10 perguntas e respostas para entender a Guerra da Ucrânia

Versão norte-americana, além de ser tendenciosa, em nada contribui para a busca efetiva da paz

10 perguntas e respostas para entender a Guerra da Ucrânia

10 perguntas e respostas para entender a Guerra da Ucrânia

Versão norte-americana, além de ser tendenciosa, em nada contribui para a busca efetiva da paz

 

por André Cintra

 

 

A Guerra na Ucrânia provocou de imediato uma guerra de informações. Por regra, o conjunto da grande mídia – nacional e internacional – tem ecoado a narrativa da Casa Branca, disseminando uma cobertura absolutamente acrítica e subalterna. O Vermelho selecionou dez perguntas para demonstrar que essa versão norte-americana, além de ser tendenciosa, em nada contribui para a busca efetiva da paz. Confira.

1) Afinal, qual é a justificativa “oficial” da guerra?
Nas primeiras horas de quinta-feira (24), a Rússia deflagrou “operação militar especial” em Donbass, no leste da Ucrânia, conforme as palavras do presidente russo, Vladimir Putin. Era o ponto de partida de uma ação por terra, ar e mar que priorizou ataques à infraestrutura militar e pegou de surpresa o governo Volodymyr Zelensky. Um dia depois do início da operação, tropas russas se aproximaram, sem dificuldade, da capital Kiev. Ao justificar o ataque, Putin afirmou que o objetivo russo é “desmilitarizar” a Ucrânia – que, desde o golpe de 2014, é governada por forças de extrema-direita anti-Rússia. Seus presidentes, ainda segundo Putin, têm liderado gestões marcadas por “abusos” e pelo “genocídio” da população ucraniana. Com o golpe, ademais, explodiu o número de grupos ultranacionalistas, fascistas e nazistas em ação na Ucrânia.

2) E qual é o contexto?
Nenhuma guerra pode ser resumida a um episódio específico e absoluto. Mas no caso da Ucrânia, resumindo-se ao extremo, pode-se dizer que o estopim do conflito passa pelo avanço contínuo da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) sobre as ex-repúblicas soviéticas, numa indisfarçável tentativa de cerco militar à Rússia. Desde o fim da União Soviética, em 1991, os Estados Unidos vêm usando seu braço militar no Ocidente, a Otan – um entulho da Guerra Fria –, para ampliar sua hegemonia. A crise russa nos anos 1990 alimentava essa teoria segundo a qual os conflitos futuros seriam eminentemente locais, incapazes de alterar uma ordem mundial unipolar. Sob os sucessivos governos de Putin, no entanto, a Rússia renasceu como potência militar, modernizando seu arsenal e fazendo frente aos Estados Unidos. Na Ucrânia, em compensação, os sucessivos governos pós-golpe são fantoches da Casa Branca. Exemplo disso é o atual líder ucraniano, o comediante Volodymyr Zelensky, no poder desde 2019, que reforçou ainda mais os laços com os Estados Unidos. Por ser filho da indústria cultural e invariavelmente tratar a política como um teatro, Zelensky foi comparado ao italiano Silvio Berlusconi e ao norte-americano Donald Trump, sem ter, entretanto, uma base de apoio tão fiel.

3) A guerra tem antecedentes políticos?
O golpe de 2014 – que derrubou Viktor Yanukovych da presidência da Ucrânia – é um marco dos conflitos recentes entre os dois países. Yanukovych era alinhado à Rússia e se opunha à integração da Ucrânia à União Europeia. Para impor um líder mais alinhado aos interesses do Ocidente, os Estados Unidos da era Barack Obama recorreram uma vitoriosa guerra híbrida, mergulhando a população ucraniana numa onda de desinformação, para descredibilizar o presidente. Os protestos daquele ano em cidades como Donetsk, Carcóvia, Odessa, Luhansk e Mikolayiv serviram de pretexto para a derrubada, à margem da lei, de Yanukovych. Em seu lugar, forças anti-Rússia, de extrema-direita e com feições nazifascistas, assumiram o poder. No mesmo ano, a Rússia anexou a península ucraniana da Crimeia e apoiou grupos separatistas que ocuparam Donetsk e Luhansk. Às vésperas da “operação militar especial”, Putin reconheceu a independência das duas províncias.

4) Qual foi a postura dos Estados Unidos?
Além da participação dos EUA no golpe de 2014 e do avanço constante da Otan sobre repúblicas da ex-União Soviética, a Casa Branca, sob o governo Joe Biden, ampliou as hostilidades à Rússia. Os Estados Unidos também lideraram a série de sanções econômicas do Ocidente ao país europeu desde que Putin começou a instalar forças militares na fronteira com a Ucrânia. Com a entrada das tropas russas, Biden classificou a ação como “ataque injustificado e sem provocação prévia”, acusando a Rússia de ser a única responsável por “mortes e destruição que esse ataque vai trazer”. Mas até analistas pró-EUA admitem que, devido ao declínio relativo do país e às fragilidades da administração Biden, o peso norte-americano no desfecho desse conflito está em xeque.

5) As sanções surtiram efeito?
Até o momento, Washington proibiu dois bancos estatais russos de fazerem negócios nos EUA e restringiu acordos da dívida nacional da Rússia. Alemanha, Reino Unido e União Europeia também anunciaram sanções. Existe uma ameaça de desconectar o sistema bancário russo do sistema de pagamento internacional Swift, mas falta consenso sobre essa medida – a União Europeia e até os EUA poderiam ser afetados. De resto, a Rússia provê 40% da demanda de gás natural da Europa. Conforme destacou uma reportagem da rede britânica BBC, “a Rússia vem reforçando sua defesa, reduzindo a dependência do dólar e tentando tornar sua economia à prova de sanções. O presidente Vladimir Putin pode estar contando que vai suportar sanções por mais tempo do que o Ocidente supõe”.

6) Há chances de a Otan entrar na guerra?
Ao falar aos russos em cadeia nacional de TV, Putin ressaltou que não vai tolerar qualquer ingerência externa no conflito. “Ninguém deveria ter nenhuma dúvida de que um ataque direto ao nosso país levará à derrota e a consequências terríveis para qualquer agressor potencial”, afirmou. Ainda na quinta-feira, Estados Unidos e Otan disseram que, embora apoiem a Ucrânia, não devem recorrer a operações militares na região. Não há, pois, previsão de envio de tropas de combate contra a Rússia.

7) O que a Rússia cobra da Ucrânia?
As saídas para a crise, agora, vão além de um “não” definitivo da Ucrânia à Otan. Nesta sexta-feira (25), o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, afirmou que pode abrir mão de aderir à aliança militar, adotando um “status neutro”. A declaração ocorreu após Zelensky admitir que, na prática, seu governo está sem apoio nenhum no front, a despeito dos discursos e das sanções do Ocidente.  De pronto, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, reafirmou que “o objetivo desta operação era auxiliar Luhansk e Donetsk, incluindo desmilitarizando e desnazificando a Ucrânia. Essas são partes essenciais do status neutro”.

8) O que tudo isso tem a ver com o Brasil?
O Ministério das Relações Exteriores chamou as ações russas de “hostilidades”. O vice-presidente Hamilton Mourão declarou que o Brasil “não está neutro” e repudiou a operação, mas foi desautorizado por Jair Bolsonaro. Só que o próprio presidente se mantém em silêncio, ainda que, na semana passada, em visita a Moscou, tenha afirmado a Putin que o Brasil era “solidário a Rússia”. O fato é que o País, embora seja cada vez mais irrelevante na cena internacional sob o bolsonarismo, tampouco ficará imune aos desdobramentos econômicos do conflito. Um efeito inevitável da Guerra da Ucrânia é a alta do preço do dólar e do petróleo, o que deve proporcionar mais inflação no Brasil. Na quinta, por exemplo, a cotação do Brent, o barril de petróleo usado como referência internacional, ultrapassou a marca de US$ 100 pela primeira vez em oito anos e atingiu US$ 105

9) Há chances de saídas pela via diplomática? A paz é possível?
A Rússia parece já ter atingido parte de seus objetivos, ao reduzir as chances de adesão da Ucrânia à Otan e enfraquecer o poderio militar na nação vizinha. Se é verdade que a Europa e outros aliados dos Estados Unidos seguiram o script da Casa Branca e condenaram a Rússia, também é fato que a posição da China sobressaiu. Conforme a chancelaria chinesa, “as preocupações legítimas de segurança da Rússia devem ser levadas a sério e tratadas”. Esse contraponto à Otan e aos Estados Unidos deu mais legitimidade à Rússia e pode, na prática, ser o atalho para a paz. “Que as partes envolvidas encontrem na diplomacia e no diálogo, e em consonância com o direito internacional e o princípio da não intervenção, uma saída pacífica para a atual crise. Isto requer que as legítimas preocupações da Rússia com sua segurança sejam consideradas, e que seja revertido o cerco da Otan às suas fronteiras”, sintetizou, em nota, o PCdoB.

10) Quais podem ser os impactos de longo prazo dessa guerra?
De modo indireto, um dos efeitos do conflito na Ucrânia pode ser a consolidação de uma nova ordem mundial, mais multipolar, caracterizada sobretudo pela aceleração do declínio dos Estados Unidos e do Ocidente, em favor – por assim dizer – do Oriente. A “declaração conjunta” da Rússia e da China, assinada no último dia 7 de fevereiro, já indicava a “refundação” dessa ordem. Um revés do Ocidente na Ucrânia pode não ser um evento pontual – mas, sim, um divisor de águas na geopolítica. Ao lado da China, a Rússia mostra que a História está em movimento. “Tudo indica que o avanço desta nova ‘era multicivilizacional’ já não tem como ser revertido, nem há mais como devolver o sistema mundial à sua situação anterior, de completa supremacia eurocêntrica”, resumiu o professor José Luís Fiori. “E mesmo que o eixo do sistema mundial ainda não tenha se deslocado inteiramente para a Ásia, o certo é que já se estabeleceu um novo ‘balanço de poder’ que deslocou a hegemonia anterior, do projeto universal e do ‘expansionismo catequético’ da tradição greco-romana e judaico-cristã”.