Em áudio, irmã de Adriano diz que Planalto ofereceu cargo pela morte do miliciano
“Já tinham dado cargos comissionados no Planalto pela vida dele, já. Fizeram uma reunião com o nome do Adriano no Planalto. Entendeu, tia?”
Em áudio, irmã de Adriano diz que Planalto ofereceu cargo pela morte do miliciano
Por Hora do Povo
Flávio Bolsonaro, Adriano da Nóbrega e Jair Messias (Fotomontagem HP)
“Já tinham dado cargos comissionados no Planalto pela vida dele, já. Fizeram uma reunião com o nome do Adriano no Planalto. Entendeu, tia?”, diz Daniela à tia, dois dias depois da morte do irmão. Áudios são da Polícia Civil do Rio
Começam a vir à tona os reais motivos que levaram à morte o ex-capitão do Bope e depois chefe da milícia do Rio das Pedras e do Escritório do Crime, Adriano da Nóbrega. Sua mãe, Raimunda Veras Magalhães e sua ex-mulher, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, eram funcionárias fantasmas do gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) num esquema de lavagem de dinheiro que, segundo o MP-RJ, envolvia a milícia.
MÃE DE ADRIANO FOI ORIENTADA POR QUEIROZ A FUGIR DO RIO
A mãe de Adriano foi orientada por Fabrício Queiroz, assessor de Flávio, a fugir da cidade assim que o escândalo da rachadinha estourou em 2018. Ela foi se esconder no interior de Minas Gerais para não depor no Ministério Público do Rio. Lá ela recebeu a visita de um emissário de Queiroz e de seu advogado Frederick Wassef. Nessa época, Adriano ainda estava foragido.
Esta visita se deu dois meses antes de Adriano morrer numa operação de captura da polícia na Bahia. Adriano recebeu uma proposta feita por Luis Gustavo Boto Maia, advogado de Flávio Bolsonaro, e pela mulher de Fabrício Queiroz, Márcia Oliveira de Aguiar. Os dois foram orientados por Frederick Wassef, o “Anjo”, e Fabrício Queiroz antes de se reunirem com a mãe de Adriano, Raimunda Veras Magalhães em seu esconderijo no interior de Minas Gerais.
Os promotores nunca localizaram a mãe de Adriano porque ela se escondeu em Minas Gerais e recebia orientações jurídicas de Queiroz e de Luiz Gustavo Botto Maia.
Uma escuta telefônica feita pela Polícia Civil do Rio de Janeiro há dois anos, e tornada pública agora, mostra Daniela, uma irmã do ex-policial militar e criminoso profissional, acusando o Palácio do Planalto de oferecer cargos comissionados em troca da morte do ex-capitão.
A conversa é com uma tia de Adriano e dela dois dias após a morte do miliciano. Ela disse que ele soube dele que houve uma reunião envolvendo seu nome no palácio do Planalto e do desejo deles de que se tornasse um “arquivo morto”.
“Ele já sabia da ordem que saiu para que ele fosse um arquivo morto. Ele já era um arquivo morto. Já tinham dado cargos comissionados no Planalto pela vida dele, já. Fizeram uma reunião com o nome do Adriano no Planalto. Entendeu, tia? Ele já sabia disso, já. Foi um complô mesmo”, disse ela na gravação autorizada pela Justiça e divulgada pela Folha de S. Paulo.
A gravação faz parte das escutas realizadas pela polícia no âmbito da Operação Gárgula que investigam o esquema de lavagem de dinheiro e a estrutura de fuga de Adriano.
QUEIMA DE ARQUIVO
Desde o dia em que Adriano foi morto no interior da Bahia em fevereiro de 2020, a família dele suspeita de uma execução para “queima de arquivo”, o que até o momento não foi esclarecido. “Ele falou para mim que não ia se entregar porque iam matar ele lá dentro. Iam matar ele lá dentro. Ele já estava pensando em se entregar. Quando pegaram ele, tia, ele desistiu da vida”, disse Daniela.
Já uma outra irmã de Adriano, Tatiana, conversa com a mesma tia e escuta dela: “Daniela sabe de muita coisa, hein?” Tatiana nega a acusação feita ao irmão de ser miliciano. “Pessoal cisma que ele era miliciano. Ele não era miliciano não. Era bicheiro. […] Querem pintar o cara numa coisa que ele não era por causa de coisa política. Porque querem ligar ele ao Bolsonaro. Querem ligar ele a todo custo ao Bolsonaro.” “Aí querem botar ele como uma pessoa muito ruim para poderem ligar ao Bolsonaro. Aí já disseram que foi o Bolsonaro quem assassinou. Quando a gente queria cremar diziam que e a família queria cremar rápido porque não era o Adriano. Uma confusão.”
A atuação do presidente na ocasião foi alvo de elogio de Tatiana em outra conversa. “Ele foi nos jornais e colocou a cara. Ele falou: ‘Eu estou tomando as devidas providências para que seja feita uma nova perícia no corpo do Adriano’. Porque ele só se dirige a ele como Adriano, capitão Adriano.” Ela, por sua vez, sugere na fala que a ordem para matar o irmão foi do ex-governador Wilson Witzel. “Foi esse safado do Witzel, que disse que se pegasse era para matar. Foi ele.”
“SOU AMIGO DO PRESIDENTE E ESTOU ME FUDENDO”
O vínculo entre a morte do ex-PM e a proximidade com o presidente também foi tema de conversa entre Luiz Carlos Felipe Martins, sargento da PM acusado de ser braço-direito de Adriano, e um homem não identificado. “Ele falava para mim: ‘Orelha, nunca vi isso. Estamos se fudendo por ser amigo do presidente da República. Porra, todo mundo queria uma porra dessa. Sou amigo do presidente da República e to me fudendo’. Morreu por causa disso” , disse o sargento.
Orelha, como era conhecido o sargento PM, foi morto numa emboscada no dia 20 de março de 2020, dois dias antes do cumprimento de mandados de prisão e busca da Operação Gárgula. O homicídio ainda não foi esclarecido.
As ligações de Jair Messias Bolsonaro com o assassino profissional Adriano da Nóbrega são anteriores aos vínculos de sua mãe e ex-mulher no gabinete de Flávio.
Em discurso feito do plenário da Câmara, em 2005, Bolsonaro saiu em sua defesa e contestou o resultado do julgamento do miliciano. Ele chamou o ex-militar condenado de “brilhante oficial”.
Adriano, à época, já estava associado ao crime, após participar do esquema de segurança na guerra entre bicheiros do Rio de Janeiro. Ele viria a ser expulso da PM e assumiria em seguida o comando da milícia de Rio das Pedras e posteriormente do Escritório do Crime.
Quando recebeu a primeira homenagem de Flávio Bolsonaro, em 2003, Adriano já tinha sido afastado do BOPE por suspeitas de irregularidades e foi transferido para o batalhão do bairro de Olaria, na Zona Norte. Ali, sob sua orientação, seus comparsas fardados sequestravam, torturavam e extorquiam moradores em troca de dinheiro.
Uma investigação da PM identificou pelo menos três vítimas do grupo chefiado por Adriano em 2003. Uma delas era Leandro dos Santos Silva, de 24 anos, que foi executado logo depois de denunciar que havia sido agredido. Adriano chegou a ser preso e foi condenado, mas o júri popular foi anulado em segunda instância por medo das testemunhas de comparecerem ao tribunal.
Os bolsonaros prestaram três homenagens a Adriano da Nóbrega. A primeira, já citada, veio cinco meses depois de Adriano, já transferido de batalhão, e o então sargento Fabrício Queiroz, naquela época lotados no 18º Batalhão da Polícia Militar, em Jacarepaguá, na Zona Oeste fluminense, se envolverem na morte de um morador da comunidade de Cidade de Deus.
Flávio fez uma moção de louvor na Assembleia Legislativa do Estado do Rio em que elogia Adriano por seu “brilhantismo”. Jair Bolsonaro fez questão de dizer que a iniciativa de homenagear o bandido foi dele.
MEDALHA TIRADENTES
Dois anos depois, o parlamentar voltou a prestar homenagem ao ex-policial, desta vez com a medalha Tiradentes, a maior honraria concedida pela Assembleia. A justificativa, de novo, era “por ser um brilhante oficial”. Detalhe: na ocasião Adriano estava na prisão, onde recebeu a comenda. Ele foi condenado a 19 anos de prisão pelo segundo homicídio, também atuando como policial. Acabou liberado e, por esse mesmo crime, voltou à prisão em 2011.
Em 2005, num discurso na Câmara dos Deputados, Bolsonaro criticou a condenação do então tenente da PM em razão da morte do flanelinha numa operação policial. Dois anos depois, em 2007, a então mulher do ex-PM, Daniella Mendonça, foi empregada no gabinete de Flávio na Assembleia do Rio (Alerj). Em 2016, foi a vez da mãe de Adriano assumir um cargo no mesmo lugar.
As duas também são acusadas de envolvimento no caso da “rachadinha”. O MP-RJ afirma que foram transferidos para a conta de Fabrício Queiroz, o faz tudo da família Bolsonaro, a quantia de R$ 400 mil, através de depósitos feitos pela mãe de Adriano, referentes à devolução de parte dos salários que as duas recebiam do gabinete de Flávio sem trabalhar. No total, o MP concluiu que mais de R$ 7 milhões foram desviados da Alerj pela dupla Flávio e Queiroz.