Redução no Fundo Constitucional afetará poder de compra e a economia do DF
Redução no Fundo Constitucional afetará poder de compra e a economia do DF
Reflexos de uma possível redução no Fundo Constitucional do DF impactará o poder de compra na capital do país e pode fazer economia entrar em crise
Arthur de Souza
(crédito: Marcello Casal Jr/Agência Brasi)
Se engana quem avalia que a possível limitação do crescimento do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF), proposta pelo relator do arcabouço fiscal na Câmara dos Deputados, Cláudio Cajado (PP-BA), afeta apenas os cofres públicos do governo local. Além do Orçamento do GDF — o qual 40% é composto pelo recurso federal, em 2023 — os impactos podem chegar no setor econômico da cidade. A análise é do coordenador de graduação em economia, gestão pública e financeira do Centro Universitário Iesb, Riezo Silva.
Segundo o especialista, com a emenda proposta, o fundo fica sujeito às limitações de aumento de despesa que são criadas pelo Arcabouço Fiscal. "Entre 2024 e 2027, por exemplo, o valor pode crescer no máximo 70% da variação real da receita", detalha. Nesse sentido, de acordo com Riezo, caso se concretize este cenário, os impactos se iniciam pelos professores, médicos e servidores das forças de segurança pública. "Com a projeção de inflação em alta para os próximos anos, esses servidores terão seu poder de compra diminuído e, desta forma, reduzirá a circulação de recursos na economia local, pois como a quantidade de pessoal é fixa, não terá recomposição salarial", explica o economista.
"Um policial militar, por exemplo, que perder 30% do seu rendimento (poder de compra) no médio prazo, deixará de ir ao shopping na quantidade de vezes que iria antes", afirma Riezo Silva. "Com isso, o comércio deixará de vender na quantidade desejada, assim como o governo do DF deixará de arrecadar impostos como o ICMS e ISS", alerta o especialista. "Ou seja, os impactos na economia do DF são enormes, pois o Fundo Constitucional paga 57% de todos os servidores do GDF", lembra.
MBA em planejamento, orçamento e gestão Pública e professor de legislação orçamentária do Iesb, Wilson Bandeira frisa que o ingresso de R$ 12,28 bilhões no FCDF em 10 anos significa que esses recursos, além de terem sido empregados na remuneração de servidores, também foram injetados diretamente na economia, tornando-a mais dinâmica e inclusiva. "Um dos sinais dessa melhora foi a obtenção do menor índice de desemprego (15%) em setembro de 2022, fato que não ocorria desde 2016", exemplifica.
Setor em alerta
Presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Fecomércio-DF), José Aparecido Freire tem a mesma preocupação e salienta a projeção feita pela Secretaria de Planejamento, Orçamento e Administração (Seplad) para ressaltar a importância do recurso para a economia local. "A proposta de alteração no cálculo de reajuste resultará em uma perda de até R$ 87 bilhões nos próximos 10 anos. Na prática, representa o colapso nas finanças das nossas cidades, com o comprometimento dos serviços de segurança, saúde e educação", aponta.
Segundo Freire, boa parte da economia do DF está ligada à folha de pagamento dos servidores públicos. "Por isso, o risco se estende para o campo do consumo e do poder de compra da população", sublinha. "Trata-se de uma medida com forte impacto para toda a capital do país e deixa extremamente vulnerável a nossa missão de hospedar os Poderes da República e as representações estrangeiras. Seria um verdadeiro desastre", avalia o presidente da Fecomércio.
Assim como Freire, o presidente do Sindicato do Comércio Varejista do Distrito Federal (Sindivarejista-DF), Sebastião Abritta, é contrário à nova forma de cálculo do FCDF e classifica como um "efeito dominó" na economia local o impacto de uma possível diminuição nos recursos. "Brasília vive do funcionalismo público, de obras públicas, construção civil privada e comércio. Se o poder aquisitivo desse funcionário for afetado, isso vai interferir no comércio varejista da cidade, o que acaba interferindo na tributação do DF", observa. "Se caem as vendas, diminui o emprego, a arrecadação de impostos e por aí vai", acrescenta Abritta, corroborando a análise de Riezo Silva.
"Brasília não tem margem litorânea, não tem minério, não tem fábricas automobilísticas, além da nossa área agricultável ser limitada. Precisamos do Fundo Constitucional", argumenta o presidente do Sindivarejista. Abritta assinala também que quem mais perderá com a redução do FCDF será a população vulnerável. Isso porque depende da rede pública de saúde e de ensino, e vive em áreas mais inseguras", finaliza.
GDF atento
De acordo com o secretário de Segurança Pública (SSP), Sandro Avelar, a remuneração dos servidores dessa área está defasada há anos. "Estamos distantes de ter as forças de segurança mais bem pagas do Brasil, mesmo estando na capital do país, onde o custo de vida é elevado e, ainda, onde atuamos além do contexto regional, diferente das corporações dos outros estados", reforça.
Avelar lembra que os agentes de segurança do DF se dedicam, também, às causas nacionais e até internacionais. "Eles oferecem suporte e segurança para autoridades e órgãos federais, além do corpo diplomático", destaca. "Portanto, essa redução pode diminuir nossa capacidade de dar uma remuneração justa aos nossos profissionais, que precisam ser valorizados para prestar, como sempre, um serviço de qualidade à população", aponta o secretário.
Secretária de Saúde do DF, a médica Lucilene Florêncio lembra que o Fundo Constitucional foi criado para dar assistência financeira às polícias Militar e Civil e ao Corpo de Bombeiros do DF, assim como aos serviços públicos como saúde e educação. "Se for aprovado o arcabouço, o FCDF deixa de crescer na mesma velocidade e proporção das necessidades da nossa capital", antecipa Lucilene.
De acordo com a chefe da Saúde, a mudança do cálculo pode dificultar o fechamento da folha salarial dos servidores. "O recurso, hoje, é utilizado para pagamento do nosso pessoal. Cerca de 85% da folha de pagamento vem do FCDF. Com esse recurso comprometido, ficaríamos com dificuldades de fazer a recomposição da força de trabalho. Teremos dificuldades de manter os trabalhadores e os equipamentos", adverte Lucilene. "Isso não pode acontecer. Todos juntos pela manutenção, do jeito que está, do Fundo Constitucional. É importantíssimo para o nosso desenvolvimento", conclama.
Ao Correio, a secretária Hélvia Paranaguá diz que o limite de 2,5% no reajuste anual do FCDF, proposto na emenda, não cobre nem o crescimento vegetativo da folha da Secretaria de Educação que, segundo ela, é em torno de 3,8%. "Em resumo, vamos virar uma secretaria só com recursos para pagar servidores. Diante disso, também teríamos sérios problemas com a contratação de mais pessoal, além de impossibilitar reajustes salariais para o quadro atual", preocupa-se Hélvia.
*Colaborou: Mila Ferreira