A Má Consciência do Holocausto em Theodor Adorno, por Jorge Alberto Benitz

A Má Consciência do Holocausto em Theodor Adorno, por Jorge Alberto Benitz

A Má Consciência do Holocausto em Theodor Adorno, por Jorge Alberto Benitz

Adorno prega que devemos prantear por toda a eternidade a morte dos judeus pelo holocausto, que ele chama de fim do mundo.

Redação[email protected]

 

A Má Consciência do Holocausto em Theodor Adorno

por Jorge Alberto Benitz

    Meu filho estudante de filosofia, Leonardo, se incomodava sempre que eu criticava um ponto qualquer de Adorno. Soava como uma mania chata minha de criticar o autor que ele ou eu estava lendo. Acontece que só posso criticar, com propriedade, quem leio e admiro ou de quem, pelo menos, conheço os aspectos principais de seu pensamento, sua doutrina ou ideologia. Refiro-me ao fato de que, por exemplo, para ser crítico do cristianismo não preciso ser um exegeta da bíblia. O caso do Adorno, no entanto, era mesmo intrigante. Ao mesmo tempo em que admirava demais seu estilo, suas observações geniais, especialmente no lido em Mínima Moralia, seu livro de aforismos, algo me incomodava . Lendo Nietzsche de Gilles Deleuze – também, me incomodei e muito com Nietzsche, mas isso é outra história- me deparei com sua ótima análise sobre a má consciência. Trechos sobre a má consciência do livro “A Genealogia da Moral” de Nietzsche, reproduzido por Gilles Deleuze no seu livro “Nietzsche e a Filosofia”:

        “Tal como nos apareceu. O ressentimento não se separa de um horrível convite, de uma tentação, de uma vontade de espalhar um contágio.

    (…)

    Os Homens do ressentimento “quando alcançariam realmente seu último, mais sutil, mais sublime triunfo da vingança? Indubitavelmente quando lograrem introduzir na consciência dos felizes sua própria miséria, toda a miséria, de modo que estes um dia começassem a se envergonhar da sua felicidade, e dissessem talvez um aos outros “é uma vergonha ser feliz! Existe muita miséria! ”.

    (…)

    O ressentimento judaico dizia “é tua culpa”, a má consciência cristã diz “é minha culpa”. Não lhe basta acusar, é preciso que o acusado se sinta culpado.

    Conectando os fios, percebi que o incômodo meu com Adorno tinha origem, justamente, no fato de que ele repete a receita anti-vitalista do cristianismo de São Paulo, que, segundo Nietzsche, distorceu os ensinamentos cristãos, ao pregar que devemos pagar durante toda a vida pela morte de Jesus. Adorno, por sua vez, prega que devemos prantear por toda a eternidade a morte dos judeus pelo holocausto, que ele chama de fim do mundo. Estar consciente da dimensão do mal feito pelos nazistas contra os judeus, ciganos, é obrigação de qualquer ser humano digno, pertencente ou não à civilização judaico-cristã. O que não me parece saudável e recomendável é ficar eternamente de luto por isso, como recomenda Adorno.

    Em muitos de seus aforismos perpassa a impressão de que ele odeia a felicidade dos outros. Ninguém mais pode ser feliz depois do que aconteceu com os judeus. Devemos carregar para toda a vida o sentimento de culpa pelo que houve no Holocausto. Todos somos responsáveis. O mesmo pensamento acusatório e indutor de sentimento de culpa está presente no discurso dos militantes identitários mais furiosos, mais radicais, que culpam todos os brancos, indistintamente pela escravidão. E quem pensa diferente, suponho, deve queimar no fogo do inferno. É a má consciência cristã, “sob nova administração”, denunciada por Nietzsche.

    Compreende- se o tom amargo, duro e condenatório da humanidade, que se faz presente com mais força na primeira parte (Parte 1) do aforismo, escrita em pleno andamento da guerra (1944), e não reformulado em 1955, data de publicação. Tom que apesar de persistir se atenua nos escritos do livro Minima Moralia a partir de 1945.

    Herbert Marcuse, ao contrário dos seus colegas frankfurtianos melancólicos, prega o oposto. Não por acaso, se transformou no ídolo dos jovens na revolução dos costumes dos Anos 60. Diferente de Adorno que faz uma leitura crítica de Freud acusando- o de com a psicanalise tentar curar o homem para adequá- lo melhor ao modelo burguês de ser, Marcuse pensa que o processo psicanalítico freudiano não é esta perversidade a favor do sistema capitalista. Ao invés de aplacar os nossos demônios, como busca o método de análise freudiano, deve- se deixá-los intactos, parece sugerir Adorno. Para este último, quanto mais o sujeito estiver sofrendo, mais estará em sintonia com as dores do mundo e estará, por extensão, sendo anticapitalista, autêntico e humano. Lembra o relato de Fernando Gabeira dizendo que alguns de seus companheiros de luta armada professavam a convicção messiânica de que só se autorizariam, teriam direito a ter um orgasmo depois do advento da revolução.

    Para Marcuse, a busca do prazer, de Eros, não deve ser condenada e sim estimulada. Defender o contrário, como faz Adorno, é que se constitui jogar a favor da classe burguesa dominante que faz de tudo para que os explorados não se sintam bem. Ela só aceita o bem-estar dos dominados por imposição dos explorados, como diz Antonio Candido “O que se pensa que é face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue. Hoje é normal o operário trabalhar oito horas, ter férias… tudo é conquista do socialismo. O socialismo só não deu certo na Rússia”.

    Qualquer um minimamente esclarecido sabe que o estado de bem-estar europeu, o chamado Welfare State, se dependesse da vontade livre dos donos do capital não existiria. Só se tornou realidade devido a necessidade de concessões ao trabalhador de modo a funcionar como contrapeso capaz de neutralizar o fascínio que o socialismo real exercia no proletariado do mundo ocidental. Tanto isso é verdade que a primeira providência da classe dominante capitalista após o fim do contrapeso do  socialismo real, com a queda do Muro de Berlim, foi tentar retirar os avanços sociais, econômicos e políticos ocorridos pós- segunda guerra mundial.

Jorge Alberto Benitz é engenheiro e escritor.