SEM BANHEIRO NEM ABSORVENTE

SEM BANHEIRO NEM ABSORVENTE

=igualdades

SEM BANHEIRO NEM ABSORVENTE

Maria Júlia Vieira e Renata Buono |

Uma lei federal aprovada em 2022 determina a distribuição gratuita de absorventes para estudantes dos ensino fundamental e médio, presidiárias e pessoas em situação de vulnerabilidade. Apesar da lei, falar em menstruação ainda é um tabu. O que muitos não sabem é que, para além do tabu, 713 mil meninas não têm banheiro ou chuveiro em casa, e mais de 4 milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas. É o que hoje se chama de pobreza menstrual: o acesso inadequado a condições sanitárias (banheiro em casa e água limpa) e a produtos como absorventes, tampões e copos coletores.  Ao longo da vida, isso se traduz em faltas na escola ou no trabalho, prejudicando o rendimento escolar e a carreira das pessoas  que menstruam _ sejam mulheres, pessoas trans ou não binárias. O =igualdades desta semana analisa dados e impactos da pobreza menstrual no Brasil.

A desigualdade social, traduzida na pobreza econômica, é uma das principais causas da dificuldade de acesso a produtos de higiene menstrual, como absorventes, tampões ou coletores.

De acordo com o levantamento do Instituto Locomotiva, o custo de produtos de higiene pesa na renda de 35% das brasileiras. O problema é ainda mais evidente na parte mais vulnerável da população: ao longo da vida, uma pessoa que está entre os 5% mais pobres gasta, com absorventes, o equivalente a três anos de trabalho.

 

Cerca de 33% das pessoas que já substituíram produtos de higiene menstrual por outros itens o fizeram por questões financeiras. Entre as de menor renda, essa porcentagem cresce para 55%.

Na lista de itens utilizados para a substituição, papel higiênico, panos/tecidos, toalhas de papel e roupas velhas ocupam os primeiros lugares. Contudo, relatos sobre o uso de miolo de pão em compensação à falta de absorventes reutilizáveis ou descartáveis são comuns. Essa situação, que pode gerar desde infecções a problemas psicológicos, é ainda mais frequente para pessoas encarceradas.

Em diversos países, os produtos de higiene menstrual são considerados artigos de luxo, enquanto desodorantes e lâminas de barbear são isentos de taxação suplementar. Escócia, Nepal, Nigéria, Colômbia, Quênia, Canadá, Austrália, Índia, Malásia e Reino Unido são os únicos países a distribuir absorventes gratuitamente ou considerá-los itens de necessidade básica, e, portanto, diminuir ou isentar sua taxação.

 

No Brasil, mais de 30% do valor pago em absorventes é de tributos. A taxação é tão elevada que chega a ser maior que a de alguns tipos de computadores básicos, de até R$ 3 mil.

Para Catarina de Albuquerque, diretora-executiva da iniciativa Saneamento para Todos, do Fundo das Nações Unidas para a Infância, Unicef: “Tornar os produtos de higiene menstrual acessíveis não é apenas um passo necessário em direção à igualdade de gênero, é um reconhecimento de que os processos biológicos não devem atrapalhar a formação e perspectivas de futuro [de pessoas que menstruam].”

De acordo com a Unicef, as condições WASH (water, sanitation e hygiene) são fatores fundamentais para um manejo saudável do período menstrual. O acrônimo, em inglês, se refere às condições estruturais como banheiros seguros em bom estado de conservação, saneamento básico, coleta de lixo e acesso a produtos adequados para o cuidado da higiene menstrual.

 

No Brasil, cerca de 713 mil jovens que menstruam não têm acesso a banheiro em seus domicílios. O número é equivalente à população de uma cidade como Uberlândia (MG). O levantamento aponta ainda que, em uma condição de vulnerabilidade ainda mais extrema, 395 mil meninas utilizam sanitários ou buracos para dejeções, cercados por qualquer tipo de material.

Aproximadamente 40% das estudantes que frequentam escolas sem banheiro no Brasil estão no Nordeste. Quando feito o recorte pela esfera administrativa da instituição, 77,6% das jovens nesta situação estudam em escolas públicas estaduais. Proporcionalmente, o risco de que uma menina estude em uma escola sem banheiro separado por gênero é 138% maior em áreas rurais do que urbanas. 

 

Um dos efeitos da pobreza menstrual é o absenteísmo. Seja por falta de dinheiro para comprar produtos de higiene ou pela ausência da educação menstrual, diversas pessoas faltam às suas obrigações escolares ou laborais durante o período em que estão menstruadas. 

No Brasil, cerca de 5,5 milhões de pessoas já faltaram ao trabalho por falta de dinheiro para comprar absorventes. Se esse número fosse uma cidade, seria a terceira maior do país, equivalente a duas vezes a população de Salvador (BA).

Além dos prejuízos físicos, emocionais e financeiros às pessoas que menstruam, a pobreza menstrual afeta economicamente o mercado brasileiro. No Brasil, 4,3 milhões de mulheres já se ausentaram mais de uma vez do trabalho por esse motivo.

De acordo com o levantamento feito pelo Instituto Locomotiva, estima-se que as faltas anuais pela ausência de produtos de higiene custem cerca de R$ 2,4 bilhões. Considerando 8 dias para a duração do fluxo e 6 trocas diárias de absorvente (a R$0,43/und), esse valor bancaria os custos com a menstruação para 9,5 milhões de brasileiras por um ano.

Maria Júlia Vieira (siga @mjulia_vieira no Twitter)

Estagiária de jornalismo na piauí.

Renata Buono (siga @revistapiaui no Twitter)

É designer e diretora do estúdio BuonoDisegno