“Quero uma frente ampla do PSOL até o MBL”, diz Randolfe Rodrigues
Em entrevista a CartaCapital, senador da Rede divulga ato de movimento suprapartidário contra Bolsonaro: ‘Janelas pela Democracia’
Antes de ser senador da República, Randolfe Rodrigues (Rede-RR) é historiador. Assim, sente-se no poder de dizer: o Brasil vive um momento dramático e amargo sem precedentes sob a batuta do presidente Jair Bolsonaro. Diante da maior pandemia das últimas décadas, o chefe do Palácio do Planalto faz piadas, ignora mortes, fabrica conflitos políticos e se exclui da responsabilidade de assistir milhões de vulneráveis, vítimas da pancada econômica que veio com a crise sanitária.
“O impeachment é mais do que viável, é uma necessidade. É imperioso para o Brasil”, diz Randolfe Rodrigues, em entrevista a CartaCapital. No entanto, as sucessivas investidas de Bolsonaro no Congresso Nacional, após abril, seduziram parcela de personagens políticos já conhecidos do “centrão”. Hoje, o cenário é desfavorável para a aprovação do processo de impedimento, apesar de ser público que uma gestão anterior foi derrubada por motivos menores.
Para derrotar Bolsonaro, Randolfe Rodrigues acredita na formação de uma frente ampla com setores que aceitem defender a democracia, “do PSOL até o MBL”. Isso não quer dizer que o senador tenha afinidade política com os partidos e movimentos aos quais se une, ele argumenta. “Há uma ameaça fascista no Brasil. Não é hora para ficar demarcando posição, ficar com um pretenso purismo diferenciador. Não é hora de posições egoístas e vanguardistas, não.”
Nesta quinta-feira 18, às 18h30, o parlamentar participa do 2º ato do movimento Janelas pela Democracia, que conta com a adesão de cinco partidos: Rede Sustentabilidade, PDT, PSB, PV e Cidadania. A manifestação também terá a presença de artistas, intelectuais, cientistas e jornalistas. Os convidados participarão de uma transmissão ao vivo pelos canais do movimento nas redes sociais, para ampliar o apoio aos mais de 30 requerimentos de impeachment contra Bolsonaro que precisam de autorização do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ),
Estarão na live as lideranças Marina Silva (Rede), Ciro Gomes (PDT), o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ), o ex-governador de São Paulo Márcio França (PSB), a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), o ex-senador Cristovam Buarque (Cidadania). Também se juntam à iniciativa a cantora Tereza Cristina, o cantor Xangai, o ator Stepan Necerssian, o cineasta Zelito Viana, os jornalistas Juca Kfouri e Fernando Gabeira, os ex-ministros Sérgio Rezende e Manoel Dias, o sociólogo César Callegari, além de ativistas sociais e políticos.
Confira, a seguir, a entrevista de Randolfe Rodrigues para CartaCapital, na íntegra.
CartaCapital: O senhor acha que o impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro é viável?
Randolfe Rodrigues: Mais do que viável, é uma necessidade. É imperioso para o Brasil. O senhor Jair Bolsonaro é um fator de desestabilização política do país. Ele não consegue dar respostas. Não representa nada de novo na política, é representante do que tem de mais atrasado, das piores práticas que existem em Brasília. Bolsonaro se alinha agora àqueles setores que sempre foram identificados com ele, que é o velho “centrão”. Não conseguiu dar resposta à crise sanitária, à crise pandêmica.
No início da crise, ele negou a gravidade. O fato de negar a gravidade nos leva à triste marca de 2º país do mundo com maior número de mortos. Temos mais de 45 mil mortos hoje no Brasil, que são responsabilidade direta de Jair Bolsonaro, porque ele sabotou o isolamento social, criou confusão sem necessidade com os governos locais.
Sobretudo, ele não consegue apontar qual é o horizonte, qual é a alternativa, qual é o norte no pós-crise pandêmica, no pós-crise sanitária. Não tem rumo para a economia, não tem um plano para tentar atender os mais de 20 milhões de brasileiros que vão ficar vulneráveis, totalmente desamparados. Não tem um plano para atender as micro e médias empresas, para restaurar as grandes, médias e microempresas. Cria instabilidade a todo instante, não aponta qual é o rumo. Enfim, não tem condições de continuar com ele no governo.
CC: Na opinião do senhor, qual é o motivo para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não ter sinalizado a abertura do processo de impeachment?
RR: Olha, primeiro, pelas circunstâncias. Eu acho que o presidente da Câmara tem que fazer o juízo de valor se tem os elementos necessários para fazer a abertura do pedido. Hoje, é uma realidade, nós não temos um número possível na Câmara para que esse pedido seja aceito. E é óbvio que tem um fator que favorece. Aquilo que o Bolsonaro mais negou, que é a pandemia, nesse momento favorece ele, porque tem uma dificuldade de grandes aglomerações, de grandes mobilizações de rua contra o seu governo.
CC: Diante do negacionismo do presidente da República em relação à pandemia, o consenso para aprovar o impeachment deveria ser maior, não? Por que, ainda assim, não existe um consenso mínimo para votar o impedimento?
RR: Porque ele entrou no Congresso a partir de abril, quando viu que a água estava subindo, estava passando do pescoço. Ele já havia começado o ano fazendo isso, e começou com mais velocidade a velha prática de “toma lá, dá cá” de comprar os parlamentares. O presidente da República está comprando apoio no Congresso para impedir o impeachment. A prioridade dele é comprar apoio para impedir o impeachment. É assim que ele está atuando com todos. Lotear governo, distribuir benesses, favores. Basta ver o time que está apoiando ele. Eu tô pra ver um momento nessa história republicana em que Roberto Jefferson apoiava um governo de graça. Tô pra ver na nossa história republicana que Valdemar da Costa Neto apoia algum governo de graça. Eles são personagens conhecidos. E para essa turma estar junto com eles, é porque ele entrou na velha lógica do “toma lá dá cá” para impedir o impeachment.
Para superar isso, o que é que tem? Mobilização de rua, e temos que construir um amplo consenso da oposição. Até que a gente consegue construir esse amplo consenso. O Janelas pela Democracia inclusive é um ato nesse sentido. Mas para as mobilizações de rua nós temos que esperar o melhor momento.
CC: O que o senhor acha que seria mais provável: o impeachment ou a cassação da chapa presidencial pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE)?
RR: Eu acredito mais no impeachment ou no avanço do inquérito que está sendo conduzido pelo ministro Celso de Mello, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Não tem precedente na história, e eu acho muito difícil, o TSE bancar a cassação de uma chapa. Eu até gostaria que assim fosse. Mas eu acho que a tradição aponta que não tem precedentes para isso. É uma medida muito forte.
Com o inquérito, é um processo similar ao impeachment. O procurador-geral da República tem que concluir pela formação de culpa do presidente, mandar para o ministro Celso de Mello, o ministro pedir autorização para processar, e aí a Câmara teria que colocar ⅔ dos seus membros para autorizar ou não o processamento do presidente da República.
CC: O PT tem se ausentado de participar de alguns movimentos pluripartidários. O que o senhor acha da decisão do PT em não estar presente nesses movimentos?
RR: Eu acho lamentável, acho que tem que juntar todos os setores da oposição. Eu quero uma frente ampla, que reúna, que esteja junto conosco, do PSOL até o MBL [Movimento Brasil Livre]. Nós não estamos brincando com uma coisa qualquer não. Estamos brincando com uma ameaça fascista no Brasil. Você tem que ter uma dimensão. Não é hora para ficar demarcando posição, ficar com um pretenso purismo diferenciador. Não é hora de posições egoístas e vanguardistas não.
O Janelas pela Democracia é um grande movimento, tem cinco partidos, Cidadania, Rede, PDT, PV e PSB. Mas eu quero ir além do Janelas pela Democracia. Quero movimentos mais amplos.
CC: Em entrevistas, figuras do PT têm argumentado que não veem determinadas pautas sendo defendidas por estes movimentos suprapartidários, como os direitos dos trabalhadores. O senhor está dizendo que essa frente ampla precisa incluir até o MBL. Não há nenhum sentido no argumento dos petistas quando se ausentam desses movimentos?
RR: Olha, eu tô junto. Eu votei contra a reforma trabalhista. Aliás, um dos maiores símbolos contra a reforma trabalhista, no Senado, sou eu pulando no peito dos senadores. Eu votei contra a reforma previdenciária. Encaminhei voto da oposição contra a reforma da Previdência. Então, há dúvidas sobre isso?
Só que é o seguinte. Fazer demarcação política num momento em que a democracia brasileira está em perigo, num momento em que a vida das pessoas está sendo ameaçada, num momento em que existe um presidente da República que ameaça fechar o Congresso Nacional, fechar o Supremo Tribunal Federal, colocar um tanque de guerra na frente. Fazer demarcação é de um egoísmo atroz. É de uma sandice atroz. É um anacronismo com um momento histórico.
Eu não quero estar ao lado de setores mais à direita pela minha afinidade política com eles, não. Eu quero estar ao lado humildemente deles se eles concordam junto comigo em defender a democracia. Democracia é um valor universal, não é patrimônio da esquerda. Agora a gente vai pedir para fazer autocrítica a quem tem que estar conosco? É não querer que outros setores estejam conosco. É um pensamento rasteiro, pequeno, distante da realidade concreta. Eu peço sinceramente uma reflexão.
CC: O PT foi o 2º colocado nas últimas eleições. A ausência do PT para a criação de uma frente ampla faz muita falta?
RR: Eu quero fazer frente com quem topar fazer frente. Eu não posso forçar alguém que não quer vir. Nós vamos resistir ao fascismo com quem topar resistir ao fascismo. Vamos defender a democracia com quem topar defender a democracia. Quem quiser, como diz a poesia do rock brasileiro, nós não ficaremos com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar. Nós vamos fazer luta.
Espero que o partido reflita e pense em estar junto. Aliás, eu espero que o partido faça a mesma reflexão que fez em 1984. Naquele ano, o PT participou da campanha Diretas Já. Estava lá, junto com Franco Montoro [deputado federal pelo PSDB, falecido em 1999], com Ulysses Guimarães (deputado federal pelo PSD, falecido em 1992], com Leonel Brizola [governador do Rio de Janeiro pelo PDT, falecido em 2004], com setores dissidentes do PDS [Partido Democrático Social].
Eu quero que o PT faça uma reflexão com a sua história e veja o papel que já cumpriu no passado, em 1984. Só basta ele remontar o papel que já cumpriu para estar junto conosco.
RR: Valei-me Deus que sim. Meu trabalho é para isso. Meu esforço é nesse sentido. Eu não estou nem preocupado com nomes agora. Não quero saber se o candidato é A, B, C ou D. O importante é que a gente construa raízes, fortes e seguras, de uma aliança democrática, popular e progressista, contra o que estamos vivendo. A história nos conta que este tem que ser o caminho. Esse é o caminho que deve ser construído.
Olha essa frente, por exemplo. Foi o resultado de uma tessitura difícil. Veja, nós já conseguimos juntar cinco partidos nesse diálogo. Precisou que eu tomasse posse como senador de novo em 2019, o senador Cid [Gomes, do PDT no Ceará]. Depois fomos atrás do deputado Molon [Alessandro Molon, do PSD do Rio de Janeiro]. Molon procurou a direção do PSB, depois procuramos o PV, agora conquistamos o Cidadania.
Então, para nós chegarmos até aqui, nesses cinco partidos, foi uma suadeira, foi difícil. Foi uma arquitetura que eu tenho muito orgulho de ter participado da construção desde o começo, principalmente acompanhado do senador Cid Gomes. Mas chegamos, já construímos uma frente com cinco. Eu quero ir mais adiante disso. Eu quero cada vez mais colocar um tijolo.
Eu estou convencido de que o Brasil vive o momento mais difícil, triste, amargo de sua história. Sou historiador e posso dizer isso. Não tem precedentes. Não tem situação tão dramática como essa que nós estamos vivendo. Por isso, eu quero me dedicar com todas as minhas forças. Essa é a batalha mais importante da minha vida, da minha trajetória política, para nós superarmos esse momento.
CC: A oposição antibolsonarista não é só da esquerda, há setores da direita. Como fazer com que essa oposição ao bolsonarismo, hoje, fortaleça uma agenda para 2022 que, por exemplo, defenda a derrubada do teto de gastos, da reforma trabalhista, da reforma da Previdência? Como disputar essa agenda dentro do movimento?
RR: As posições que você cita são as minhas posições. Eu sou autor de uma Proposta de Emenda Constitucional para superar o teto de gastos, para acabar com a Emenda Constitucional 95. Só que se nós entrarmos na lógica da disputa disso daí, essa agenda não é majoritária nem na sociedade. Pesquisa de ontem [16 de junho] da revista Fórum dá conta de que uma agenda mais à esquerda hoje tem audiência entre 20% e 25% da sociedade [segundo o estudo, 40,8% de eleitores se dizem de direita e 8,6% de centro-direita; na outra ponta, 13,6% se dizem de esquerda e 7,2% de centro-esquerda].
Com 25%, ninguém derrota o Bolsonaro e nem o bolsonarismo. Eu quero passar para uma fase posterior. Eu quero superar o Bolsonaro, superar o bolsonarismo. O meu raciocínio é o seguinte. A gente só consegue ter a luta pelas nossas bandeiras num patamar democrático. E Bolsonaro não representa um patamar democrático. Nós temos que superar o Bolsonaro, superar o bolsonarismo, superar o populismo de extrema-direita, para irmos a uma outra página.
RR: Tenho tido conversas, inclusive públicas, com agentes econômicos, agentes políticos. O Janelas pela Democracia terá um ato desses cinco partidos nesta quinta-feira, mas acho que a gente tem que pensar em movimentos mais amplos. Paralelo ao Janelas pela Democracia, tem um movimento muito interessante, que tem estado em curso, que é o Direitos Já. É um movimento que reúne lideranças mais à direita, de esquerda, de centro. Então, uma parte posterior é juntar movimentos como o Direitos Já com o Janelas pela Democracia. Vou usar um termo aqui do Amapá: são igarapés que confluem na direção de um mesmo rio. Deixa eu terminar com uma poesia de Cora Coralina: tenho mais esperança nos meus passos do que tristeza nos meus ombros.