Palavras também envenenam

As palavras são prioritárias, pois com elas o homem começou a contar histórias. Com as palavras os poetas cantam o amor, e com elas a gente briga e faz as pazes. Com as palavras se pode imaginar, unindo a poesia e a fantasia.

Palavras também envenenam

Palavras também envenenam

Por |26/06/21|ArtigoCrônicaPolíticaPrimeira Página

As palavras são prioritárias, pois com elas o homem começou a contar histórias. Com as palavras os poetas cantam o amor, e com elas a gente briga e faz as pazes. Com as palavras se pode imaginar, unindo a poesia e a fantasia. Aliás, a poesia, a conversa, a psicanálise é feita com palavras que é como Janus, tem duas faces, e uma delas é venenosa.

“Palavras podem ser minúsculas doses de arsênico: são engolidas de maneira despercebida e parecem ser inofensivas; passado um tempo, o efeito do veneno se faz notar”, escreveu Victor Klemperer, filólogo alemão que escreveu: “LTI- a linguagem do Terceiro Reich”. Esse livro é referência para os que buscam entender como o povo alemão foi dominado pela propaganda nazista. As crianças alemãs eram mais fiéis a Hitler que aos pais, ocorreram casos de filhos delatarem seus progenitores. Aliás, o filho adotivo de Klemperer que teve uma educação culta, converteu-se ao nazismo, e rompeu o vínculo com seus pais. Já o Brasil vem sendo envenenado há anos,  com notícias falsas  repetidas que induziram parte do povo a  odiar e apoiar os que são contra a saúde, as ciências e a cultura. Também a mídia ajudou a eleger um governo que despreza a democracia.

Walter Isaacson em recente entrevista ao jornal “El País”, disse que as redes sociais têm ajudado a dinamitar a democracia com mentiras, humilhações, brigas encarniçadas. O autoritarismo esmaga, humilha os diferentes, pois vive em guerra. O desprezo faz parte do ódio, pois ele transforma os diferentes em inimigos. Projetam de forma massiva o mal nos demais e a vida fica simples, ao se eleger um bode expiatório. Bodes expiatórios no país são os negros, índios, LGBT, e os que defendem a justiça social. E as palavras venenosas são doses constantes de arsênico que envenenam as almas.

Palavras venenosas fazem mal não só a nível social, como na história pessoal. Frases repetidas dos pais que humilham seus filhos na comparação com os filhos do vizinho. Frases como “tu não tens mesmo jeito”, e palavras: “preguiçoso” “malvado” estimulam o masoquismo, o lugar de sofredor como um lugar no qual a criança é amada. É frequente empregar palavras venenosas em discussões, fofocas, ressentimentos. Um exemplo de palavras venenosas ocorreu com o menino Franz Kafka que em seus diários, sua “Carta ao pai”, revela uma infância  humilhante. O escritor Elias Canetti encontrou na palavra humilhação uma chave para pensar Kafka.

O Brasil tem uma longa história de humilhações, prisões e crimes. Os líderes que defenderam os direitos de todos são atacados pelos armados, presos ou mortos. São séculos de escravidão, racismo que integram a estrutura da sociedade gerando um país de desigualdade social assustadora. O mundo está chocado com o governo que contribuiu com a morte de milhares e milhares de brasileiros.

O Brasil nos últimos anos retrocedeu em seu processo civilizatório. É preciso conhecer o passado quanto à violência, entender o presente miliciano (crimes e corrupção) e assim, aos poucos, imaginar outro amanhã. Outro amanhã que não será ideal, pois a condição humana também é cruel, também ataca com palavras venenosas. Diante de palavras destrutivas, muitos buscam desenvolver o contraveneno criativo. Se a Alemanha renasceu após o nazismo, porque não pensar que seja possível superar esses tempos sombrios?