Fachin proíbe operações policiais em favelas do RJ enquanto durar a pandemia
O estado só poderá realizar operações em casos excepcionais e se as justificar por escrito previamente
Ministro Edson Fachin durante sessão do STF. Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF
Esta reportagem foi atualizada às 21h01 de 5 de junho de 2020 para que o título ficasse preciso quanto à abrangência da decisão
O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), proibiu, nesta sexta-feira (5/6), operações nas favelas do Rio de Janeiro. A decisão foi tomada no âmbito de uma ação que questiona a política de segurança pública adotada pelo governo do Rio de Janeiro. Na decisão, Fachin considera o risco à população e aos serviços de saúde durante as operações policiais. Leia aqui a íntegra da decisão.
O caso começou a ser julgado em 17 de abril, no plenário virtual, mas foi interrompido por pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. A liminar terá de ser analisada pelo plenário.
Pela liminar deferida, o estado fica proibido, sob pena de responsabilização civil e criminal, de seguirem com operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro enquanto durar a pandemia do coronavírus, “salvo em hipóteses absolutamente excepcionais, que devem ser devidamente justificadas por escrito pela autoridade competente, com a comunicação imediata ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro – responsável pelo controle externo da atividade policial”.
Além disso, nos casos extraordinários de realização dessas operações durante a pandemia, o ministro determina que sejam adotados cuidados também excepcionais, “devidamente identificados por escrito pela autoridade competente, para não colocar em risco ainda maior população, a prestação de serviços públicos sanitários e o desempenho de atividades de ajuda humanitária”.
O Partido Socialista Brasileiro (PSB), autor da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, e a Defensoria Pública do Estado, as entidades Educação e Cidadania de Afrodescendentes Carentes (Educafro), Justiça Global, Associação Direito Humanos em Rede (Conectas Direitos Humanos), Associação Redes de Desenvolvimento da Maré, Instituto de Estudos da Religião (ISER) e Movimento Negro Unificado (MNU), todos amici curiae, entraram com novo pedido de tutela incidental em 26 de maio, “em razão do agravamento do cenário fático de letalidade da ação policial no Estado do Rio de Janeiro, em pleno quadro da pandemia da COVID-19”.
Relator da ação, o ministro Fachin, no voto, determinou, entre outras coisas, a restrição do uso de helicópteros em operações policiais e regras para operações em localidades próximas a escolas, creches, hospitais ou postos de saúde. Em voto de 97 páginas, Fachin analisa ponto a ponto os pedidos do partido autor, confrontando com as alegações do Governo do Rio de Janeiro, da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre cada um desses temas.
O novo pedido celebra o voto do relator, mas afirma que, desde então, a situação tem se agravado, vitimando especialmente a população pobre, negra, que mora em comunidades. Como não há previsão para que Moraes devolva a vista, o partido e as entidades defenderam a necessidade de uma cautelar em nome da proteção da população mais vulnerável do estado.
“Neste momento já tão terrível para essa população vulnerável – certamente a mais atingida pela doença e pela severa crise econômica dela decorrente –, as operações policiais vêm se tornando ainda mais letais e violentas, com chacinas, como a ocorrida no Complexo do Alemão, e o assassinato de crianças e adolescentes, como o que vitimou João Pedro Mattos Pinto, de apenas 14 anos de idade! Operações policiais vêm também interrompendo o funcionamento de unidades de saúde e a distribuição de cestas básicas em favelas, de forma desumana e francamente inconstitucional”, apontam, na peça.
Eles pediram, ainda, contrapondo o que definiu o relator no lançamento do voto no plenário virtual, que fossem concedidas, monocraticamente, as medidas previstas na petição inicial para a elaboração de plano de redução de letalidade policial; a presença obrigatória de ambulâncias e equipes de saúde nas operações policiais; e a instalação de equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança, com o armazenamento digital dos arquivos.
Fachin, no entanto, se restringiu à análise da suspensão das operações policiais, exceto em casos em que for comprovada a necessidade. “Vale dizer: o uso da força só é legítimo se for comprovadamente necessário para proteção de um bem relevante, como a vida e o patrimônio de outras pessoas.” Para o uso de força letal, segundo ele, devem ser ainda mais rígidos as condições, como o requisito de que o agente alerto o uso de arma de fogo para dar tempo para que as pessoas respeitem o comando.
“Registre-se que o Estado brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Favela Nova Brasília, não apenas pela violação às regras mínimas de uso da força, mas também por não prever protocolos para o uso da força, seja para atestar a necessidade do emprego, seja para fiscalizá-lo. A situação narrada pelo pedido incidental demonstra especial gravidade da omissão do Estado brasileiro”, disse o relator.
Citando a morte do menino João Pedro Matos Pinto, de 14 anos, que brincava com os primos antes da casa ser atingida durante uma operação policial na tarde de 18 de maio por mais de 70 tiros, o ministro afirma que o “fato é indicativo, por si só, que, mantido o atual quadro normativo, nada será feito para diminuir a letalidade policial, um estado de coisas que em nada respeita a Constituição”.
Os advogados Daniel Sarmento e Ademar Borges, autores da ação, classificaram a decisão como um marco na defesa dos direitos humanos e da igualdade racial. “A polícia do Rio de Janeiro praticava genocídio da população negra. Isso lamentavelmente aumentou no período de pandemia em que o número de incursões policiais na favela e de mortes subiu dramaticamente. A decisão do Fachin revela que vidas negras importam. Ela deve ser celebrada como um marco na defesa dos direitos humanos e da igualdade racial”, afirmam
ANA POMPEU
BRASÍLIA