Modelo privatista do setor elétrico está falido
Modelo privatista do setor elétrico está falido
Por Hora do Povo
Íkaro Chaves aponta rumos para o setor elétrico (Fotomontagem HP)
“O governo precisa voltar a atuar diretamente no setor elétrico, nas áreas de distribuição, de geração e de transmissão”, afirmou o especialista ao analisar o apagão da Enel de SP. Na Alemanha, mais de 300 distribuidoras foram reestatizadas quando vencerem as concessões”, apontou o engenheiro
O engenheiro eletricista Ikaro Chaves, ex-representante dos trabalhadores no Conselho de Administração da Eletronorte, afirmou neste sábado (19), em entrevista ao HP, que o modelo privatista do setor elétrico brasileiro está falido. “Estamos vendo a falência do modelo do setor elétrico brasileiro gestado lá nos anos 90, quando começou o processo de privatização”, afirmou.
EQUIPE DE TRANSIÇÃO
Íkaro acompanha esse processo há anos. Ele integrou a equipe de transição do governo do presidente Lula. Em sua opinião, com as privatizações e o descontrole por parte do governo, “os apagões têm tudo para se tornar mais frequentes no Brasil. Para o especialista, só há um caminho para que o país possa superar o problema. “O governo precisa voltar a atuar diretamente no setor elétrico, nas áreas de distribuição, de geração e de transmissão”, afirmou.
Ele cobrou uma ação mais firme do governo federal no setor e a revisão das concessões. “O sistema elétrico é uma responsabilidade do governo federal. Os contratos de concessão vigentes no Brasil inteiro começam a vencer no ano que vem. É uma oportunidade de rever esses contratos. Mas o governo já editou um decreto encaminhando a renovação das concessões de 20 distribuidoras, inclusive da Enel. Lula esteve na Itália e lá já disse que o contrato da Enel vai ser renovado”, disse o engenheiro.
“Quando termina o prazo de concessão, ela volta para o poder concedente, que é o governo federal. O governo pode renovar, pode relicitar ou tomar para si essa concessão, assumir o serviço, como foi feito em vários lugares. Por exemplo, na Alemanha isso aconteceu. Venceu a concessão e o governo entendeu que era melhor voltar a prestar o serviço, reestatizar. Mais de 300 distribuidoras foram reestatizadas quando vencerem as concessões”, apontou Íkaro.
É PRECISO ACHAR ALTERNATIVAS
“O setor elétrico, baseado na privatização e regulação faliu. É preciso achar alternativas. O governo precisa voltar a atuar diretamente no setor elétrico, nas áreas de distribuição, de geração e de transmissão. O caso da Enel é uma oportunidade. Abre uma janela legal e política para isso!, defendeu.
Ele destacou que as empresas privatizadas não investem nos seus quadros de pessoal. “O principal fator é a questão da mão de obra, questão humana. E este é um ponto importante na discussão. Há muita gente defendendo investimento, compra de equipamentos. Agora, a manutenção é feita por pessoas”, disse Íkaro. “Há uma lógica no setor elétrico brasileiro, hoje dominado por empresas privadas: é a busca pelo aumento do lucro das empresas. A única maneira que as empresas têm de aumentar a margem de lucro é cortando o pessoal”, apontou.
O engenheiro lembrou que, quando foram iniciadas as privatizações a propaganda dizia que as tarifas iam baixar e o serviço iam melhorar. Ocorreu exatamente o inverso. “Estamos vendo a falência de um modelo do setor elétrico brasileiro, que foi gestado lá nos anos 90, quando começou o processo de privatização. Está provado. São 30 anos desde as privatizações. A energia fica cada vez mais cara e há cada vez mais problemas de abastecimento”, denunciou Íkaro.
CORTES DE CUSTOS
Ele explica que as empresas cortam custos, principalmente com redução de pessoal e na falta de manutenção preventiva. O objetivo é aumentar os lucros. “O sistema de controle não funciona”, diz. “A agência reguladora, a Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica], autoriza aumentos da conta da luz e tem que fiscalizar o serviço. Mas esse modelo não funcionou. Há objetivos antagônicos e inconciliáveis nessa relação”, prossegue o engenheiro.
“A empresa precisaria atingir parâmetros estabelecidos. Só que há o que a regra chama de expurgos. São ocorrências retiradas das medições de qualidade porque, teoricamente, são excepcionais. Hoje, você imagina que a Enel vai ter um nota de qualidade baixíssima por conta do que tem ocorrido em São Paulo. Mas não vai, porque ela vai colocar um evento como o do final de semana como algo extraordinário, causado por uma força da natureza fora do normal. As empresas usam desses expedientes para manter índices dentro do exigido”, afirmou.
EVENTOS CLIMÁTICOS SÃO PREVISÍVEIS
Íkaro contestou a fala do presidente da Enel, de que os eventos climáticos não estão no contrato de prestação de serviço no setor elétrico. “A rede de distribuição de energia das cidades é aérea. Por ser aérea, está sujeita a intempéries. Quando você tem árvores caindo sobre a rede aérea, falta luz. É normal. Agora, em São Paulo, não houve preparação para eventos como este. Não há vias alternativas para garantir o fluxo de energia. Por isso, a queda de uma árvore afeta tanta gente”, explicou.
“Estamos vivendo mudanças climáticas, sim, mas é bom lembrar que não houve um furacão em São Paulo. Mais gente ficou sem luz em São Paulo do que na Flórida, onde, sim, ocorreu um furacão. As mudanças climáticas não podem servir de desculpa para as empresas. Não estou negando a realidade. Mas São Paulo passou por uma tempestade. E tempestades sempre ocorreram. O sistema deveria estar preparado para isso. E não só em São Paulo”, acrescentou.