17 de dezembro de 1961: A maior tragédia circense da história

17 de dezembro de 1961: A maior tragédia circense da história

A maior tragédia circense da história ( 1961)

 

 

No dia 17 de dezembro de 1961 acontecia, em Niterói, a maior tragédia circense da história e o pior incêndio com vítimas do Brasil. Mais de 3 mil espectadores, a maioria crianças, lotavam a matinê do Gran Circo Norte-Americano, anunciado como o mais famoso da América Latina, quando a trapezista Antonietta Stevanovich deu o alerta de "fogo!"

 

Jornal do Brasil

Luisa Bustamante

 

O domingo parecia mergulhado no clima alegre que se instalara em Niterói com a chegada, dias antes, do que prometia ser o maior e mais completo circo da América Latina. No dia 17 de dezembro de 1961, sob a lona verde e laranja do Gran Circo Norte-Americano, a plateia esperava ansiosa pelo número que encerrava o espetáculo do dia. A trapezista Nena, apelidada de Antonietta Stevanovich, terminava o seu salto tríplice e esperava os costumeiros aplausos, quando um incêndio criminoso lambeu, às 15h45, a lona parafinada que cobria o picadeiro. Nena e os outros dois parceiros trapezistas escaparam ilesos. As outras 2.500 pessoas, não.

 

Foi assim que, há exatos 50 anos, começou o que se considera “a maior tragédia circense da história”, como noticiaram os jornais da época. O incêndio do Gran Circo deixou um sentimento de aversão aos espetáculos itinerantes em Niterói, e promoveu uma enorme comoção no Brasil inteiro. Fez surgir o profeta Gentileza, e também se tornou um marco na carreira do cirurgião Ivo Pitanguy. Foi neste episódio que João Goulart, presidente à época, chorou na frente dos fotógrafos, ao conversar com uma das vítimas.

 

  Oficiais dos Bombeiros  no incêndio  

Os números divulgados pela imprensa eram desencontrados, mas a tragédia terminou com um saldo oficial de 503 mortos, a maioria, crianças. Há famílias que contam nunca ter encontrado seus parentes. Hoje, a história detalhada do incêndio do Gran Circo é narrada nas páginas do recém lançado O espetáculo mais triste da história, livro do jornalista Mauro Ventura, pela editora Companhia das Letras. Conta o autor que, em suas pesquisas para estruturar a obra, o que mais lhe chamou atenção foi o fato de quase ninguém acreditar na versão oficial da polícia, de que Dilson Marcelino Alves, 20 anos, o Dequinha, ateou fogo no local com a ajuda de outros dois homens, Bigode e Pardal.

Dequinha estava entre os funcionários contratados provisoriamente pelo dono do circo, Danilo Stevanovich, para ajudar na montagem do picadeiro. Por ser "preguiçoso", o jovem foi demitido três dias antes do 

incêndio, mas sem antes prometer vingança. Dequinha logo se tornou o principal suspeito do crime, pelo qual confessou ser o autor, dias depois da tragédia. Mesmo assim, conta Mauro Ventura que, ao abordar os personagens que viveram o drama, muitos preferem acreditar na versão de que um curto-circuito pôs fim ao espetáculo.   

Dequinha acabou confessando ter ateado fogo na lona por vingança ao proprietário do circo

 

Dequinha

“Também me chamou atenção o impacto que a tragédia teve na vida das pessoas, e não só dos sobreviventes”, lembra Ventura. “Assisti a um vídeo feito há dez anos em que os médicos falam do trabalho de atendimento às vítimas, e todos eles choram. Mesmo gente que não viveu diretamente o incêndio, tendo acompanhado apenas pelas revistas, ainda se diz marcada pelas fotos”.

 

Prefeitura da cidade estimou em 503 o número de mortos, que não cabiam em um só cemitério

 

Apesar da comoção, Niterói preferiu varrer da sua história a memória da tragédia que feriu quase um país inteiro. Os espetáculos circenses só voltariam ao município em 1975, com a chegada do circo Hagenback, que inaugurou com lona importada à prova de fogo, saídas de emergência, extintores de incêndio e bombeiros de plantão. Anos depois, no local onde se deu a tragédia de 61, o Exército decidiu erguer o hospital Policlínica Militar de Niterói – que neste sábado inaugura, às 11h, um memorial para as vítimas no local. Durante escavações para reforçar a estrutura do terreno, já na década de 80, funcionários encontraram ossadas humanas, resquícios do incêndio durante o espetáculo que, em menos de dez minutos, terminou em cinzas.

 

O choro de Jango

O presidente João Goulart visitou o Hospital Antônio Pedro, onde se encontravam as vítimas nos dias que se seguiram ao incêndio. Á época, contou o Jornal do Brasil que, em companhia do primeiro-ministro, Tancredo Neves, e do governador Celso Peçanha, "o presidente parou diante de uma menina de cor, envolta em gaze até o queixo, e lhe perguntou se tudo corria bem. A menina sorriu - e o presidente levou as mãos aos olhos, afastando-se logo. Diante de uma criança que mal respirava, exclamou, quase num sussurro: ‘Não é possível, meu Deus’”. Na época, Jango colocou - ou pelo menos afirmou que colocaria - todos os recursos da União para o Governo do Estado do Rio reforçar o trabalho de socorro às vítimas.