Trump, Netanyahu e o colapso autoritário: como a guerra se torna insustentável

Trump, Netanyahu e o colapso autoritário: como a guerra se torna insustentável

Trump, Netanyahu e o colapso autoritário: como a guerra se torna insustentável

EUA e Israel usam o Irã como bode expiatório para mascarar crises internas, a rejeição popular e genocídio em Gaza. Enquanto isso, movimento “No More War” ganha força globalmente

POR: Miguel Manso

 

Registro do encontro entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, em 07/04/2025, na Casa Branca. Foto: Daniel Torok / Arquivo da Casa Branca.
Registro do encontro entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, em 07/04/2025, na Casa Branca. Foto: Daniel Torok / Arquivo da Casa Branca.

“No More War” e a decadência do projeto autoritário de Trump e Netanyahu – A verdadeira ameaça à estabilidade global não vem do Irã, mas da decadência do projeto autoritário de Trump e Netanyahu.

A análise dos objetivos não declarados de Donald Trump e Benjamin Netanyahu em relação ao Irã envolve uma combinação de fatores geopolíticos, econômicos e ideológicos.

Embora a retórica oficial sionista americana tenha se concentrado, mais uma vez, na ameaça das armas nucleares e de destruição em massa, muitos analistas argumentam que esses motivos servem como pretexto para esconder interesses mais profundos.

Quais são os objetivos não declarados de Trump e Netanyahu?

a) Interesses geopolíticos e hegemonia regional

O artigo The Real Reasons Behind Trump’s Maximum Pressure Campaign on Iran (Foreign Affairs, 2019) argumenta que a política de “pressão máxima” dos EUA visava minar a influência iraniana no Oriente Médio, beneficiando aliados como Israel e Arábia Saudita. A retórica nuclear servia para justificar sanções econômicas que enfraquecessem o Irã estrategicamente, impedindo seu papel como ator regional.

O artigo Netanyahu’s Iran Obsession: Domestic Politics and Regional Strategy (Brookings Institution, 2018) destaca que Netanyahu usou o “perigo iraniano” para consolidar apoio interno e internacional, apresentando-se como o único líder capaz de conter o Irã. O foco no programa nuclear iraniano desviava a atenção de questões como a ocupação israelense na Palestina e a expansão de assentamentos.

b) Motivações econômicas e energéticas

O artigo Oil, Sanctions, and the Hidden Agenda Behind Trump’s Iran Policy  (The Intercept, 2020) sugere que as sanções ao Irã beneficiaram empresas de petróleo americanas e aliadas, limitando a capacidade iraniana de competir no mercado global e a retórica sobre armas de destruição em massa mascara o interesse em controlar recursos energéticos.

c) Agenda ideológica e alinhamento com grupos de pressão

O artigo The Israel Lobby and U.S. Foreign Policy (Mearsheimer & Walt, 2007) argumenta que grupos pró-Israel nos EUA (como AIPAC) exercem influência significativa na política externa americana, pressionando por ações duras contra o Irã. Netanyahu aproveitou esse alinhamento para garantir apoio americano a suas políticas.

A ameaça nuclear iraniana foi um pretexto? Evidências e contexto

O artigo Manufacturing Threats: The Iran Nuclear Deal and the Politics of Fear (Journal of International Affairs, 2020) analisa como a ameaça nuclear foi exagerada para justificar ações agressivas, mesmo após o Irã ter aceitado limitações no acordo de 2015 (JCPOA). A desculpa das armas de destruição em massa lembra a justificativa falsa para a invasão do Iraque em 2003.

O Relatório Iran’s Nuclear Program: Reality vs. Rhetoric (International Atomic Energy Agency – IAEA) mostra que, mesmo sob inspeções rigorosas, o Irã não desenvolvia armas nucleares desde 2003, indicando que a ameaça era instrumentalizada.

Na TV Grabois, Ana Prestes falou sobre a guerra no oriente médio e os ataques ao Irã. Confira o episódio do Conexão Sul Global de 25/06/25:

 

Os objetivos não declarados de Trump e Netanyahu incluíam:

  1. Enfraquecer o Irã como rival regional para beneficiar Israel e aliados sunitas;
  2. Controlar recursos energéticos através de sanções que limitassem a produção iraniana de petróleo;
  3. Consolidar poder doméstico (no caso de Netanyahu) e agradar lobbies influentes (no caso de Trump);
  4. Evitar uma aproximação entre Irã e potências rivais (como China e Rússia), mantendo o Oriente Médio sob influência ocidental.

A ameaça nuclear, portanto, serviu como um “pretexto esfarrapado” para ações que tinham motivações muito mais profundas do que a não proliferação. Essas análises mostram que, por trás da retórica de segurança, havia uma estratégia de poder e controle regional.

O que a “Guerra de Netanyahu e Trump” demonstrou?

O trilionário déficit dos EUA e sua mais grave crise não suportam mais a indústria da guerra e seu lobby.

Os Estados Unidos enfrentam uma crise fiscal sem precedentes. Com um déficit orçamentário que ultrapassa US$ 1,7 trilhão em 2023 (Congressional Budget Office) e uma dívida pública que já supera US$ 34 trilhões, o país se aproxima de um colapso financeiro. Com um déficit orçamentário que ultrapassa US$ 1,3 trilhão no primeiro semestre de 2025 e uma dívida pública que já supera US$ 36 trilhões.

Leia também: Fim da era do dólar? A crise que Trump ajudou a escancarar

Os juros da dívida consomem mais de US$ 1 trilhão/ano, superando gastos com defesa ou Medicare. A alta dos juros pelo Federal Reserve (taxas entre 5,25% e 5,50%) agrava o custo do endividamento. O PIB dos EUA caiu 0,5% no 1º trimestre de 2025. O déficit de 2025 é o terceiro maior da história dos EUA, atrás apenas de 2021 e 2020.

Enquanto isso, o complexo industrial-militar continua a sugar recursos públicos em nome da “segurança nacional”, mesmo quando guerras intermináveis no Oriente Médio e o apoio incondicional a aliados como Israel mostram-se economicamente insustentáveis.

O lobby bélico distorce a política externa dos EUA, agrava a crise fiscal e o país não pode mais bancar uma máquina de guerra que só beneficia mega corporações e sua elite política.

Por que o déficit americano não suporta mais a indústria da guerra?

Gastos militares exorbitantes

Os EUA respondem por cerca de 40% dos gastos militares globais (SIPRI, 2023), superando os próximos 10 países combinados. O orçamento militar de 2024 foi aprovado em US$ 886 bilhões, um aumento de 13% em relação a 2022. Enquanto isso, setores como saúde, educação e infraestrutura sofrem cortes.

Custo das guerras perdidas

Desde 2001, os EUA gastaram US$ 8 trilhões nas guerras do Afeganistão, Iraque e Síria (Costs of War Project, Brown University). Esses conflitos não trouxeram estabilidade, apenas dívida apenas dívida astronômica e desgaste geopolítico.

Lobby das armas e sua influência corrosiva

Empresas como Lockheed Martin, Raytheon e Boeing gastam milhões em lobby para garantir contratos bilionários. Em 2023, o setor militar gastou US$ 127 milhões em lobby (Open Secrets), financiando campanhas de congressistas que aprovaram verbas bélicas. O resultado: um Pentágono ineficiente, com superfaturamento e projetos que nunca são auditados.

Crise fiscal e o fim da hegemonia do dólar – a dívida dos EUA é insustentável

A dívida pública já passa de 130% do PIB, nível comparável a países em crise, como Grécia (2009). O Federal Reserve mantém juros altos para conter a inflação, mas isso apenas aumentou o custo do serviço da dívida.

Desde os anos 1970, os EUA sustentaram sua economia com o petrodólar, obrigando países a usar dólares no comércio de petróleo. Agora, China, Rússia, Arábia Saudita e até o BRICS estão abandonando o dólar em transações, ameaçando a hegemonia americana.

Governos usam conflitos externos para desviar atenção de crises internas (Teoria do “Rally ‘Round the Flag“). Mas a estratégia falhou no Afeganistão, no Iraque e na Ucrânia – e agora o custo é alto demais.

EUA não podem mais bancar sua gigantesca máquina de guerra sem agravar crise social

A indústria bélica americana é um gigante insaciável, alimentada por lobbies corruptos e uma elite política que lucra com conflitos. Mas a economia dos EUA não aguenta mais. Cortar gastos militares absurdos, redirecionar recursos para infraestrutura e bem-estar social, auditar o Pentágono — que nunca passou por uma auditoria completa, apesar de receber trilhões — e reduzir intervenções militares, focando em diplomacia em vez de guerras por procuração, são medidas mínimas. Se os EUA não reformarem seu complexo industrial-militar, enfrentarão não só o colapso fiscal, mas também a perda definitiva de sua influência global.

A era da guerra infinita acabou – resta saber se Washington perceberá isso a tempo. Enquanto o país continuar priorizando armas em vez de seu povo, o declínio será inevitável.

Trump x Fed: a guerra silenciosa pelo controle do dinheiro barato

Enquanto a crise fiscal dos EUA se aprofunda, uma guerra tem sido travada entre o presidente Donald Trump e o atual presidente do Federal Reserve (Fed) – o banco central americano. A disputa vai além de meras divergências políticas: ela revela um conflito entre setores monopolistas da indústria da guerra e do sistema financeiro e a sustentabilidade da economia americana que acirra a crise social.

Trump pressiona o Fed para manter juros baixos e liquidez alta, beneficiando o complexo industrial-militar, enquanto o FED tenta (e falha) em controlar a inflação e a dívida pública. Trump quer juros baixos para sustentar e redirecionar gastos militares porque está perdendo a disputa tecnológica para China e Rússia.

Durante seu governo, Trump criticou publicamente o presidente do Fed por elevar as taxas de juros. Seu argumento? Juros altos encarecem o financiamento da dívida pública, limitando sua capacidade de gastar em defesa.

O orçamento militar disparou sob Trump, chegando a US$ 738 bilhões em 2020 (um aumento de mais de US$ 100 bilhões desde 2016).

O Fed manteve taxas próximas de zero entre 2008 e 2015 e, mesmo após alguns aumentos, voltou a cortá-las em 2019 – antes mesmo da pandemia. Isso permitiu que o governo Trump e Biden financiassem déficits crescentes sem enfrentar crises imediatas de liquidez.

Mas o custo veio depois: inflação descontrolada em 2021-2023, corroendo o poder de compra dos americanos.

Como o lobby bélico manipula a política monetária dos EUA

Empresas de defesa como Lockheed Martin e Northrop Grumman dependem de contratos governamentais financiados por dívida barata. Com juros baixos, o Tesouro dos EUA podia emitir mais títulos para bancar gastos militares – enquanto o Fed comprava esses títulos, mantendo o esquema funcionando.

Inflação pós-pandemia expõe a crise financeira dos EUA

O estímulo excessivo do Fed durante a pandemia, somado aos gastos bélicos, levou a uma explosão inflacionária (9,1% em 2022, a maior em 40 anos). Jerome Powell foi forçado a subir os juros agressivamente, chegando a 5,5% em 2023 – o que aumentou o custo de vida e da dívida pública.

Agora, se o Fed mantiver juros altos, o governo não consegue financiar novos gastos militares sem aumentar ainda mais a dívida. A indústria bélica se articula contra os custos de financiamento mais caros.

Se o Fed cortar juros: o dólar perde valor, acelerando a fuga de países para outras moedas (como o yuan e o ouro).

Trump quer o Fed sob seu controle em 2025 e já declarou que quer substituir o presidente do Fed por alguém mais alinhado com sua política de juros baixos e gastos militares altos.

Isso pode levar a mais déficits insustentáveis para bancar guerras e subsídios à indústria de defesa.

Uma crise monetária ainda maior, com o risco de hiperinflação ou calote da dívida acelera o fim da farra do dinheiro barato para as Guerras.

A guerra entre Trump e o Fed é, na realidade, um sintoma de um problema maior: os EUA não podem mais imprimir dinheiro infinito para bancar impérios militares e continuar a farra monetária sem agravar a inflação crônica, a perda de confiança no dólar e o colapso fiscal.

Cortar gastos militares e subir juros agrava a recessão no curto prazo, a desdolarização global se acelera e países como China, Rússia e BRICS abandonam o dólar, enfraquecendo ainda mais os EUA.
Se ceder a Trump, a economia dependente dos gastos militares pode entrar em colapso. Se resistir, o complexo industrial-militar perderá força. De qualquer forma, a era do domínio americano financiado por dívida barata está chegando ao fim.

Decadência política de Trump e Netanyahu diante de protestos e denúncias de genocídio

Enquanto os EUA e Israel insistem em retratar o Irã como uma ameaça global, a realidade expõe uma crise muito mais profunda: a fragilização política de Donald Trump e Benjamin Netanyahu, diante de revoltas populares, denúncias de genocídio em Gaza e o desgaste de suas agendas ultraconservadoras.

As políticas anti-imigrantes e cortes sociais de Trump geram protestos massivos nos EUA. O isolamento de Netanyahu, acusado de genocídio em Gaza, é maior do que o suposto “desgaste” dos aiatolás iranianos.

Manifestantes seguram cartazes contra Donald Trump durante o “No Kings Rally”, em Eugene, Oregon, em 14 de junho de 2025. A imagem destaca mensagens como “NOPE”, “86 No King #47” e frases como Ame o Próximo e Alimente os Famintos (_Love Your Neighbor / Feed The Hungry_). Foto: David Geitgey Sierralupe via Flickr / CC BY 2.0

A agressão ao Irã é uma cortina de fumaça para esconder as crises internas de Trump e Netanyahu.

Durante seu primeiro governo, Trump construiu muros, implementou separação de famílias na fronteira, criou campos de detenção superlotados e políticas de “Tolerância Zero” que geraram indignação global. A pandemia expôs o fracasso dessa política, com EUA liderando mortes por COVID e sistemas de saúde colapsados.

A retórica xenófoba de Trump alimentou eleitores moderados, contribuindo para sua derrota em 2020 e sua tentativa de golpe de estado. Usando as Big Techs e suas mentiras voltou ao poder.

Agora, milhões de americanos foram às ruas contra sua política migratória, incluindo a “Marcha pelas Famílias” e protestos em cidades como Los Angeles e Nova York e por todo o pais.
Enquanto o orçamento militar bate recordes, Trump promove cortes de US$ 1,5 trilhão em programas sociais (Medicaid, educação pública e assistência alimentar). Isso gerou greves de professores (#RedForEd) e mobilizações como a “Marcha pelas Nossas Vidas” (contra a violência armada).

Por que Trump e Netanyahu enfrentam rejeição crescente?

Mesmo após a reeleição, Trump enfrenta resistência de jovens, minorias e até republicanos moderados devido a seu extremismo. Pesquisas mostram que 59% dos americanos rejeitam sua política migratória (Pew Research, 2024).

Já Netanyahu, enfrenta isolamento global e crise política diante do massacre em Gaza e a acusação de Genocídio. Desde outubro de 2023, Israel matou mais de 40.000 palestinos (a maioria mulheres e crianças), destruiu hospitais e bloqueou ajuda humanitária. O Tribunal Penal Internacional (CPI) e Corte Internacional de Justiça (CIJ) investigam Netanyahu por crimes de guerra e genocídio. Até aliados tradicionais e governos europeus começam a criticar publicamente Israel.

Leia mais: Opressão israelense: tortura, apartheid e genocídio contra o povo palestino

Protestos globais e ruptura diplomática

Milhões de pessoas protestaram em Londres, Paris, Nova York e até Tel Aviv contra o governo Netanyahu. Países como Colômbia, Turquia e África do Sul cortaram relações ou retiraram embaixadores. O apoio incondicional dos EUA a Israel tornou-se um passivo político, com eleitores jovens e progressistas aderindo massivamente aos protestos.

Antes mesmo da guerra, Netanyahu enfrentava protestos por corrupção e ataques ao Judiciário. Agora, sua coalizão extremista depende de partidos racistas (como o de Ben-Gvir), enquanto a maioria dos israelenses quer eleições antecipadas.

Enquanto EUA e Israel tentam pintar o Irã como “o grande vilão”, o país mantém relações com China, Rússia e potências emergentes. Assinou acordos com Arábia Saudita (mediados pela China). Tem apoio popular em países do Sul Global devido à sua resistência ao imperialismo ocidental.

Trump e Netanyahu usam o Irã para desviar atenção de seus fracassos internos. Unir bases conservadoras em torno de um inimigo comum. Justificar gastos militares absurdos que beneficiam o complexo industrial-bélico.
Enquanto Trump enfrenta manifestações massivas e ameaças de impeachment de Netanyahu, julgamento por Genocidio, o regime iraniano segue estável, apesar de protestos pontuais.

A resistência do Irã a sanções mostra que sua economia é mais resiliente do que a narrativa ocidental sugere.

A tentativa de transformar o Irã no bode expiatório não esconde a verdade:

Trump está politicamente enfraquecido por protestos, rejeição popular e crises econômicas. Netanyahu é um pária global, acusado de genocídio e perdendo apoio até dentro de Israel.

O Irã, apesar de suas contradições, não enfrenta o mesmo nível de isolamento e deslegitimação.

Enquanto o Ocidente tenta demonizar o Irã, seus próprios líderes estão se afundando em crises econômicas e de legitimidade – e o mundo está percebendo.

A mensagem é clara: ou Israel muda seu curso, ou o Ocidente vai deixá-lo à própria sorte.

Movimento “No More War” ganha força global

O movimento “No More War” está ganhando força em escala global, tornando-se um fenômeno político e social que ameaça desestabilizar as estruturas tradicionais de poder. Não é mais apenas um protesto – é uma revolução política em curso com eleitores punindo políticos belicistas, jovens rejeitando o serviço militar, mercados pressionando por desarmamento.

A mensagem é clara: o século XXI não pertencerá aos senhores da guerra, mas aos construtores da paz.

A pergunta que resta é:

Os donos do poder estão ouvindo? Ou serão varridos pela maré da história?

Miguel Manso é pesquisador do Grupo de Pesquisa sobre Desenvolvimento Nacional e Socialismo da Fundação Maurício Grabois. Engenheiro Eletrônico formado pela USP com especialização em Telecomunicações pela Unicamp e em Inteligência Artificial pela UFV. É Diretor de Políticas Públicas da EngD – Engenharia pela Democracia.