Quem tem medo do trabalhismo brasileiro?

No dia 19 de junho, foi marcante a presença dos trabalhistas nas manifestações pelo impeachment de Jair Bolsonaro.

Quem tem medo do trabalhismo brasileiro?

Quem tem medo do trabalhismo brasileiro?

Redação Disparada···6 minutos de leitura

 

Por João Pedro Boechat –

No dia 19 de junho, foi marcante a presença dos trabalhistas nas manifestações pelo impeachment de Jair Bolsonaro.

 

Esperamos crescer nossa mobilização à medida que mais companheiros e simpatizantes estejam vacinados, sem abandonar os esforços para manter o distanciamento seguro, o uso de máscaras e o álcool em gel. Estamos retomando as ruas, de onde saímos por conta dessa tragédia que nos assola, a maior tragédia brasileira desde a escravidão. Estamos voltando com mais força, no Brasil inteiro, acompanhando o crescimento da nossa militância orgânica, sobretudo na juventude, que é o futuro do nosso país. Nossa militância cresce, porque o nosso Projeto Nacional de Desenvolvimento aposta na inteligência do povo, atacando com ideias concretas os problemas que nos assolam, convidando nossos simpatizantes ao debate. Ela cresce e permanece quando conhece o trabalhismo brasileiro, nosso caminho brasileiro ao socialismo; nossas vitórias, nosso legado, nossa história, nossas dolorosas derrotas e nossa orgulhosa tradição – como dizia Brizola, nós viemos de longe –, que jamais deixaremos serem apagadas.

Como trabalhistas, defendemos uma social-democracia¹ intrinsecamente brasileira, em que subsiste um forte nacionalismo de esquerda, anti-imperialista, com um programa de governo nacional-desenvolvimentista, e um projeto de país fundado na democracia social. Fazemos isso afirmando a primazia da educação como principal motor da revolução brasileira, apostando na inteligência das pessoas, entendendo que só a educação dará ao nosso povo meios de lutar por um país melhor. Fazemos isso através dos nossos métodos pacíficos e democráticos, ouvindo mais o povo do que à cartilhas dogmáticas, sem abandonar a importância da ciência na elaboração das políticas públicas, e sem abandonar a necessidade de resistir, da forma que for preciso, ao golpismo da pior elite do mundo que é a elite brasileira. Reafirmamos nossa ideologia, também, sem fechar as portas para os nossos companheiros do campo popular – como os comunistas –, pois mesmo pensando de forma diferente em muitos aspectos, eles compreendem a importância da luta social e da luta pela soberania nacional. Além disso, muito aprendemos com tantos pensadores marxistas e pelos próprios escritos de Marx. A partir da relação – ora conflituosa, ora harmoniosa – entre trabalhistas e comunistas, compreende-se a formação da nação brasileira moderna. Um partido que teve Luiz Carlos Prestes como presidente de honra, o maior brasileiro comunista revolucionário de todos os tempos, jamais poderia ser anticomunista. Aliás, como seria o Brasil hoje, se Prestes tivesse aceitado os convites de Vargas para comandar a revolução de 30?

É com orgulho dessas ideias que eu e muitos de nossa militância orgânica saímos às ruas nesse sábado. Militância que, depois da perda de Brizola, voltou a crescer com enorme velocidade a partir do projeto nacional de Ciro Gomes para retirar o país dessa crise que nos deu crescimento 0 em 10 anos. Ainda não somos todos; saímos às ruas os que podem se proteger dessa doença terrível. Para reafirmar a nossa história, que se confunde com a própria história do estado social brasileiro, mas que muitos tentam apagar, nós nos apoiamos na lembrança dos nossos grandes líderes históricos, que inauguraram o maior período de crescimento da história do Brasil. Entre eles, defendemos o legado do nosso primeiro grande líder, o legado de Getúlio Vargas na criação da Petrobrás, da Companhia Vale do Rio Doce, do BNDES, da CSN, da CLT, e na declaração de guerra aos nazistas. Defendemos porque a Revolução de 30 inaugurou o Estado Social no Brasil, e criou a polarização que perdura até hoje entre nós, o povo, e nossa elite escravocrata, subordinada aos interesses internacionais, que usa e abusa do poder estatal para se manter no topo. Defendemos criticamente, claro, não exaltamos os erros.

Defendemos porque ele pagou o preço de dar a aposentadoria, o salário mínimo, as férias, o voto feminino, institucionalizar os sindicatos e tantas outras conquistas ao Brasil com sua própria vida. As mesmas elites que causaram seu sacrifício estão hoje no poder em um projeto de destruição do Brasil. Entregam nossa indústria nacional, enquanto o povo se preocupa com a pandemia que já levou meio milhão de brasileiros e nos colocou de volta no mapa da fome. Entregam nossos recursos naturais, que começaram a ser protegidos a partir da Era Vargas, com a criação do nosso primeiro Código Florestal e de outras iniciativas ainda incipientes, em um mundo que não levava a destruição do meio-ambiente à sério.

Aprovaram, também, a privatização da Eletrobrás, empresa proposta por Getúlio e criada por nosso segundo presidente trabalhista, João Goulart, que também jamais deixaremos esquecer. Pois foi contra o reformismo de Jango, compromissado com a reforma agrária, com a reforma eleitoral ampla, com a elegibilidade de todos os brasileiros, com o voto do analfabeto, com a justiça social e o progresso, que nossas elites, pela quarta vez em 10 anos, tentaram golpear os trabalhistas. Na primeira, Getúlio saiu da vida para entrar na história. Na segunda, o marechal Lott disparou o último tiro de guerra da Baía de Guanabara para preservar a democracia e a posse de JK. Na terceira, Leonel Brizola, com o poder de sua oratória, denunciou o golpe iminente à posse de Jango aos quatro cantos do Brasil, se entrincheirando no Palácio do Piratini, lá defendido pelo povo gaúcho. Na quarta tentativa, a partir do dia 31 de março de 1964, com uma rápida sucessão de movimentos militares que incluiu apoio da frota estadunidense, os golpistas obtiveram êxito, e os sonhados avanços sociais retrocederam. Sonhamos com a reforma agrária e acordamos com a maior espoliação de terras brasileiras da história.

Jango, que foi exilado, não retornou com vida. Por isso honramos aqueles que morreram pelo trabalhismo quando os visitamos no cemitério de São Borja. Nossas grandes lideranças só conseguiram voltar ao país após a redemocratização, e todos sabemos como isso afetou a renovação do partido trabalhista. O próprio nome do partido, PTB, foi roubado pela ditadura, e assim ele está hoje, nas mãos de bolsonaristas. Carlos Drummond de Andrade viu o homem chorar. Nosso velho caudilho, Leonel de Moura Brizola. Mesmo assim, o PDT conseguiu se construir como o maior partido de esquerda, superado em número de filiados apenas em 2002, com o início da era Lula. Voltar com o dever de governar não foi uma tarefa simples, mas penso que o legado do governo Brizola de 1982 representa a materialização dos ideais defendidos na Carta de Lisboa.

As pessoas perguntam: por que vocês focam tanto nas suas lideranças? É porque o legado do trabalhismo brasileiro fala mais do que qualquer cartilha. Quando eu penso na luta pela educação, lembro do sonho de Darcy Ribeiro com os CIEPS e a UnB. Quando defendo a luta agrária capitaneada pelo MST, lembro das iniciativas do Brizola no governo do Rio Grande do Sul e de João Goulart no Comício da Central do Brasil. Quando apóio a luta antirracista, lembro do legado de Abdias, Lélia, Caó e tantos outros que abriram caminhos para os quadros do movimento negro, que cada vez mais vêm ocupando o espaço que lhes é de direito. Quando penso na questão da segurança pública, lembro de todos esses, Nazareth Cerqueira e Nilo Batista. Quando penso na luta indígena, lembro da criação do Parque do Xingú, lembro do Cacique Juruna, e penso o quanto teria sido feito se o golpe de 64 tivesse sofrido resistência.

Enfim, são muitas memórias. Memórias de tudo o que o trabalhismo fez para modernizar o Brasil, e o quanto ainda estamos atrasados pelas reformas que fomos impedidos de fazer. Lembramos para rememorar, e nos inspiramos para lutar. Estaremos na rua, junto com quem quiser estar, para derrubar o fascista que nos governa, e podermos propor uma alternativa para o Brasil do século XXI, uma alternativa trabalhista.