Nicarágua cobra que Brasil apresente ato formal de expulsão do embaixador bolsonarista do país

Nicarágua cobra que Brasil apresente ato formal de expulsão do embaixador bolsonarista do país

Mario Vitor Santos

Mario Vitor Santos é jornalista. É colunista do 247 e apresentador da TV 247. Foi ombudsman da Folha e do portal iG, secretário de Redação e diretor da Sucursal de Brasilia da Folha.


Nicarágua cobra que Brasil apresente ato formal de expulsão do embaixador bolsonarista do país

País da América Central afirma que Breno Dias da Costa não foi expulso e diz que o Itamaraty anda mudando de versões sobre o episódio

 

Breno Dias da Costa e Mauro Vieira
Breno Dias da Costa e Mauro Vieira (Foto: Reprodução/X/@ItamaratyGovBr)

 

Segue sem esclarecimentos a suposta expulsão do embaixador brasileiro em Manágua engendrada dentro do Itamaraty e vazada, como gatilho de uma crise diplomática, para a Folha de S.Paulo. A notícia, gerada obviamente sem dar voz ao governo nicaraguense, deu margem à expulsão "em reciprocidade" da embaixadora nicaraguense em Brasília.

Ouvida, a Nicarágua afirma que o embaixador brasileiro no país, Breno Dias da Costa, não foi expulso e desafia o Brasil a apresentar um documento chamado ato formal de expulsão, essencial e rotineiro para oficializar esses casos extremos.

Questionado por este jornalista, o Itamaraty, depois de certa insistência, acabou por recusar-se a apresentar o ato, alegando que houve, sim, comunicação formal da Nicarágua, mas que tal comunicação não pode ser apresentada, pois, segundo afirma a chancelaria, "as correspondências diplomáticas formais entre governos são invioláveis". A resposta do Itamaraty recorre a uma convenção de Viena para não tentar pôr uma pedra sobre o tema.

O governo da Nicarágua tomou conhecimento dessa alegação do Itamaraty e deixou saber que o Brasil anda mudando de versões sobre o episódio: primeiramente falou que o embaixador "foi mandado embora" por não ter ido às comemorações públicas do dia 19 de julho em Manágua, a data nacional que celebra a vitória da revolução sandinista contra a ditadura de Anastácio Somoza, apoiada pelos Estados Unidos.

Depois, diz Manágua, o Brasil fez saber que a Nicarágua havia pedido que o Itamaraty retirasse o embaixador.

Expulsar ou pedir a retirada são duas medidas diferentes em diplomacia, explica a fonte nicaraguense. Acrescenta que nenhuma das providências foi solicitada ao Brasil. Houve, sim, um chamado do embaixador para adverti-lo por sua ingerência nos assuntos internos da Nicarágua por meio de sua colaboração com elementos oposicionistas.

E acrescenta: Nicarágua não ordenou nem pediu ao Brasil a retirada do embaixador brasileiro, nomeado por Jair Bolsonaro e Ernesto Araújo. E conclui: a Nicarágua sempre publica suas notas diplomáticas.

Segue, portanto, a suspeita de que o governo Lula tenha cedido à conspirata da ala bolsonarista do Itamaraty, da qual resultou a expulsão, essa sim oficial, da embaixadora nicaraguense em Brasília, Fulvia Matu, heroína da revolução,  "em reciprocidade". Uma retribuição estranha, na eventual inexistência do ato original nicaraguense. A anotar ainda a coincidência de o atrito provocado com a Nicarágua ocorrer em paralelo à ofensiva do Brasil para ingerir nas eleições da Venezuela.

Nos mandatos petistas anteriores, tanto de Lula como de Dilma, o Brasil alinhou-se com Venezuela e Nicarágua, opondo-se às diversas iniciativas de sabotar os governos dos dois países, sempre insufladas, quando não realizadas diretamente,  pelos Estados Unidos.

Agora, de distintas maneiras, o Brasil de Lula entra em colisão, ao mesmo tempo  não apenas com a o governo de Daniel Ortega, herdeiro da revolução sandinista, mas também com a revolução bolivariana da Venezuela. Seria mera coincidência ou indício de uma mudança de alinhamento maior.

Em ação conjunta com a mídia pro-Washington, a ala bolsonarista do Itamaraty vem criando fatos consumados e  ditando condutas diplomáticas ao próprio Palácio do Planalto. Isso se dá, ainda que à revelia do próprio Partido dos Trabalhadores, cuja Executiva Nacional se apressou em reconhecer a legalidade da reeleição de Nicolás Maduro mantendo distância dessas guinadas intrigantes.