Manuela sob ataque: a pedagogia do fascismo em movimento. Tarso Genro

Como Ministro da Justiça, à época, eu mantinha boas relações com a OAB e suas seções em todo o país. Liguei então ao Presidente D’Urso, para me informar sobre o movimento e manifestar a minha preocupação, face a alguns incidentes de agressividade entre...

Manuela sob ataque: a pedagogia do fascismo em movimento. Tarso Genro

 

Manuela sob ataque: a pedagogia do fascismo em movimento

Tarso Genro

Disparo de “notícias” falsas no período eleitoral volta a acontecer em 2020 – Foto: Marcello Casal Jr. / Agência Brasil

 

Tarso Genro (*)

Flávio Borges D’Urso era Presidente da OAB\SP, em 17 de agosto de 2007, um mês depois do acidente da TAM que vitimou 199  pessoas. D’Urso neste mês reuniu na Avenida Paulista 5.000 pessoas, para lançar um movimento que se dizia “sem cunho político partidário”, e, segundo seus organizadores – do “Movimento Cansei”- era “contra a corrupção, bala perdida, criança abandonada, caos aéreo, carga tributária e a impunidade”. Xuxa, Wanderléa, Hebe Camargo, Silvia Poppovic, Agnaldo Rayol, Ivete Sangalo, o Pastor Wagner dos Santos Ribeiro, Agnaldo Rayol, o Rabino Michel Schlesinger e o Padre Antonio Maria, se reuniram, então, em torno de bandeiras sem partido.

Naquele  evento inauguraram o “fora Lula”,  no momento em que o Presidente estava com quase 50% de “bom e ótimo”, que dispararia para mais de 70%, dois anos depois. A agenda, como se vê, era descosturada e universal, mas os seus aderentes não tinham amplitude nem respeitabilidade política suficiente para mobilizar muitos militantes na transmissão do seu cansaço na Avenida Paulista.

Como Ministro da Justiça, à época, eu mantinha boas relações com a OAB e suas seções em todo o país. Liguei então ao Presidente D’Urso, para me informar sobre o movimento e manifestar a minha preocupação, face a alguns incidentes de agressividade entre os “cansados” e os “satisfeitos” com o Governo Lula, que poderiam – na sequência – descambar para “enfrentamentos de rua” (foi a expressão que usei). Aduzi que, se o movimento fosse continuar, deveríamos conversar sobre as suas reais intenções e tratarmos com responsabilidade, as providências para evitar a violência.

Foi uma boa conversa, respeitável e democrática, que suponho tenha ajudado -naquele momento- à  reflexão que levou ao fim do “cansei”, algumas semanas depois. Hoje percebo que este episódio foi um
ensaio mal sucedido de golpismo, seis anos antes de junho de 2013, feito numa hora errada- e que talvez o próprio ex-Presidente D’Urso não estivesse plenamente a par das suas reais intenções no futuro, quando a crise política glamourizada como movimento libertário pelo oligopólio da mídia começou a parir demônios.

Estes são os demônios -agora já com um grau de organização superior- que jogam as suas taras para o público, na violenta ofensiva contra Manuela D’Ávila. Assacam contra ela barbaridades que só mentes doentias e más constroem, não a partir do conhecimento da candidata, mas dos desejos reprimidos destes difamadores, nas cavernas morais que habitam, mórbidos e tristes na sua perversidade

Os movimentos golpistas que prosperaram a partir junho 2013 em toda a América Latina, passaram incorporar, além do carro-chefe da “corrupção” -sem qualquer racionalidade aparente- o fantasma mítico do “comunismo”. Somaram-se aos cuidados com as “impurezas” culturais e de costumes na família, a religiosidade sectária, misoginia, armamentismo, uma boa dose de racismo e a promessa do empreendedorismo universal, combinados com a adoração do modelo americano de vida e de fazer
política.

A chave do seu sucesso. mais tarde – tanto aqui no Brasil como no exterior – foi a questão organizativa do  novo “partido” golpista que, violando toda a experiência partidária (orgânica) da modernidade, estruturou-se globalmente num programa definido, “negacionista” em estado puro. Sua difusão ideológica massiva não se daria mais pelas vias verticais dos partidos orgânicos da direita (ou pelas burocracias militares) como funcionam em regra todos os partidos da modernidade, mas observaria outras determinações. Estas novas estruturas e formas, num primeiro momento dependente das cadeias oligopolistas de informação para impulsionar sua doutrina, superaram-nas e as subordinaram.

O programa que vinha, negava -ao mesmo tempo- a ciência, a evolução dos costumes e a diversidade sexual; o indivíduo fruto da modernidade com-sua liberdade política e corpórea; como também a vida coletiva “impura” que o gerou. Para isso, precisava construir, aqui no Brasil, o  “mito” unificador – a qualquer custo – nome que deveria estar em aberto para ser localizado “na luta”, que só valeria a pena se encaminhasse as reformas do empresariado global. Estes empresários, na verdade, pouco se importariam com os métodos para alcançar ou seus fins, que certamente já operavam global e profissionalmente, no conjunto das redes,com seus nós institucionais, think thanks e meios de comunicação.

Estes aparatos já prontos passam a disseminar um internacionalismo de extrema-direita, que aproveitaria as experiências dos controles de opinião, exercidos quando os EEUU invadiram o Iraque. A essas experiências, se somaria o uso das novas redes, com seus aparatos tecnológicos e quadros profissionais, já disponíveis para organizar as tropas de assalto à opinião. Estes, falariam aos círculos logarítimicos, detectados para se satisfazerem com as mensagens que gostariam de receber: ouvindo o que quisessem -como quisessem e quando quisessem- como maiores barbaridades para
reprodução infinita.

A “mamadeira (na pós verdade) é de piroca”, a “terra pode ser plana” e a educação pública é “marxismo cultural”, ensejando que os idiotas possam ser perigosos, os perdidos no universo da política passem a viver em comunidades integradas e os imbecis comecem a ser líderes. Eles podem dizer mentiras em sequência sem ter que responder, a não ser com outra mentira: as mentes estão controladas, as opiniões são uma rocha e o círculo virtual que os acolhe, passa a ser o útero do fascismo, a boca do inferno e o ânus da história, como diria um brilhante filósofo fixado nesta fisiologia.

Os partidos de esquerda que permanecerem supondo que vão disputar com capacidade hegemônica estes círculos amplos -cuja opinião é formada dentro de comunidades blindadas- se enganam. Neles só chegam os conceitos e definições que eles já cultivam, no seu isolamento do mundo moderno. O “partido tipo”, defensor de um novo mundo social e libertário deve, – com outros valores morais e políticos – apropriar-se destas armas da ciência e da técnica, visando compor milhões de redes horizontais. E elas
devem se sobrepor comunicar-se e “conversar” – organizadamente – para que a política  e a informação venha de “baixo para cima” e “de cima para baixo” – a partir dos núcleos dirigentes
superiores – de forma virtual e real, para uma radicalização democrática permanente. Podemos começar aqui, agora, com a defesa de Manuela, contra os gangsters do ódio e da mentira permanente.

(*) Tarso Genro foi governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, ministro da Justiça, ministro da Educação e ministro das Relações Institucionais do Brasil.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

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