Augusto Aras: agente da subversão bolsonarista ou anjo vingador do ethos republicano?
Que Bolsonaro está investindo pesada e desesperadamente na emergência do caos social para criar as condições objetivas e subjetivas para a sua escalada autoritária para a destruição do “sistema” (que como ele chama o arcabouço jurídico-institucional da Constituição de 1988) disso ninguém mais tem dúvida
Augusto Aras: agente da subversão bolsonarista ou anjo vingador do ethos republicano?
DE: JORGE BAHIA
Que Bolsonaro está investindo pesada e desesperadamente na emergência do caos social para criar as condições objetivas e subjetivas para a sua escalada autoritária para a destruição do “sistema” (que como ele chama o arcabouço jurídico-institucional da Constituição de 1988) disso ninguém mais tem dúvida. Como ele pretende executar o seu plano é o único objeto de debate sério na sociedade e nas instituições do Estado nacional erigido pelo Constituinte de 1988. Sim, não subestime Bolsonaro, ele tem um plano. Ele não é um teórico da estratégia, tanto que foi expulso do Exército, mas é um animal político, logo, voraz, insaciável e intuitivo.
Uma vez que os objetivos de Bolsonaro são óbvios, a cena política atual, embora tensa, tem um enredo simples: Bolsonaro busca criar o caos e as instituições (“o sistema”) buscam evitá-lo. Cada ator do “sistema” defende o seu quadrado. No conjunto, todavia, suas ações vão criando um cordão sanitário contra o vírus bolsonarista.
O STF maneja liminares monocráticas e decisões plenárias quase diárias que botam freio e bridão nos galopes do capitão para avassalar a Constituição. Do Congresso Nacional jorram leis para evitar o caos que Bolsonaro busca criar. Enquanto Bolsonaro joga as massas ao desespero para que, imagina ele, clamem por poderes absolutos para o capitão resolver a parada (estado de sítio), o Congresso Nacional aprova leis que abre os cofres da União para minimizar os efeitos da pandemia, defender os milhões de brasileiros da extinção física, as empresas de extinção jurídica e os Estados e municípios do garrote de Guedes e Bolsonaro. Num exemplo de afastamento do núcleo duro do bolsonarismo, o presidente do Senado, caso raro, devolveu por inconstitucional a MP 979/2020, através da qual o ilustrado Weintraub queria conformar as universidades brasileiras ao olavismo terraplanista. Os governadores de prefeitos buscam no STF e no Congresso escudo para as investidas do Planalto contra sua autonomia e competência legal. A mídia, também parte do “sistema” que agrilhoa os sonhos napoleônicos do capitão e de seu exército de fanáticos, faz a sua parte divulgando os números e dramas da tragédia do coronavírus.
À ação individual e concertada das instituições do Poder Central, dos demais entes federativos na defesa de suas prerrogativas e da Constituição Bolsonaro qualifica de conspiração e invasão das prerrogativas e competências da Presidência. Por ora, os rounds se acumulam sem que ninguém mostre força para o nocaute do adversário. O pugilato institucional segue seu crescendo enquanto brasileiros morrem aos milhares diariamente e o governo neoliberal, não apenas as UTIs, parecem esgota sua capacidade de atendimento às demandas da população. A ideia de que haverá de haver um clímax que interrompa a espiral de desagregação político-institucional pode ser sentida cada vez mais claramente.
Onde entra Aras em tudo isso?
Enquanto a ação institucional do Congresso e do Judiciário não suscitam maiores indagações, o posicionamento do Ministério Público, em especial do Procurador-Geral da República, é objeto de acesa celeuma. Aras é um acovardado e obediente bolsonarista, mantra da esquerda blogueira e do próprio capitão, ou é um agente político independente, cônscio de seus deveres e leal à Constituição, como o PGR afirma sobre si mesmo?
O MPF vive lances de uma guerra interna sem quartel desde que Aras passou a investigar o sistema eletrônico de votação utilizado para compor as famosas listas tríplices da ANPR – Associação Nacional dos Procuradores da República, veneradas como maravilhoso instrumento de gestão democrática tanto por procuradores de esquerda, sob a liderança do petista Eugênio Aragão (https://www.cartacapital.com.br/politica/em-guerra-contra-moro-aras-enfrenta-guerrilha-interna-na-procuradoria/amp/ ), como pelos guerreiros lava-jatistas comandados pelo homem do power-point mais conhecido da história do Brasil, Deltan Dallagnol (https://veja.abril.com.br/politica/apos-nomeacao-de-aras-deltan-defende-lista-triplice-por-pgr-independente/). Que causa comum leva o comandante petista da legião de procuradores “de esquerda” e o lavajatista Deltan Dallagnol a reunirem as suas tropas? Segundo Aras, não há um causa propriamente, mas reles e abjeto oportunismo corporativista e o desespero de assistir uma investigação séria avançar sobre o esquema de compadrio, fisiologismo e manipulação de “eleições” para a lista tríplice e para a distribuição de processos entre os procuradores que funcionou por dezesseis anos. Segundo Aras, o esquema viabilizava o fatiamento do MPF entre facções corporativas e operava através de um sistema eletrônico inauditável e fraudável que foi objeto de auditoria da CGU e do órgão pericial interno da PGR, cujos laudos são conclusivos no sentido de que o sistema é manipulável. Ou seja, processos seriam distribuídos para este ou aquele procurador por encomenda. Nada republicano, o que é mais grave numa instituição que tem no próprio nome a defesa da República.
A guerra interna no MPF transbordou suas fronteiras e pauta a mídia. Uma curiosa coincidência de perspectiva entre a mídia comercial, o blogueirismo petista e suas redes sociais e o lavajatismo em desespero lançam todos os meios de comunicação a uma inusitada blitskrieg midiática que apresenta Aras como um desprezível pau-mandado de Bolsonaro que não mede esforços para livrar o capitão e seus filhos das consequências dos seus malfeitos. Aras é a atual Geni da esquerda, da mídia e do lavajatismo.
Nessa toada, em plena crise sanitária suas excelências do “parquet”, com a mesma desfaçatez boçal com que tentaram impor ao Congresso Nacional as famosas “10 medidas contra a corrupção”, cometem a ousadia oportunista de buscar pautar uma mudança constitucional para impor ao Presidente da República (o poder popular) a lista tríplice corporativa da ANPR. Mas, como se dizia, “modus in rebus”. Se pelos frutos se conhece a árvore, os frutos “tuiuiús” Roberto Gurgel, Antonio Fernando, Janot e Raquel Dodge não recomendam a “sagrada” árvore da lista tríplice da ANPR, o que impõe ao observador atento ao menos conceder ao PGR Aras o benefício da dúvida quando ele se apresenta como anjo vingador do ethos republicano a baixar o tacape no corporativismo na instituição. E quando Aras diz que nos 16 anos de vigência do domínio do corporativismo dos “tuiuiús” e da ANPR o MPF serviu a si mesmo, criminalizou a política e destruiu a economia nacional, devemos fechar os ouvidos porque, afinal, os petistas de Eugênio Aragão e os lava-jatistas do indefectível Deltan Dallagnol bradam que não se deve ouvir, nem dar crédito, a um “bolsonarista”?
Afinal, o que há de verdade e de mistificação interesseira em tudo isso? Há dados objetivos nos quais possamos nos orientar a respeito do que o Brasil pode esperar do PGR Augusto Aras nessa luta do Brasil por salvar o Estado nacional da Constituição de 1988?
Ainda menino, eu gostava de nadar nos rios do interior do meu Estado. Especialmente, gostava de nadar contra a corrente. Este gosto me acompanha desde então. Nestas mal traçadas linhas exercerei prazerosamente a arte de nadar contra a corrente na análise do comportamento da Procuradoria Geral da República sob a gestão Aras para avançar numa tese a respeito do que o Brasil pode esperar dele.
Vamos lá.
Passou despercebido da mídia, dos blogs e dos analistas políticos uma importante manifestação oficial do Ministério Público nacional (MPF e MPs dos Estados). Pela voz do Procurador-Geral da República e do Presidente do Conselho Nacional dos Procuradores Gerais de Justiça, Fabiano Dallazen, os procuradores e promotores de Justiça do país, lançaram uma Nota Pública, na qual reafirmam o compromisso com o Estado Democrático de Direito e (atenção para a escolha das palavras) rejeitam “a intolerância, especialmente as fake news que criam estados artificiais de animosidade entre as pessoas, causando comoção social em meio a uma calamidade pública, com riscos de trágicas consequências sociais para o povo”.
A expressão “comoção social” por Aras e Dallazen na breve e incisiva Nota Pública do Ministério Público nacional não é casual, nem gratuita. Ao contrário, é escolha calculada e traduz a estratégia institucional para colocar trava na marcha do capitão rumo ao confronto aberto com os demais Poderes e com o sistema jurídico e político da Constituição de 1988.
Expliquemos. O centro de tudo é o estado de sítio, sonho de consumo de Bolsonaro. Descartemos a hipótese do estado de defesa (art. 136 da Constituição) como preliminar do estado de sítio. Não, isso não serve para Bolsonaro. Estado de defesa é café sem cafeína. Bolsonaro quer mais, quer tudo: quer nada menos que todo o poder. “Nenhum poder a menos na minha mão” é o bordão do capitão. O capitão quer mais e buscará o remédio apropriado: o estado de sítio!
Aí é que entram Aras e a Nota Pública do Ministério Público nacional apontando para “as fake news que criam estados artificiais de animosidade entre as pessoas, causando comoção social em meio a uma calamidade pública, com riscos de trágicas consequências sociais para o povo”.
Segundo a Constituição, art. 137, o estado de sítio pode ser decretado pelo Presidente, desde que autorizado pelo Congresso, em duas situações: (a) comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa (b) declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira. O que importa para os objetivos da presente reflexão é o fundamento constitucional definido por “comoção grave de repercussão nacional”, ou seja, o caos que Bolsonaro vem criando todo santo dia à base de negacionismo científico, conflitos entre Poderes, conflitos interfederativos e liberação desabrida de armas (inclusive fuzis antes de uso restrito do Exército) nas mãos de bandos de narcotraficantes e milícias.
Diferentemente do estado de defesa, menos severo, limitado no tempo (sessenta dias) e no espaço (Art. 136, § 1º O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem.), o estado de sítio não tem limite de tempo e é porradaria total no “sistema”, suspendendo as garantias constitucionais dos cidadãos da forma mais ampla e drástica possível: obrigação de permanência em localidade determinada, detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns; restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão; suspensão da liberdade de reunião; busca e apreensão em domicílio; intervenção nas empresas de serviços públicos; requisição de bens. Até mesmo a divulgação de discursos de sofre restrições no estado de sítio, precisando ser liberada pelas respectivas Mesas.
Todavia, o estado de sítio precisa ser aprovado pelo Congresso, que é parte essencial do “sistema” que Bolsonaro quer destruir. Como o capitão conseguirá isso? Ora, primeiramente criando o caos (a comoção grave de repercussão nacional) para, em seguida, cavalgando o caos, impor ao Congresso a “escolha” entre a desagregação total das relações sociais ou a entrega ao capitão de poderes excepcionais e absolutos para que “coloque ordem” na desordem por ele próprio instaurada.
Aí é que entra o Centrão. Como o quórum é de maioria absoluta, Bolsonaro conta com o Centrão para a aprovação do requerimento para a decretação do estado de sítio. Sim, aquela malta de políticos de baixíssimos teores éticos, morais e republicanos, gente de um pragmatismo negocista ilimitado, parlamentares disponíveis que topam qualquer negócio e contra os quais o capitão fez a sua campanha “moralista” para a Presidência! Serão eles o instrumento que o capitão prepara avassalar a Estado.
O Centrão, com a sua bocarra insaciável por cargos e orçamentos, já está no governo. Para ele foi recriado o Ministério das Comunicações, seu 23º ministério, quando nas eleições prometeu no máximo quinze. Sob as mãos hábeis do Centrão estará, ao menos em parte, a regulamentação da internet 5G. Coisa de bilhões. Assim, o governo cada vez assume a feição de um exótico e horrendo amálgama tropical de milhares de militares aboletados em cargos públicos associados ao que há de mais atrasado e negocista na política nacional, reunidos em torno de uma liderança caótica e randômica, sem projeto nacional, que empurra o país para uma situação de inédita instabilidade interna somada à mais absoluta irrelevância internacional. Não bastasse, tudo isso durante uma pandemia causadora da mais grave crise sanitária da nossa história.
Voltemos ao PGR Aras. Na acima mencionada Nota Pública, o PGR Aras e o representante dos Ministérios Públicos dos Estados apontam as fake news como “geradoras de estados artificiais de animosidade causadores de comoção social durante a pandemia” e dizem que isso traz riscos de trágicas consequências sociais para o povo. Está claro que o MPF está se movendo (com o vagar prudente como se movimentam os potentados institucionais) para retirar legitimidade da futura tentativa de Bolsonaro de usar o argumento da comoção social (ou, seja do caos por ele próprio criado) para impor ao Congresso Nacional o estado de sítio. O Ministério Público de Aras prepara o terreno para responsabilizar Bolsonaro por associar-se à produção de “estados artificiais de animosidade causadores de comoção social”.
Neste sentido e com esse propósito, o Ministério Público une-se ao Supremo no combate à máquina de fake news do bolsonarismo. Isso fica claro na manifestação do Presidente do Supremo Dias Toffoli em defesa de Aras, no dia 8 de junho. Toffoli, que determinou a abertura do inquérito das fake news que corre no Supremo e escolheu a dedo o ministro Alexandre de Moraes para presidi-lo, disse em favor do PGR, na presença do Presidente do Senado e do Presidente da Câmara dos Deputados, ser testemunha “da (sua) firmeza, da coragem de atuação e, mais do que nunca, de não cair na vaidade que outros no passado caíam, de achar que o holofote é a solução.” (https://www.conjur.com.br/2020-jun-08/toffoli-elogia-prudencia-parcimonia-aras?utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter). Traduzindo, o que Toffoli disse é que Aras não se exibe para a imprensa, mas fala duro nos autos. Nenhum discurso é vazio nestes tempos tensos e acelerados. É sempre importante o texto. Mais que ele, porém, o contexto. Toffoli escolheu local e hora para dar o recado: abertura do 3º Fórum Nacional das Corregedorias de Justiça. Cada Tribunal do país, os da Justiça Federal e das Justiças Estaduais, tem um corregedor, cargo ocupado por um magistrado no topo da carreira. (desembargadores com larga experiência de Poder). Ou seja, Toffoli falou para todo o Judiciário nacional e o fez diante dos Presidentes do Senado e da Câmara. Assim, o Presidente do Supremo disse à alta direção do Poder Judiciário e do Poder Legislativo que ele e o Procurador-Geral da República estão fechados.
E fechados em relação ao que senão às fake news?
As fake news são o calcanhar de Aquiles de Bolsonaro. O inquérito que corre no Supremo foi considerado constitucional pelo Ministro Fachin e atendeu o requerimento de Aras de que, como não poderia ser diferente, o MPF acompanhe cada ato do processo (https://www.conjur.com.br/2020-jun-10/fachin-investigacao-supremo-nao-usual).
As fake news podem, por arrastamento eleitoral, levar Mourão de roldão. O assunto é o objeto de uma ativa, ampla e competente investigação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Congresso sob a relatoria da experiente e aguerrida ex-senadora e hoje deputada Lídice da Mata (PSB-BA). Por outro lado, a pauta parlamentar avança: o PL 2630, do senador Alessandro Vieira, recebeu um substitutivo do senador Angelo Coronel, do PSD baiano, que amplia significativamente as restrições à divulgação de fake news, estabelece punições, inclusive de ordem criminal, e cria mecanismos legais para aumentar a transparência nas redes (que os pilotos kamikazes dos robôs bolsonaristas temem mais que o Diabo à Cruz).
Em mais uma demonstração de que Aras está firmemente inserido no cordão sanitário interinstitucional que está sendo montado para proteger a Constituição do iminente ataque viral bolsonarista, na sessão do TSE de 09/06/2020, em que o recém empossado ministro Alexandre de Moraes pediu vistas de dois processos sobre o uso massivo de fake news pela chapa Bolsonaro-Mourão nas eleições de 2018, o Procurador-Geral Eleitoral designado por Aras opinou contra a defesa do capitão e defendeu a inclusão nos processos eleitorais das provas da investigação sobre as fake news colhidas no inquérito instaurado por Toffoli e presidido por Alexandre de Moraes no STF. Ou seja, como Toffoli disse, Aras não dá discurso, manifesta-se nos autos.
O cordão sanitário na defesa da Constituição contra o vírus tirânico do bolsonarismo começa a se fechar e deve levar Mourão de roldão. Se isso era impensável há alguns meses, a pandemia do coronavírus somada à Terceira Lei de Newton, também aplicável à política, tornou a “solução TSE” mais do que possível, absolutamente necessária. Quanto mais o capitão cavalga e ruge, mais “o sistema” reage em força de igual intensidade e sentido oposto. Parece que não há mais espaço para recuo de lado a lado. As soluções processuais de lenta evolução estão praticamente descartadas. Dadas as atuais condições de calamidade no país, surge como inevitável uma medida fulminante e mortal na aventura ditatorial do capitão: uma decisão do TSE na jugular e pronto. Acabô, porra! E lá se foi o tiranete! Afinal, como tocar um longo e complexo processo de impeachment contra o abusado capitão num momento de pandemia? Isso seria investir no caos e fazer o jogo de Bolsonaro e dos seus fanáticos.
Portanto, os Poderes (Congresso e Judiciário) e o MPF se unem contra a organização criminosa de fabricação e propagação de fake news, que é o suporte principal da força política de Bolsonaro. O que sobra em apoio a ele em termos de poder institucional para evitar ser engolfado pela onda legalista que se levanta? Os militares? Sob o comando de quem? De Heleno, o estridente general da reserva? Heleno manda alguma coisa nas Forças Armadas? Os militares de Caxias estão preparados para uma (desventurada) aventura histórica contra o regime democrático-constitucional sob o comando do “atilado e previsível” de Bolsonaro?
E se, diante das investigações que o Supremo está conduzindo através da Polícia Federal (não a PF do capitão, mas a PF “de Alexandre de Moraes”) e das investigações que a Procuradoria Geral da República também está avançando, o STF provar que a máquina criminosa de produção e divulgação de fake news encontra-se sob a proteção e guarda do Presidente da República através do seu filho Carlos Bolsonaro, o Carluxo, a quem o capitão publicamente creditou a sua eleição?
A comprovação do esquema criminoso está mais próxima depois das buscas e apreensões de 27 de maio em casas de blogueiros, políticos e empresários bolsonaristas determinadas por Alexandre de Moraes no inquérito das fake news que corre no Supremo. E se o Congresso Nacional, como é promessa do presidente do Senado, aprovar rapidamente o PL das fake news? E se o TSE incorporar as provas produzidas no Supremo e pela PGR aos processos já abertos contra a chapa Bolsonaro/Mourão pelo uso da maquinaria das fake news para violar a normalidade do processo eleitoral de 2018?
O caso Sara Winter fornece mais um elemento objetivo para uma avaliação da atuação do PGR Aras descontaminada de preconceitos. “Sara Winter” é o nome político de Sara Fernanda Giromini, extremista de direita que comanda o grupo paramilitar “300 do Brasil”, é ex-militante feminista e ex-assessora do Ministério da Família, à qual Janaina Paschoal qualifica como “a face mais visível do Bolsonarismo” e que o DEM expulsou sumariamente dos seus quadros. Ela recebeu uma visita matinal da PF na operação de 27 de março no contexto do inquérito das fake news e teve o seu celular e computador apreendidos. Intimada para depor na PF a extremista publicou nas redes sociais: “Eu vou incorrer em crime de desobediência porque me nego a ir nessa bosta. Eu não vou!”. Não satisfeita, a extremista que se faz fotografar portando armas gravou um vídeo com ameaças ao ministro Alexandre de Moraes e sua família. Como o chefe, ela dobra a aposta, radicaliza, investe no caos. Como o chefe, testa a resiliência das instituições. Quer ser presa, faz tudo para ser presa. Quer, como o chefe, virar “mito”. Alexandre de Moraes mandou o vídeo para a PGR e descreve os crimes que a extremista cometeu, cujas penas somam de 7 a 22 anos de cadeia (https://veja.abril.com.br/blog/radar/a-lista-de-crimes-imputados-por-moraes-contra-sara-winter/).
Pois bem. O que fez Aras com o vídeo de Sara Winter? Abriu um procedimento e por imposição legal, uma vez que ela não possui foro por prerrogativa de função (“foro privilegiado”), encaminhou-o à Procuradoria da República no DF. Lá foi distribuído para um procurador da República, Frederick Lustosa e desde então está com ele, sem andamento conhecido. Ante a demora do procurador em manifestar-se, a Corregedora-Geral do MPF Elizeta Ramos, nomeada por Aras, notificou o procurador para que, em 24 horas, pronuncie-se quanto à denúncia de Sara e sua prisão. O blog Radar, da Veja, com informações de fontes próximas a Aras, diz que o prisão de Sara está minutada na PGR.
A “paciência” com que o procurador Frederick Lustosa trata o literalmente explosivo caso da paramilitar Sara Winter permite trazer à análise um outro aspecto do terremoto que Aras promove no MPF e que pode ser uma das causas do levante que une contra ele petistas e lavajatistas de diferentes matizes. Hoje, os procuradores da República consideram-se autárquicos: fazem o que querem, se querem e quando querem, estando obrigados, dizem eles, apenas pela Constituição, as leis e suas próprias consciências. É o que eles chamam de independência funcional. Sob o manto da independência funcional, por exemplo, um procurador da República pode, em tese, proteger uma pessoa de sua predileção ou perseguir outra de sua antipatia. O assunto está sendo decidido pelo STF na ADI 2.854, proposta Associação dos Membros do Ministério Público (Conamp), que argumenta pela inconstitucionalidade de regra da lei orgânica do Ministério Público que permite ao Procurador-Geral designar membros do MP para, por ato excepcional e fundamentado, exercer as funções processuais afetas a outro membro da instituição, desde que autorizado pelo Conselho Nacional do Ministério Público. O julgamento pelo Plenário Virtual começou no dia 5 de junho. O relator, ministro Marco Aurélio votou pela inconstitucionalidade da regra, por considerá-la ofensiva ao princípio do acusador natural. O ministro Fachin abriu a divergência com base no entendimento de que inamovibilidade funcional do membro do Ministério Público não é absoluta, mas adstrita ao interesse público. O ministro Alexandre de Moraes (sim, ele, hoje caçado pelo bando de Sara Winter) pediu vistas do processo (https://www.conjur.com.br/2020-jun-13/stf-julga-poder-pgr-substituir-procuradores-acao).
O pugilato entre Aras e os procuradores federais expressa-se no campo das ideias na forma da disputa entre o princípio da independência funcional, defendido pelos procuradores como cláusula pétrea de sua atuação, e o princípio da unidade institucional, através do qual Aras pretende conciliar a independência funcional dos procuradores com as suas prerrogativas legais de chefe da instituição. Um exemplo do conflito deu-se no dia 14 de abril deste ano no contexto da luta contra a pandemia do COVID19. Assim como o governo federal criou um gabinete de crise para coordenar os assuntos relativos à pandemia e o Congresso Nacional criou uma comissão externa específica para acompanhar e fiscalizar as ações do governo, o PGR criou o GIAC – Gabinete Integrado de Acompanhamento à Epidemia do Coronavírus e enviou ofícios para 20 ministérios solicitando que as recomendações que recebessem de procuradores da República relativas ao enfrentamento da pandemia fossem encaminhadas à PGR sob os cuidados do GIAC. Foi o que bastou para a grita de procuradores e da ANPR, nas suas sempre disponíveis caixas de ressonância na imprensa comercial, do blogueirismo de esquerda e do lavajatismo.
Um outro episódio que deve ser analisado com a devida atenção é a supreendente ação de Aras para evitar que o vergonhoso olavista Ministro das Relações das Relações Exteriores, Ernesto Araújo promovesse a expulsão de 23 famílias de diplomatas venezuelanos em plena pandemia. Aras interviu, enviando um duro e fundamentado ofício ao Chanceler, juntando a posição contrária ao ato do ministro por parte do GIAC e alertando-o de que o assunto poderia ser objeto de posteriores medidas investigatórias do MPF. Foi o posicionamento do PGR que fundamentou a posterior decisão do ministro Barroso determinando a suspensão da medida em habeas corpus impetrado pelos venezuelanos no Supremo. É difícil não reconhecer que a atuação do PGR Aras naquele caso não foi nada “bolsonarista”. Ou você pensa que Bolsonaro ficou feliz com o desfecho? Mas no blogueirismo de esquerda ou que ouviu foi um silêncio ensurdecedor e basbaque.
O cordão sanitário contra o vírus bolsonarista ganhou novos lances neste sábado, 13 de agosto. O governador Ibaneis resolveu acabar com a “brincadeira” do acampamento paramilitar da tropa de Sara Winter. O acampamento foi desfeito, os recalcitrantes tomaram gás de pimenta na cara e, em “resposta”, os extremistas, em número de 20, buscaram invadir o Congresso Nacional, tendo sido interceptados pela Polícia Legislativa. O governador do DF baixou decreto regulamentando as manifestações na Esplanada e abriu confronto com Bolsonaro. Em seguida às medidas do governo do Distrito Federal, extremistas bolsonaristas promovem um foguetório ensurdecedor na frente ao Supremo, apontando os fogos (ainda de artifício) na direção do prédio da Justiça.
Diante do teste de stress a que Bolsonaro submete as instituições do Estado criado pela Constituição de 1988, de duas, uma: ou será enquadrado e apeado do Poder ou coloca o Estado sob a sua bota, usando para isso algo mais que o cabo e o soldado que o seu filho Eduardo Bolsonaro anunciou serem suficientes para a empreitada de fechar o Supremo. Fanfarronices dos seus filhotes à parte, a pergunta agora é se Bolsonaro alcançaria o logro golpista somando ao cabo e o soldado a tropa de Sara Winter, alguns histriônicos generais de pijama e outras dezenas de “valentes” deputados do Centrão? E as Forças Armadas? Cometeriam o maior erro em toda a sua história e da qual levarão gerações para se recuperar, se um dia houver perdão da Nação para o crime?
Ou a porta-bandeira do golpe seria o ameaçador general Ramos que, em entrevista à Veja, fez-se ver como um velho e respeitado professor de ex-cadetes que hoje têm as tropas nas mãos, as quais, por isso, estão disponíveis para a aventura golpista a simples chamado dele caso “o outro lado estique a corda”. O “outro lado” é o Estado brasileiro criado pela Constituição de 1988. “Esticar a corda” é, com base nas provas colhidas no inquérito do STF, o TSE cassar a chapa Bolsonaro-Mourão. Ao invés de acovardar-se, o Brasil levantou-se de pronto. A síntese da reação da sociedade foi primorosamente dada pelo jornalista Reinaldo Azevedo (“General Ramos, tenha a coragem de se desculpar como uma americano! (https://youtu.be/3QfA0yI4TSM) e do Presidente do PDT, Carlos Lupi, que tomado da valentia de Brizola gravou um curto vídeo no Twitter dizendo: General Ramos, não nos ameace! (https://twitter.com/CarlosLupiPDT/status/1271479764885405697?s=20)
O general Villas-Bôas, então Comandante do Exército, numa conhecida palestra a alunos de Direito de Brasília, em 27 de abril de 2016 (https://www.youtube.com/watch?v=ZzbuvmMORs4), ainda no governo Dilma e sob a gestão de Aldo Rebelo no Ministério da Defesa, fez uma análise (auto)crítica do março de 1964 e do pós-golpe. Segundo ele, o Brasil, que tinha um projeto nacional iniciado com a Revolução de 30 e foi o país que mais cresceu no mundo das décadas de 1930 a 1980, cometeu o erro de se deixar capturar pela lógica alienígena da Guerra Fria, permitindo, com isso, a ocorrência de uma “fratura” – este o termo exato usado por ele: uma fratura – na unidade nacional. Já nos estertores do governo Dilma (o impeachment foi em 31 de agosto), o general pedia prudência para que a unidade nacional reconquistada depois da saída dos militares do poder não fosse novamente perdida porque, dizia, não estamos livres de futuras agressões externas, inclusive com fundamentos pseudoambientalistas.
E agora, passados apenas quatro anos da famosa palestra do general Villas-Bôas, os militares já se arriscam a provocar uma nova (e talvez definitiva) fratura na unidade nacional galopando um golpe “constitucional” pela via do estado de sítio abençoado pela malta de de políticos do Centrão? Para quê? Sob que bandeira? Que programa ético-político? O da iluminista Damares, do olavista Weintraub e do ambientalicida Salles? Ou do clarividente chefe de todos eles, o capitão Bolsonaro? Para a implementação de que projeto econômico, o de brontossauro ultraliberal Guedes?
Em 64, o golpe foi civil-militar contra um governo nacionalista e popular. Hoje o programa econômico do capital financeiro tem no Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, um entusiasmado (e equivocado) defensor e o cordato presidente do Senado, Davi Alcolumbre, está longe de ser um esquerdista. Em 64, os Estados Unidos coordenaram o golpe. Em 2020, os Estados Unidos estão unidos como nação? Trump, num Estados Unidos em chamas pelo assassinato George Floyd e às vésperas de uma possível derrota eleitoral, está em condições políticas e morais de comandar um golpe no Brasil? Os EUA estão em alta ou estão em descenso moral, ético e econômico? E os BRICS, como veriam e como reagiriam?
À medida em que a crise se aprofunda e o governo Bolsonaro os olhos da Nação voltam-se para as Forças Armadas. O art. 142 da Constituição passa a ser objeto de aceso debate. E a Constituição é clara: cabe às Forças Armadas a defesa da Pátria, a garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. Já se manifestaram deslegitimando a priori qualquer ilusão de apoio a uma anacrônica quartelada, primeiramente o PGR (https://www.migalhas.com.br/quentes/328183/augusto-aras-afirma-que-constituicao-nao-admite-intervencao-militar), depois a Câmara dos Deputados (https://www.camara.leg.br/midias/file/2020/06/parecer.pdf) e, em decisão monocrática de 12 de junho, atendendo a uma ação ADI do PDT, o Vice-Presidente do STF, ministro Luiz Fux (http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaPresidenciaStf/anexo/ADI6457.pdf).
Em resposta à decisão do STF, Bolsonaro assinou Nota conjunta com o Vice-Presidente Hamilton Mourão e o Ministro da Defesa: “[As Forças Armadas] também não aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República, ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamentos políticos.”( https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2020-06/liminar-do-stf-diz-que-militares-nao-podem-intervir-em-outros-poderes) Bem, julgamento político é, por definição, o impeachment. Julgamento de ação pelo TSE não é político, mas judicial. Logo, involuntariamente ou não, os escribas da Nota iludiram Bolsonaro. Que venha a solução TSE, pois.
Voltemos ao PGR Augusto Aras, objeto desta reflexão.
Não há outra leitura possível da Nota Pública do Ministério Público Federal e dos Ministérios Públicos dos Estados com a qual abrimos este breve texto que não seja a seguinte: Bolsonaro, seu exército de robôs e fanáticos de carne e osso, produzem e reproduzem fake news “que criam estados artificiais de animosidade entre as pessoas, causando comoção social em meio a uma calamidade pública, com riscos de trágicas consequências sociais para o povo”. Ou seja, Bolsonaro comanda tropas virtuais e reais em atuação aberta para forçar a quebra da lei e da ordem. A quebra da lei e da ordem! E se, diante disso, num drible da vaca jurídico-constitucional, Poder Legislativo e o Poder Judiciário e o fizerem uso do art. 142 da Constituição contra o Poder Executivo? Como ficariam os militares. Em plena pandemia, fechariam o Congresso, o Judiciário, o Ministério Público, calariam a imprensa e “matariam no peito essa bronca aí do coronavírus, talkei”?
Perguntem para o Comandante do Exército (o verdadeiro, não o velho professor de velhos cadetes, general Ramos) se acha uma boa ideia. Tenho dúvidas. O general Edson Leal Pujol gravou uma mensagem (a única até agora) sobre o Covid19, no distante 24 de março, quando a pandemia apenas insinuava os seus horrores (os quais ainda não mostrou todos, infelizmente): “Vivemos o enfrentamento de uma pandemia que exige a União de todos nós brasileiros. … O momento é de cuidado e de prevenção. … O Exército está integrado ao esforço de toda a Nação, sob a coordenação do Ministério da Defesa e junto às Forças irmãs. … Talvez seja a missão mais importante da nossa geração.” Nenhuma referência mistificadora da gravidade da pandemia (“gripinha”) e nenhuma menção ao Presidente da República, Comandante Supremo das Forças Armadas, que Bolsonaro pensa que é. (https://youtu.be/f1pmexyCcGg)
Diante da Nota Pública dos Ministérios Públicos Federal e dos Estados apontando as fake news bolsonaristas como responsáveis pela criação de grave comoção de repercussão nacional (art. 137, I, da Constituição), do elogio público de Toffoli a Aras, do posicionamento do PGR favorável à continuidade do inquérito das fake news no STF, do apoio do Procurador-Geral Eleitoral à inclusão nos processos no TSE das provas de fake news colhidas por Alexandre de Moraes no Supremo e que podem levar à anulação da chapa Bolsonaro-Mourão, da pressão da Corregedora-Geral do MPF nomeada por Aras sobre o indeciso (ou preguiçoso-autárquico) procurador que dormita no caso Sara Winter, com base em que elementos objetivos se suporta e se legitima a blitzkrieg midiática que apresenta Aras como um capacho bolsonarista?
Aras é um reles capacho do capitão, como Bolsonaro, a mídia comercial, a esquerda blogueira e corporativa e o lava-jatismo ressentido querem convencer a sociedade ou será Aras, como sugere Toffoli, um discreto e eficiente protagonista do concerto institucional que vem lenta e paulatinamente construindo um cordão sanitário jurídico-constitucional contra o vírus subversivo e totalitário bolsonarista? Aras é agente da subversão bolsonarista, como querem os seus obstinados detratores à esquerda e à direita, ou é fator de estabilidade e de garantia do respeito à Constituição? Aras é pau-mandado de Bolsonaro ou será o cipó de aroeira que a Constituição descerá valendo no lombo do capitão subversivo para fazê-lo recuar e arriar?
Façam suas apostas. Eu já fiz a minha. Contra a corrente, claro, como gostava de nadar quando menino no rio que corre na minha aldeia. Esteja certo ou errado no meu julgamento refletido, o importante é que, ao final e ao cabo, e tanto melhor cedo que tarde, possa o Brasil respirar em uníssono um aliviado “acabô, porra!” Que uma nova era de reconstrução, paz, prosperidade e união se abra para o Brasil depois da incrível e traumática experiência de uma tragédia dentro de outra tragédia, a do bolsonarismo dentro da pandemia. O que não nos mata, nos fortalece, e o Brasil não morrerá. O Brasil tem um destino luminoso.
Por Jorge Bahia, jornalista e escritor