Ditadura da maioria trava atuação do Executivo

 Ditadura da maioria trava atuação do Executivo

Foto: Lula Marques/ Agência Brasil

BRASIL

 Ditadura da maioria trava atuação do Executivo

É um jogo de morde e assopra de irresponsáveis, pois quem sofre é toda a nação porque paralisa as ações do Poder Executivo e cria insegurança jurídica

PAULO CANNABRAVA FILHO

Diálogos do Sul Diálogos do Sul

São Paulo (Brasil)

Ditadura de maioria, é isso que caracteriza a atuação do Legislativo. Bancadas bem estruturadas, como as do B – Boi (Agropecuária), Bala (Segurança) e Bíblia (evangélicos e católicos) – compõem uma maioria que constrange os demais poderes. Se pode considerar a atuação de um quarto B, dos bancos, do sistema financeiro que se mobiliza para garantir a manutenção do status quo, ou seja, a gestão neoliberal da economia.

O presidente da Câmara com o controle do Centrão atua como um ditador, chantageia e paralisa a gestão pública. Arthur Lira maneja pautas mais que conservadoras, subversivas, pois pretende enquadrar os demais poderes.

Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado foi aprovado Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que limita os poderes dos magistrados da Suprema Corte, e tanto na Câmara como no Senado, as propostas do governo para fazer o país andar ficam travadas a espera de cargos ou verbas para emendas parlamentares. Mesmo nas pautas sobre as quais existe acordo, a coisa não anda.

É um jogo de morde e assopra de irresponsáveis, pois quem sofre é toda a nação porque paralisa as ações do Poder Executivo e cria insegurança jurídica ao se insurgir contra o Poder Judiciário. Difícil construir a democracia e mesmo o desenvolvimento sem segurança jurídica.

Luís Roberto Barroso, presidente do STF, reagiu à PEC dos magistrados recordando que em recente reforma a Casa adotou mudanças em seu regimento que constam na proposta da PEC e advertiu que não é hora de mexer no Judiciário.

Aprovada em poucos segundos, sem qualquer discussão, a PEC trata de limitar as decisões monocráticas (de um só ministro) e restringe os prazos para pedidos de vista. Se aprovada, qualquer decisão do Supremo só poderá valer após ser submetida à apreciação de seis ministros.

O texto da CCJ vai para plenário e se aprovado terá de ir para a Câmara, devendo passar pelas comissões regimentais. Se modificada, voltará para o Senado, mas se aprovada entra imediatamente em vigor. Para Barroso, a matéria tem que ser amplamente debatida e o STF é parte desse debate, tem que ser ouvido.

Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, entende que as decisões monocráticas não podem suspender a eficácia da Lei ou um ato normativo, nem atos dos presidentes da Câmara e do Senado e do presidente da República.

Foto: Lula Marques/ Agência Brasil
É urgente que se pense numa reforma que comece com exigir que partidos políticos não sejam meros ônibus para a conquista de cargo

Na Câmara, desde setembro, tramita PEC que permite aos legisladores derrubarem decisões do Supremo que extrapolem os limites constitucionais. Uma inversão da ordem natural constituída, pois constitucionalmente é o STF quem dá a última palavra sobre impasses constitucionais.

Arthur Lira, presidente da Câmara, diz que os poderes devem se manter nos limites constitucionais e que tem certeza de que o Parlamento respeita e segue a Constituição. Quem atua monocraticamente, chantageando o governo com o poder que tem sobre a maioria, é o próprio Lira, rindo e debochando dos preceitos constitucionais.

Rodrigo Pacheco complementa o pensamento de Lira dizendo que pautas de costumes, que dividem a sociedade, como droga ou aborto, devem ser “decantadas” no Legislativo, e não decidida pelo STF. Tudo bem, porém se o Legislativo restringe direitos consagrados, cabe ao STF se manifestar para garantir esses direitos.

São muitas as controvérsias a ocorrer entre o Judiciário e o Congresso, entre o Congresso e o Executivo, e quem paga o pato é a sociedade, pois como já dissemos, é uma questão de Segurança Jurídica.

Um bom exemplo disso: o projeto da Lei Orçamentária da União (LDO), que já deveria estar aprovada, é uma questão estratégica que interessa a toda a nação, está travado no Legislativo porque os legisladores não concordam com o valor da verba assignada ao Fundo Eleitoral. A LDO prevê R$ 939,3 milhões, quantia considerada irrisória e inviável para sustentar qualquer campanha. 

O valor do Fundo Eleitoral em 2022 foi à cifra recorde de R$ 4,9 bilhões, valor que não pode ser ultrapassado, mas o Congresso quer mais. Além desses bilhões, o Fundo Partidário acrescentou mais R$ 1 bilhão para a festança dos candidatos.

 

Controvérsias, contradições, impasses entre os três poderes estão a demonstrar a falência, a obsolescência do pacto firmado em 1946, ratificado na Constituição de 88, que criou essa partidocracia e sistema político eleitoral que torna o país ingovernável. 

É urgente que se pense numa reforma que comece com exigir que partidos políticos não sejam meros ônibus para a conquista de cargo, mas que tenham um projeto de nação, uma estratégia de desenvolvimento, e uma carta de princípios que garanta um comportamento ético. 

Para entender melhor essa questão, recomendo meu livro A Governabilidade Impossível – Reflexões sobre a partidocracia brasileira, editora Alameda, que foi feito em pleno fragor das campanhas eleitorais de 2018 como uma advertência: de que era necessário refletir sobre o processo eleitoral.

Paulo Cannabrava Filho, jornalista editor da Diálogos do Sul e escritor.