O CAPITÓLIO VERDE-AMARELO E A INAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR

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questões de segurança pública

O CAPITÓLIO VERDE-AMARELO E A INAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR

Omissão no controle de ataques bolsonaristas foi opção política e institucional

Samira Bueno e Renato Sérgio de Lima

 

Domingo, 8 de janeiro de 2023, ficará marcado como o dia em que a nossa jovem e resiliente democracia sofreu um dos ataques mais vis da história. As imagens de destruição nos prédios do STF, Planalto e Congresso ganharam as páginas de jornais em todo o mundo. Imensas janelas e portas de vidro quebradas, obras de arte destruídas e milhares de bolsonaristas vestidos de verde e amarelo são algumas das cenas que ficarão gravadas em nossa memória. Mas gostaríamos de chamar atenção para outra imagem, que deveria nos lembrar do risco de radicalização e politização das forças de segurança pública brasileiras: as cenas de policiais militares escoltando os terroristas até a Esplanada dos Ministériosnão obstante o alerta da Abin sobre a possibilidade de invasão e destruição dos prédios públicos.

Apesar de chocantes, as cenas de destruição promovidas por bolsonaristas no último domingo e o envolvimento de policiais não são exatamente originais. Dois anos antes, em janeiro de 2021, a democracia dos Estados Unidos viveu evento parecido, com os eleitores de Donald Trump invadindo e destruindo o Capitólio no dia em que as duas casas se reuniriam para ratificar a vitória de Joe Biden. As investigações sobre a tentativa de golpe norte-americana indicaram a participação de policiais de diferentes regiões do país envolvidos com os grupos extremistas.

Outro caso mais recente ocorreu na Alemanha, no mês passado, quando a polícia alemã prendeu 54 suspeitos de participar de um grupo de extrema direita que planejava um golpe de Estado. Entre os envolvidos constavam ex-militares, uma juíza e um nobre com título de príncipe. A investigação do Ministério Público alemão demonstrou preocupação com o envolvimento de policiais nos grupos extremistas e o chefe da Polícia Federal declarou ser importante se certificar de que todos os membros das forças de segurança apoiavam a “ordem democrática”. 

Os eventos recentes e a ascensão de grupos de extrema direita em vários países parecem apontar para dois elementos comuns: 1) a radicalização de policiais e militares que simpatizam com grupos extremistas não é exatamente uma novidade no mundo e deveria servir de alerta às autoridades brasileira; e 2) um ataque aos símbolos do poder nacional, nos termos do que ocorreu domingo, não era apenas algo provável, mas esperado. A dúvida mesmo era quando ocorreria.

Dito isso, a facilidade com que os terroristas invadiram os prédios dos quais despacham as principais lideranças deste país chama a atenção, em especial porque ela foi precedida de imagens de policiais militares escoltando os terroristas rumo à Praça dos Três Poderes, de agentes animados fazendo selfies com os manifestantes e até da inusitada cena dos policiais tomando água de coco. 

Embora em determinados momentos jornalistas e analistas políticos tenham avaliado a situação como sendo uma suposta falha ou erro do governo do Distrito Federal ou da Polícia Militar, a esta altura parece evidente que se tratou, em realidade, de opção político-institucional. A PMDF tem uma enorme experiência e pessoal altamente qualificado no controle de distúrbios civis, termo técnico para o controle de multidões. Ou seja, não impedir que os bolsonaristas chegassem até a Praça dos Três Poderes foi uma decisão deliberada do comando da Polícia Militar.

O que ainda precisa ser esclarecido é se essa opção política e institucional foi influenciada por ordem do governador, que no DF é a quem o comandante-geral está diretamente subordinado. E, de igual modo, é necessário apurar a confusão entre preferências políticas pessoais e responsabilidade de comando e missão da Polícia Militar. Desde 2020, quando ocorreu o motim da Polícia Militar do Ceará e os apoios que os amotinados receberam de Jair Bolsonaro e Sergio Moro, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública tem alertado para o processo de radicalização das forças policiais, sobretudo as militares. Vários estudos e pesquisas mostrando o problema foram publicados. 

Em setembro de 2021, mostramos um crescimento de 29% nas interações de policiais em apoio a atos extremistas a partir de análise das redes sociais, comparando o comportamento desses atores com outra pesquisa em 2020. O levantamento mostrou ainda que o crescimento maior ocorreu entre oficiais da PM, a quem cabe as decisões de gestão e comando para definir a operação da tropa. Também em 2021, uma pesquisa divulgada pelo Instituto Atlas Intelligence mostrou que 30% dos policiais pretendiam participar “com certeza” dos atos no Sete de Setembro em favor de Jair Bolsonaro. Dito isso, e ainda considerando os alertas das agências e setores de inteligência das forças de segurança, a gestão Lula precisa entender que não dá para fingir que não há um problema germinando nas polícias brasileiras. 

Se as polícias tivessem agido domingo, a história seria completamente diferente. Mas cabe também apontar a responsabilidade do governo federal. O governo Lula deveria ter um plano de contingência preparado desde a data da diplomação do presidente em dezembro, quando a mesma PMDF não efetuou nenhuma detenção após ataques e incêndios criminosos de pessoas abrigadas nos acampamentos em frente ao quartel general do Exército Brasileiro. Sabedor da possível leniência, o governo federal deveria ter planejado a mobilização de efetivos da Força Nacional de Segurança Pública junto aos governadores mais próximos, ter alocado equipes do COT, Comando de Operações Táticas da Polícia Federal, que é a única polícia do país que tem atribuição explícita na Constituição de garantir a ordem social democrática no Palácio do Planalto e, no limite, ter usado a possibilidade legal de convocar e assumir o controle da PMDF, hoje já existente, na negociação com o governo do Distrito Federal. 

Agora, com a decretação das prisões do ex-comandante-geral da PMDF que estava no comando da corporação no dia das invasões e do ex-secretário Anderson Torres, determinadas pelo ministro Alexandre de Moraes, a questão pode parecer que é só de responsabilidade individual. Não é. É preciso que enfrentemos com vigor a agenda da reforma das polícias, sem subterfúgios ou delegações de atribuições. A crise abre uma janela de oportunidades para o governo Lula avançar em algo até hoje evitado desde a promulgação da Constituição Federal e que envolve mudar o arcabouço que rege o funcionamento das forças de segurança. E isso precisa ser feito com um projeto político que pense segurança pública como direito social e não como o amontoado de atribuições isoladas de cada instituição. E essa tarefa é do governo federal, do Congresso e do STF.