“O diabo vai estar nos detalhes,” diz gestor americano que comprou 5 por cento da Petrobras
“O diabo vai estar nos detalhes,” diz gestor americano que comprou 5% da Petrobras
No final de dezembro, a GQG Partners anunciou deter mais de 5% do capital da Petrobras. A posição foi construída ao longo do tempo, e é particularmente significativa dado que muitos investidores fugiram do papel depois da eleição de Lula em novembro.
O gestor por trás da aposta é Rajiv Jain, que fundou a GQG em 2016 depois de uma carreira de 23 anos na Vontobel Asset Management, onde foi o CIO, head de equities e co-CEO.
Baseada em Fort Lauderdale, na Flórida, a GQG tem US$ 88 bilhões em ativos sob gestão, dos quais US$ 23 bi estão alocados numa estratégia de mercados emergentes.
A literatura sobre investimentos internacionais tem um capítulo à parte para o chamado ‘home bias’ – a discussão se os investidores locais sabem mais (porque têm mais acesso à informação) ou se essa maior proximidade com os fatos acaba por prejudicar sua análise ao misturar ruídos e sinais.
Na análise de Petrobras, o time de Rajiv conta com Polyana da Costa, uma brasileira e ex-jornalista que migrou para o buyside quando a GQG foi fundada.
No final de dezembro, a GQG tinha cerca de US$ 10 bilhões em ações brasileiras – cerca de 1,3% de todo o market cap da Bolsa brasileira. Além da estatal, a gestora tem posições relevantes em Eletrobras, Itaú Unibanco e BTG Pactual.
Rajiv conversou com o Brazil Journal sobre sua aposta na Petrobras, uma das petroleiras mais baratas do mundo, mas dragada para baixo pelo risco político. Spoiler: ele gosta de Jean Paul Prates mas acha que a Petrobras não tem que construir refinarias.
A maioria dos investidores locais temem que com o novo governo a Petrobras sofrerá as mesmas dores que sofreu no Governo Dilma, e isso se reflete no preço da ação. Você obviamente não compartilha dessas preocupações…
Acreditamos que precisamos diferenciar entre o que aconteceu nos governos Lula e Dilma. O Lula não é a Dilma. E se você voltar para os medos que havia em 2001-2002, eles eram medos parecidos, senão idênticos. Mas na nossa visão a Dilma foi, obviamente, muito diferente, e ela claramente causou muito estrago.
Fizemos muita pesquisa e até agora não vimos nenhuma evidência de medidas drásticas – sim, há uma retórica política – mas sentimos que ele é uma pessoa muito pragmática e muitos dos comentários na mídia podem ser apenas uma postura política.
Hoje, sentimos que a postura política assusta muita gente, mas a realidade tende a ser diferente – não apenas no Brasil, mas também em várias outras sociedades democráticas. Por exemplo, muita gente entrou em pânico quando um socialista ganhou as eleições de 2004 na Índia, mas no final, nada aconteceu de fato. As pessoas sempre esquecem como é difícil fazer mudanças da noite para o dia em democracias como a Índia e Brasil, então você tem tempo para reagir (diferente da China).
O CEO da Petrobras, Jean Paul Prates, tem dito que a Petrobras deve investir em eólicas offshore e em outros projetos de energia verde. Como você sabe, algumas petroleiras foram nessa direção, enquanto outras decidiram ficar de fora da transição energética e se tornarem grandes pagadoras de dividendos. Qual sua visão?
Achamos que alguma atividade nessa área pode fazer sentido para uma petroleira, já vimos isso acontecer globalmente, mas as empresas de petróleo podem exagerar, e a quantidade de capex que faz sentido depende dos fatos. Ultimamente achamos que há outros fatores de mercado que podem ter um impacto maior na nossa visão para a Petrobras do que esse.
A Petrobras começou a vender parte de sua capacidade de refino, mas Prates disse que a companhia vai parar de vender ativos. Você acha que parar de vender ativos é um movimento inteligente?
Na nossa visão, seria melhor para a companhia vender alguns desses ativos. No entanto, o Prates tem uma longa história no setor de petróleo e gás. Ele criou a primeira empresa de consultoria de energia do Brasil décadas atrás.
Então, na verdade, ele é uma das pessoas mais competentes para comandar a Petrobras. Obviamente, existem pressões políticas e sentimos que esse risco deve ser avaliado no contexto do valuation, em vez de ser um simples sim ou não.
Toda companhia tem suas questões. Se eu olho a PetroChina, eles estão negociando a 2x o valuation da Petrobras. E lá há, indiscutivelmente, mais intervenção do governo do que na Petrobras. Na nossa visão, seus ativos de petróleo não são melhores que os da Petrobras. Na realidade, a Petrobras está negociando com múltiplos abaixo da CNOOC (China National Offshore Oil Corporation), que é uma empresa que sofre sanções dos Estados Unidos.
Então, ter alguém como o Prates não é necessariamente uma coisa ruim. De novo, houve muitas posturas políticas adotadas antes das eleições e algumas declarações foram feitas, mas achamos que ele vai ser pragmático. Na realidade, eles já começaram a falar que não estão lá para destruir valor para os acionistas. Esperamos que isso não seja só conversa e, como acionistas, vamos observar isso bem de perto.
Na nossa visão, o interesse do governo também está alinhado com o dos investidores, porque como acionistas eles recebem uma grande parte dos dividendos e, naturalmente, também se beneficiam se a Petrobras for bem gerida.
Conversamos com o Prates vários anos atrás e achamos que ele conhece muito da indústria, e é muito sensato. Ele se mostrou muito técnico e objetivo na época.
Obviamente, naquela época o nome dele não estava no centro das atenções, então essa avaliação que fizemos dele é menos tendenciosa do que a que as pessoas estão fazendo hoje. Mas só o tempo vai dizer.
O que acontece se a Petrobras mudar sua política de preços e abandonar a paridade com os preços internacionais? Há conversas de que o Prates quer criar uma política de preços que considere um mix entre os preços internacionais e locais. Qual sua visão sobre isso?
O diabo vai estar nos detalhes. Se for uma mudança pequena, a ação provavelmente vai reagir positivamente porque existe muito overhang na ação. Você tem que levar em conta que a ação está negociando a 2,5x o lucro com um dividend yield muito robusto.
O problema real tem sido a incerteza, então quanto mais clareza tiver, melhor a ação vai performar, porque a incerteza vai diminuir. Achamos que nesse momento, o Prates não vai querer que a Petrobras fique na situação que estava uma década atrás. Ninguém quer que a Petrobras vire uma Pemex.
Mas sinceramente, com o preço do petróleo onde ele está hoje, nós nem deveríamos estar discutindo problemas de paridade. Se o petróleo for para US$ 150, aí é uma outra questão. Mas com o preço do petróleo onde está hoje, a discussão não é necessária.
Se a Petrobras mudar sua política de dividendos e voltar para o payout mínimo exigido por lei – 25% do lucro – isso mudaria sua visão sobre o investimento?
Obviamente, vai se tornar menos atrativo, mas se você olhar para o que acabou de acontecer no Banco do Brasil, eles mantiveram seu payout em 40%. Como o maior acionista da Petrobras, acreditamos que o governo tem todo incentivo para maximizar o payout.
Mas de novo, tudo tem que ser olhado no contexto do valuation. Ninguém está dizendo que teríamos Petrobras a qualquer preço. Mas nesse valuation muitas das notícias ruins já estão precificadas.
A Petrobras é considerada rotineiramente uma das melhores operadoras de ‘deep offshore’, e conversamos com fornecedores que trabalharam com a Petrobras ao longo dos anos. Conversamos com várias empresas americanas e internacionais que operaram com a Petrobras e a mensagem é consistente: essa é uma das melhores operadoras de ‘deep offshore’ do mundo. É uma companhia muito bem tocada, com ativos fantásticos e um pool de talentos – e está negociando a valuations abaixo de uma empresa que foi sancionada pelas autoridades americanas.
Há conversas de criar um Fundo de Estabilização do Preço dos Combustíveis. Uma ideia sendo aventada é que a Petrobras de alguma forma desviaria recursos que de outra forma iriam direto para os dividendos para capitalizar esse fundo, ainda que me pareça que a única coisa honesta (e legal) a se fazer seria o Governo usar sua própria parcela dos dividendos para atingir suas metas de políticas públicas. Como você vê essa ideia do Fundo de Estabilização?
A gente na verdade gosta da ideia. Existem muitos estudos de casos. Dependendo de como ele é estruturado e financiado, há muitos exemplos que funcionaram muito bem e é um ganha-ganha. Achamos que isso ia ‘de-risk’ a ação.
Agora, sobre a Petrobras ajudar a financiar isso, idealmente o Governo deveria financiar isso com os dividendos que está recebendo. Agora, se esse não for o caso, eu repito, o diabo mora nos detalhes…
Quanto o Governo pediria para a Petrobras contribuir e como isso é diferente de aumentar os impostos, por exemplo? Tudo depende do valuation. Em alguns casos a ação não se torna uma venda porque o imposto subiu, mas se ele sobe demais, aí sim ela vira uma venda. Então é difícil falar sobre um caso hipotético.
Se você olhar para as empresas europeias, por exemplo, há impostos inesperados agora – e, em alguns casos, a ação reagiu e o valuation caiu, mas esse é o nosso trabalho, analisar isso e tomar nossa decisão.
Ninguém aqui está falando que temos uma visão dogmática da Petrobras e que vamos ter a ação pelo resto das nossas vidas, então depende de muitos fatores.
Há conversas sobre a Petrobras investir em upgrades nas refinarias e em construir novas refinarias. Qual sua visão?
Na verdade, eu acho que o mundo está com uma falta de capacidade de refino. Adicionar alguma capacidade não é necessariamente uma coisa ruim, mas isso não precisa ser feito debaixo do guarda-chuva da Petrobras. O Brasil de fato precisa de capacidade de refino, então adicionar capacidade de refino no sistema não é uma coisa ruim, mas preferimos que isso não seja feito pela Petrobras.
Qual nível de capex é aceitável para você como acionista?
Para a viabilidade de longo prazo do negócio, e como um acionista de longa data, algum capex é essencial. Esse é um negócio que consome recursos, você não pode simplesmente não investir para pagar dividendos. O negócio não sobreviveria no longo prazo. Então não somos contra capex. Na verdade, uma das virtudes da Petrobras é que eles têm a habilidade de alocar um bom capex. A maioria das petroleiras do mundo, elas não têm os ativos para alocar capital, é um problema diferente.
No caso da Petrobras, é uma coisa boa que eles têm a habilidade de alocar capital, mas um balanço entre dividendos e capex importa porque, se eles se transformarem em grandes gastadores de novo, a matemática pode não funcionar mais para muitos investidores.
Sempre olhamos para essas coisas de forma objetiva. Sempre volta para os detalhes e o valuation, então é difícil falar sem saber os detalhes.