A venda do Palácio Capanema e a precificação da Pátria
A Nação é um todo completo cuja visibilidade se faz notar pelos símbolos construídos por suas gerações
A venda do Palácio Capanema e a precificação da Pátria
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
O Palácio Gustavo Capanema, no centro do Rio, tem suas fachadas restauradas. Obras instaladas no Palácio Capanema, como o painel de Portinari, também foram recuperadas
A Nação é um todo completo cuja visibilidade se faz notar pelos símbolos construídos por suas gerações. O Palácio Capanema, localizado no Centro do Rio de Janeiro, é um desses símbolos. Ele traduz, no País, a chamada “nova arquitetura” proposta por Le Corbusier como corolário da concepção arquitetônica modernista; mas o governo federal aspira vendê-lo por um lance mínimo de aproximadamente 30 milhões de reais, quando se sabe que, só em sua restauração e revitalização, o governo de Michel Temer gastou cerca de 120 milhões de reais.
Imitando artisticamente a forma como são construídas as casas de palafitas no Brasil, o prédio que leva o nome do célebre ministro Gustavo Capanema se ergue suspenso sobre pilotis e marca o início da arquitetura moderna brasileira. Não é coincidência o fato de ter sido a primeira obra notável que marcou a assinatura de Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e Burle Marx, porém sinaliza o início de um discurso cunhado em concreto armado que se espraiaria por nossa Pátria, perpassando pela criação da Pampulha, com sua igrejinha e seu cassino, até atingir o auge com o Plano Piloto de Brasília, com seus prédios elevados também sobre pilotis, seu paisagismo também (e tão bem) elaborado por Burle Marx e o projeto urbanístico e arquitetônico dos mesmos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer.
As palafitas amazônidas deixam passar por entre si o fluxo das águas, em convivência harmônica com os rios, sem emparedar o movimento de seu curso; e os pilotis modernos do Palácio Capanema permitem fluir a mobilidade de pedestres que atravessam caminhando aquele edifício da Rua da Imprensa, nº
16. Tombado pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ele integra a Lista Indicativa do Brasil ao reconhecimento como Patrimônio Mundial pela UNESCO – e com justo motivo, pois o prédio acumula 19 painéis pintados por Cândido Portinari (14 em afrescos e 15 em azulejos), além de esculturas de Bruno Giorgi e Adriana Janacópulos. Com tudo isso, o Palácio Capanema ainda continua a constar na relação dos dois mil imóveis listados pelo Ministério da Economia para serem vendidos.
No momento em que escrevo este artigo, existe expressiva pressão de arquitetos, artistas, políticos esclarecidos e da opinião pública contra a venda dessa verdadeira riqueza inestimável de nossa arquitetura. Oxalá o Poder Executivo Federal venha a pronunciar-se pública e oficialmente pela retirada do leilão desse verdadeiro Palácio da Cultura. Em uma época em que a imagem brasílica está tão mal vista na comunidade internacional, em decorrência da política externa desastrada em que se meteu o Ministério das Relações Exteriores nos últimos dois anos e sete meses, seria um crime entregar à privataria um símbolo do progressismo e da modernidade brasileira aberto ao conhecimento da intelectualidade acadêmica internacional, como é o caso do Palácio Capanema.
A posse da cultura nacional está muito além de valores materiais sonantes, por isso quem vende o patrimônio cultural do seu povo não é digno de ser considerado patriota, pois a Pátria não pode ser precificada. A riqueza patrimonial do Palácio Capanema contradiz com a ignorância aliada à má fé de quem pretende leiloá-la a especuladores, e o Brasil não merece tamanho desrespeito. Isso só demonstra o apequenamento de mentalidades que não deveriam ousar a tal direito.
Fica, aqui, o alerta: a cultura brasileira não está à venda, Senhores governantes, porque não se pode vender o que não tem preço.
Cruzeiro-DF, 25 de agosto de 2021
SALIN SIDDARTHA