Hora de debater o futuro do trabalho no Brasil
Como reverter a reprimarização da economia e enfrentar a desocupação e os empregos desqualificados?
Hora de debater o futuro do trabalho no Brasil
Como reverter a reprimarização da economia e enfrentar a desocupação e os empregos desqualificados? Outras Palavras abre, em 11 de Setembro, ciclo de diálogos com pesquisadores e ativistas, sobre um tema cada vez mais crucial
OUTRASPALAVRAs
Num encontro virtual recente, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo narrou algo que expressa a dimensão das décadas perdidas pelo Brasil. No início dos anos 1980, quando a China ainda ensaiava sua ascensão global, um grupo de pesquisadores daquele país procurou o Instituto de Economia da Unicamp para um diálogo. O Brasil era de longe, entre os países da periferia do capitalismo, o que mais havia avançado, rumo a uma industrialização complexa e a uma economia sofisticada. Os chineses queriam compreender, a partir do ponto de vista de um centro universitário crítico e opositor à ditadura, como tal processo havia sido possível.
Menos de quarenta anos depois a China tornou-se a usina do mundo – e bem mais. A economia brasileira só andou para trás. O ramos fabris desenvolvidos estão sucateados: da indústria de máquinas à Embraer. Houve intensa desnacionalização. Não surgiu, no lugar, um setor de serviços refinado, capaz de aproveitar as potencialidades notáveis do país na criação cultural, comunicativa, artística ou científica. Na divisão internacional do trabalho, regredimos à condição de produtores primários: agricultura de baixíssimo valor agregado e extração bruta de minérios. A regressão produtiva repercute no empobrecimento do mundo do trabalho. Pela primeira vez, mais da metade da população em idade laboral está desocupada. Dos que têm ocupação, quase 50% caíram na informalidade – perderam os direitos, a perspectiva de futuro profissional e a segurança. Cresce sem parar o contingente de trabalhadores subutilizados, que não encontram condições mínimas de exercer suas capacidades.
Numa democracia digna do nome, este feixe de questões cruciais e angustiantes suscitaria preocupações e debates no governo, no Parlamento e na mídia. No Brasil contemporâneo, estas instituições limitam-se ao superficial e grotesco. Nem por isso os temas perdem relevância. Outras Palavras abrirá, a partir de 11 de setembro, uma sequência de nove diálogos fundamentais sobre a Crise do Trabalho, a Regressão Produtiva e as Alternativas. Irão se estender por todo o mês – sempre às segundas, quartas e sextas-feiras. Reunirão pesquisadores (como Ladislau Dowbor, o citado Belluzzo, Ermínia Maricato, Eduardo Fagnani, Célio Turino, Tatiana Roque) – e ativistas (estão convidados Paulo “Galo”, dos Entregadores Antifascistas, Danilo Pássaro, das torcidas pela democracia, entre outros). Procuram reunir profundidade e busca de alternativas, duas características que Outras Palavras persegue desde seu início, há dez anos. Têm o apoio de um parceiro também engajado na luta pela transformação social: o escritório brasileiro da Fundação Rosa Luxemburgo.
O vasto temário relacionado ao trabalho e à produção de riquezas no Brasil foi dividido em três blocos. No primeiro, três mesas tratarão dos diagnósticos. A primeira tentará traçar nosso mapa do trabalho, em meio à crise. Dos brasileiros em idade laboral, quantos já estão fora da própria População Economicamente Ativa, por desemprego ou desalento? Dos que restam, quantos estão efetivamente ocupados? Quais os graus de informalidade e de subaproveitamento? Como isso se expressa nos diversos recortes de gênero e etnia e nas regiões do país? Que mudanças houve nas últimas décadas. Dois especialista no tema, a socióloga Marilane Teixeira (do Cesit-Unicamp) e o economista Márcio Pochmann (da mesma universidade) logarão em 11/9 com Danilo Pássaro, historiador, motorista de aplicativo e líder das manifestações pela democracia articuladas pelas torcidas organizadas do futebol em São Paulo.
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Ainda no capítulo dos diagnósticos, o segundo diálogo, marcado para 14/9 terá como protagonistas o economista Luiz Gonzaga Belluzzo e Sebastião Neto, coordenador do IEEP e do Centro de Memórias sobre a Oposição Metalúrgica de São Paulo. Belluzzo apontará o conjunto de desacertos que levou à regressão econômica do Brasil e, com ela, à desqualificação progressiva do mundo do trabalho. Neto relatará a construção e expansão da cultura operária no Brasil, nos anos 1970 — e como ela foi interrompida pela desindustrialização. O retrocesso não foi uma sina – e nem se repetiu, da mesma maneira, na maioria dos países. Que política monetárias, fiscais e cambiais o produziram? Mais importante: que projeto nacional faltou, do ponto de vista estratégico?
Um diálogo de enorme atualidade fechará o primeiro bloco, em 16/9. Dari Krein – também integrante do Cesit-Unicamp e um dos grandes estudiosos das relações de trabalho no Brasil –, e Clemente Ganz, sociólogo, ex-diretor-técnico do Dieese e responsável por uma articulação inédita entre as centrais sindicais brasileiras – abordarão a reação cada vez mais irracional das elites econômicas, diante um atoleiro a que suas próprias políticas conduziram. Em vez de corrigir a rota, elas afundam o país ainda mais no lamaçal, ao propor contrarreformas trabalhistas que retiram direitos, empobrecem a população, sabotam o consumo interno e projetam toda a sociedade numa espiral rumo ao fundo.
O segundo bloco começa em 18/9. Nele, buscam-se alternativas relacionadas aos três ramos essenciais da produção de riquezas. Para abri-lo, dois jovens economistas antiortodoxos – Esther Dweck e Pedro Rossi discutem os caminhos para reconstruir uma indústria nacional. A tarefa, sabe-se, é essencial para vertebrar uma recuperação produtiva de fôlego. Mas como fazê-la? Será o caso de regressar, como nos anos 1970 e 80 à política de substituição geral de importações? Ou é preciso, num mundo de transações e competição muito mais intensas, focar nos setores em que há tanto demanda quanto capacidades hoje inibidas? Uma sociedade mais justa exigirá, por exemplo, ampliação do acesso aos serviços de Saúde, Transporte em metrôs e trens, Saneamento, Educação, Comunicações. Uma boa estratégia de reindustrialização não começaria por produzir para a demanda certa produzida por estas atividades?
Mas indústria não é tudo. Em todas as economias contemporâneas, um setor vasto setor “de serviços”, ocupa mais e gera mais valor. É extremamente heterogêneo: inclui desde o balconista aos pesquisador universitário. No Brasil, oferece majoritariamente ocupações muito desqualificadas. No quinto diálogo, em 21/9, Célio Turino e Tatiana Roque vão explorar caminhos para mudar o cenário. Eles examinarão as possibilidades de o país desenvolver um setor de serviços complexo, baseado em Cultura, Arte, Ciência, Comunicações. Os dois participantes falam com base em experiência concreta. Célio integrou a equipe de Gilberto Gil no Minc e foi o criador do projeto dos Pontos de Cultura. Tatiana, além de ex-presidente da Associação de Docentes da UFRJ, foi uma das articuladoras do movimento que enfrentou, em 2018, o desmonte dos programas de suporte à Ciência.
Em 23/9, o tema será a Agricultura, debatida por Paulo Petersen, da Articulação Nacional da Agroecologia e por um integrante do MST, ainda a definir… Num país de imenso território, insolação e recursos hídricos, a força do setor agrícola é natural. Porém, no Brasil esta vocação foi capturada por um modelo agrário arcaico, concentrador de riqueza, eliminador de trabalho e devastador do ambiente: o Agronegócio. Ao mesmo tempo, desenvolveram-se desde a colonização e cresceram nos últimos anos as práticas da Agroecologia. Precisamos saber como elas podem passar de pequenas iniciativas localizados a um projeto de reorganização do campo brasileiro. Quais as ideias para uma agricultura orgânica e uma pecuária não-industrial capazes de alimentar 210 milhões de habitantes, desdesertificar o campo e gerar ocupações qualificadas e prazerosas?
O terceiro bloco de diálogos tratará, transversalmente aos vários ramos da Economia, dos novos regimes de produção e distribuição de riquezas. Relaciona-se às mudanças tanto na materialidade do trabalho quanto, em especial, à necessidade de enfrentar o capitalismo em sua configuração contemporânea. Marcado para 25/9, o primeiro encontro deste bloco tratará da Renda Básica e da Revolução dos Comuns. Eduardo Fagnani e Ladislau Dowbor abordarão uma transformação profunda. Ao contrário do que ocorreu por séculos, desde a Revolução Industrial, a luta salarial e por direitos laborais deixou de ser o grande instrumento de distribuição da riqueza coletiva. As transformações tecnológicas e a financeirização reduziram, por um lado, o poder de barganha dos trabalhadores empregados (ao criarem um gigantesco exército de reserva); por outro, ampliaram o papel do crédito e da moeda na captura da riqueza. É possível usar estes mesmos instrumentos em favor da transformação social? Como a garantia de um salário mensal independente de trabalho, e capaz de assegurar uma vida digna, pode mudar a sociedade? E de que forma complementá-lo com a desmercantilização e garantia de excelência de serviços públicos como Saúde, Educação, Moradia, Cidades Habitáveis e Transportes Públicos.
Não basta, no entanto, redistribuir para promover a requalificação produtiva do país. Herdeiro do colonialismo, o setor privado brasileiro é notoriamente incapaz de pensar as estratégias para reconstrução nacional. Para planejá-la e executá-la, o Estado terá papel essencial. Em 28/9, o economista David Deccache e a arquiteta e urbanista Ermínia Maricato argumentarão que são instrumentos prováveis, neste esforço, a Virada Socioambiental (Green New Deal, na versão anglófona), a Garantia de Emprego Digno e a revisão das políticas de uso da terra. Por meio destas ações, o Estado assume um vasto conjunto de obras e investimentos públicos, capazes de assegurar condições de vida dignas e comandar a transição para uma economia de zero emissões de carbono. Ao mesmo tempo, ocupa os trabalhadores necessários para a tarefa e, ao desconcentrar a propriedade fundiária, incide sobre a economia, a política, o meio ambiente, a reprodução da força de trabalho, o bem viver. Para realizar estes projetos serão necessárias mobilização social e recursos. A Teoria Monetária Moderna ajudará a encontrá-los?
Um debate instigante fechará o ciclo, em 30/9. Preservar a Consolidação das Leis do Trabalho é a única forma de garantir os direitos trabalhistas no Brasil? O projeto neoliberal tornou-se tão regressivo que ataca e ameaça os próprios direitos estabelecidos há 80 anos, por meio da CLT. Lutar contra esta eliminação de direitos é uma tarefa essencial. Mas igualmente imprescindível é olhar para as novas relações de trabalho e produção que surgiram nas últimas décadas e projetar a proteção e a expansão de direitos em meio a elas. Isso envolverá, provavelmente, ir além da CLT, garantindo também aquelas dezenas de milhões que não obterão, e muitas vezes não desejarão, um “emprego fixo”. Como fazê-lo? Buscarão as respostas o sociólogo Ruy Braga e (a confirmar) Paulo “Galo”, que liderou os protestos nacionais de entregadores de aplicativos.
Os diálogos serão realizados por meio das redes sociais de Outras Palavras: YouTube e Facebook. O ciclo marca um esforço de Outras Palavras para acompanhar mais intensamente um tema essencial. No começo da próxima semana, um setor especial de nosso site trará, além da programação das sessões, textos de apoio, indicação de livros, possíveis contribuições dos leitores. Em tempos difíceis, é um esforço – mas também um prazer – suscitar debates esquecidos pelas instituições e pela mídia comercial, porém indispensáveis para reconstruir o país.