Ditadura, só de fotógrafos, disse general a dias do golpe de 64
O general Amauri Kruel e o ministro da Justiça de Jango, Abelardo Jurema, no dia em que Kruel fez graça com fotógrafos (Folhapress)
Folha
Fábio Marton
A ideia veio da angustiante especulação sobre qual seria a real posição das Forças Armadas numa possibilidade de golpe. Resolvi descobrir o que diziam os generais à beira do golpe de 1964. Particularmente, queria saber das possíveis (e prováveis) garantias dos generais de que não haveria golpe. Fiz isso por uma pesquisa no Acervo Folha.
Saí frustrado. “Golpe” nas notícias de então era só de esquerda: o golpe que supostamente o presidente João Goulart estaria prestes a dar em si próprio. Com uma irônica exceção:
Recorte da Folha em 21/03/1964, a 10 dias do golpe militar (Acervo Folha)
O porta-voz dos EUA garantia que o país era contra golpes. O final é profético: “Só saberemos a política de [Lindon] Johnson [presidente dos EUA] a respeito da democracia na América – disse um diplomata – quando houver um golpe de Estado”. Dias depois, os EUA mandariam um porta-aviões na direção do Brasil, para ajudar o grupo golpista numa possível guerra civil. A ajuda da Operação Brother Sam, como foi chamada, não foi necessária.
O mais perto de “garantia” que consegui encontrar por parte de militares brasileiros foi uma nota curtíssima, no dia anterior:
Recorte da Folha
Recorte da primeira página da Folha em 20/03/1964 (Acervo Folha)
Em 17 de março, num encontro com o ministro da Justiça de Jango, Abelardo Jurema, o general Amauri Kruel, responsável pelo II Exército, sediado em São Paulo, teve que posar mais de uma vez para a foto (a que abre a matéria) retratando a suposta paz entre o Poder Executivo e os militares. Jurema falou que estavam se submetendo a uma “ditadura dos fotógrafos” e Kruel se saiu, sorrindo, com: “É a única ditadura que nós admitimos no país”.
Amauri Kruel aderiria ao golpe algo relutantemente: ligou duas vezes para Jango para tentar convencê-lo a excluir a esquerda do governo como forma de ter sua fidelidade. Segundo o depoimento do coronel do Exército reformado Erimá Pinheiro Moreira à Comissão da Verdade em 2014, Kruel foi subornado pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) para aderir ao golpe.
Se Kruel estava sendo sincero com Jango, sua condição tinha dois nomes: Jango devia remover do governo o chefe da Casa Civil, Darcy Ribeiro, e ninguém menos que Abelardo Jurema, o ministro da Justiça com quem havia posado sorridente duas semanas antes. Após o golpe, o ministro teria seus direitos políticos cassados, pelo AI-1, e seguiria para o exílio. Isso torna a foto e a frase simbólicas.
Todo historiador sabe que é um erro pegar exemplos históricos para falar do presente. O que fiz foi uma pesquisa despretensiosa e primordial, que serve para um post, não uma tese. Mas, se esse pequeno achado ilustra alguma coisa, é a relação dos militares com o regime que criaram. Diz algo sobre a negação da natureza do regime pelos militares na época, tentando manter uma fachada democrática. E dos militares até hoje em admitir que “ditadura” é a palavra para o que seu regime foi.