Ir ao banheiro não é trabalho: Tribunal suíço permite que empresa obrigue funcionários a bater ponto quando vão ao banheiro
Ir ao banheiro não é trabalho: Tribunal suíço permite que empresa obrigue funcionários a bater ponto quando vão ao banheiro
Não dá nem para fazer um xixizinho em paz mais!
Por Viny Mathias
Publicado 19 de Outubro de 2024 às 17:00
Enquanto muitos países debatem se devem ou não reduzir a jornada de trabalho, um tribunal suíço emitiu uma decisão sem precedentes sobre a definição do que é considerado tempo de trabalho: os funcionários de uma empresa suíça devem marcar ponto sempre que precisam ir ao banheiro. Apesar de entender que é considerado uma necessidade vital, o tribunal não considera que a empresa deva pagar por esse tempo.
A origem da polêmica
Segundo reportagem do canal de televisão suíço RTS, a origem do litígio começou em 2021, quando o Gabinete de Relações e Condições de Trabalho (ORCT), da cidade de Neuchâtel, verificou se as medidas contra a Covid-19 estavam a ser cumpridas na fabricante de mostradores de relógio Jean Singer et Cie, que conta com cerca de 400 funcionários. Os inspetores descobriram que a empresa marcava as entradas e saídas dos funcionários do banheiro e não remuneravam esse tempo.
O ORCT considerou que isto poderia “incentivar os funcionários a reterem-se ou a não se hidratarem, o que poderia levar a graves distúrbios fisiológicos”. Em fevereiro de 2022, o órgão proibiu a Jean Singer desta prática, alegando que “as interrupções de trabalho que satisfaçam necessidades fisiológicas não podem ser consideradas pausas, uma vez que não se destinam à recuperação” e violavam os princípios da Lei do Trabalho Suíça, informou a reportagem da RTS.
A decisão do tribunal
A empresa Jean Singer et Cie recorreu da sanção. E para a surpresa de muitos, inclusive do Gabinete de Relações e Condições de Trabalho, a decisão do Tribunal de Direito Público decidiu favoravelmente para a Jean Singer. De acordo com a decisão, tornada pública este mês, a empresa tem o direito de exigir que os funcionários registrem as idas ao banheiro porque a lei atual não regula explicitamente o que constitui uma “pausa” na jornada de trabalho.
Com a decisão, o tribunal expõe uma lacuna jurídica. A lei não proíbe expressamente as empresas de contabilizar as pausas para ir ao banheiro como intervalo. No entanto, a decisão especifica que a obrigação de bater o ponto para ir ao banheiro discrimina as mulheres. “[Elas] Enfrentam o ciclo menstrual, que se inicia com a menstruação. Este fenômeno fisiológico exige o cumprimento de normas básicas de higiene e, consequentemente, idas ao banheiro mais frequentes e ainda mais prolongadas”, nota o Tribunal, e insta a empresa a tomar medidas para “reduzir essa desigualdade”.
O que diz a lei?
O artigo 15 da Lei Trabalhista Suíça estabelece uma série de períodos de descanso obrigatórios durante a jornada de trabalho que devem ser remunerados, desde que os empregados permaneçam no local de trabalho.
"Os trabalhos deverão ser interrompidos por pausas com a seguinte duração mínima:
- a) 15 minutos para um dia de trabalho superior a cinco horas e meia.
- b) 30 minutos para um dia de trabalho superior a sete horas.
- c) Uma hora para um dia de trabalho de mais de nove horas."
Os regulamentos não especificam o motivo das pausas. Diz apenas que os funcionários têm direito a intervalos regulares. Portanto, o que a Jean Singer faz é colocar as idas ao banheiro neste mesmo bolo do descanso.
O ponto de vista da empresa
Pascal Moesch, representante legal da empresa, defendeu na reportagem da RTS que “seja uma pausa para ir ao banheiro, uma pausa para refeição ou uma pausa para descanso, a atividade laboral é interrompida e, portanto, a remuneração também. E por isso devem ser assinadas”. Como para eles não importa para que servem os intervalos, a empresa entende que os funcionários devem ir ao banheiro justamente nesses períodos de pausa.
A decisão foi recebida com preocupação pelas instituições suíças, por receio de que estabeleça um precedente e que outras empresas adotem a mesma política. Florence Nater, conselheira estadual responsável pelo trabalho, expressou sua preocupação à RTS: “Espero que esta decisão não encontre imitadores em outras empresas que possam ser tentadas a usar tais práticas”.
Os empregadores suíços consideram o caso anedótico. Bárbara Zimmermann-Gerster, executiva da associação patronal, assegura no relatório da RTS que “não é o rumo que se deve seguir. Face à escassez de trabalhos qualificados, as empresas devem garantir que estes são atrativos e respondem às necessidades dos funcionários”.