproximar diretamente dos líderes do Congresso. Diante disso, resolveu dobrar a aposta e radicalizar o discurso, dando uma guinada forte à esquerda (pelo menos nas palavras) e investir forte na estratégia de jogar pobres contra ricos.
Essa trajetória lembra muito a adotada pelo ex-presidente João Goulart antes de ser apeado do poder pelas Forças Armadas. A diferença entre os dois casos, porém, é que a chance de um golpe militar ocorrer nos dias de hoje é mínima.
O Brasil no início de 1964 era um país que lutava contra a inflação, tinha um déficit público descontrolado e um clima de conflito entre Poderes. Além disso, os empresários estavam claramente contrários aos rumos que o governo estava tomando. Havia, no entanto, uma polarização política diferente da atual: hoje, não se teme o comunismo como na década de 1960.
No afã de obter apoio popular, Goulart realizou em 13 de março um comício no Rio de Janeiro, na Central do Brasil, com tintas claramente esquerdistas. “Dirijo-me, também, aos milhões de irmãos nossos que dão ao Brasil mais do que recebem, que pagam em sofrimento, em miséria, mágoa”, disse em um trecho. “Aqui estão os meus amigos trabalhadores, vencendo uma campanha de terror ideológico e sabotagem […] na presença das lideranças populares mais expressivas desse país”, afirmou em outra passagem.
A aposta mais arriscada, porém, foi a de tentar minar a hierarquia do Exército. Em 30 de março, o então presidente se reuniu com um grupo de sargentos em evento realizado no Automóvel Clube do Brasil, no Rio de Janeiro. Na ocasião, comemorava-se o aniversário de 40 anos da Associação dos Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar.
Apesar de alertado por aliados de que sua presença poderia ser vista como provocação, Goulart decidiu comparecer e fez um discurso firme em defesa das reformas de base e da valorização das praças militares. O gesto foi interpretado por setores conservadores das Forças Armadas como uma afronta à disciplina militar e acabou sendo um dos estopins imediatos para o golpe que se iniciou no dia seguinte, 31 de março.
É sempre bom repetir: as chances de isso ocorrer, atualmente, são praticamente nulas. Mas parece que o governo se inspirou em Jango para deflagrar a estratégia de bater nos ricos como uma tábua de salvação para a alta impopularidade de Lula.
O Planalto ainda não conseguiu entender as causas da desaprovação do presidente, especialmente porque a economia mostra sinais positivos (recentemente, o Banco Central revisou o crescimento do PIB de 2025 de 1,9% para 2,1%) com alguma frequência.
Percebe-se, mais do que nunca, que Lula foi eleito muito mais pela rejeição ao oponente Jair Bolsonaro do que pelos méritos de sua candidatura. Sua postura é vista como antiquada e sem sintonia com a mentalidade reinante entre os brasileiros, que preferem oportunidades de ascensão social a direitos trabalhistas ou projetos assistencialistas que decorrem de um Estado mais controlador.
Ao defender que os ricos não pagam impostos (uma falácia, já que a carga tributária que recai sobre as empresas é sufocante), o governo trabalha contra a iniciativa privada – o principal gerador de impostos, seja diretamente através de seu faturamento ou pelos empregos que cria.
Lula e o ministro Fernando Haddad falam demais em acabar com incentivos fiscais, como se fosse errado uma empresa – em um país como o nosso – querer pagar menos imposto. O que está errado, na prática, é um determinado setor pagar menos, pois todos deveriam desembolsar menos tributos na mesma proporção. A fórmula para arrecadar menos e manter a responsabilidade fiscal é uma só: reduzir o tamanho do Estado e tornar a administração mais eficiente. Mas isso também inclui Legislativo e Judiciário, que não podem determinar aumentos de custos e depois cobrar austeridade do Executivo.
Se Lula não recalibrar sua estratégia, corre um sério risco de encerrar sua carreira política com uma derrota que pode deixar a esquerda sem eira nem beira. Conseguirá ele mudar o rumo atual? Difícil, muito difícil.