Confronto opõe o Sul contra o Norte no Rio Grande do Sul

Confronto opõe o Sul contra o Norte no Rio Grande do Sul

Confronto opõe o Sul contra o Norte no Rio Grande do Sul

Bolsonaro vence, mas encolhe enquanto Lula avança em um estado dividido entre os dois caminhos para o Brasil

Ayrton Centeno

Brasil de Fato | Porto Alegre |

 

Um olhar para o mapa eleitoral mostra claramente a diferença de postura entre Sul e Norte. É quase como se uma linha horizontal cortasse o Rio Grande do Sul separando uma parte meridional lulista e uma setentrional bolsonarista - Reprodução

Três dos cinco maiores colégios eleitorais do Rio Grande do Sul deram vitória a Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro turno: Porto Alegre, Pelotas e Santa Maria. Em 2018, Jair Bolsonaro venceu nos três com grande margem. 

Na votação total do estado, o Partido dos Trabalhadores aumentou sua votação em quase 20 pontos percentuais (19,47%) na comparação com 2018. E Jair Bolsonaro, embora vencendo, encolheu 7,74%.

A vitória na Capital foi a primeira dos candidatos presidenciais do PT desde 2002, quando da primeira eleição de Lula. Em 20 anos, o partido havia perdido as oito disputas (em primeiro e segundo turnos) enfrentadas por Lula, Dilma Rousseff e Fernando Haddad em Porto Alegre. Na eleição presidencial anterior, Haddad teve metade da votação de Bolsonaro. 

Porto Alegre voltou a votar na esquerda

Mas desta vez foi diferente. Lula derrotou Bolsonaro com folga por 49,83% x 39,11%. Após colocar o PT durante 16 anos à testa da sua gestão e retirá-lo do poder em 2004, a Capital voltou a votar na esquerda. 

Em Pelotas, Sul do estado, quarto colégio eleitoral gaúcho, a vantagem lulista foi mais larga: 51,82% x 36,40%. Em Santa Maria, na região Centro e quinto maior contingente de eleitores, a distância acabou sendo bem mais curta e Lula venceu por 45,44% x 45,07%.

O candidato da oposição foi especialmente bem na chamada Metade Sul, a fração do território gaúcho mais empobrecida e esquecida e que mais dificuldades enfrenta. É a região do Pampa, na fronteira com o Uruguai e a Argentina, com boa parte da economia dependendo da pecuária e da agricultura e com baixa geração de empregos. Lula venceu nas duas cidades mais industrializadas da região, Pelotas e Rio Grande.

Vitória onde Lula havia sido hostilizado

Um olhar para o mapa eleitoral mostra claramente a diferença de postura entre Sul e Norte. É quase como se uma linha horizontal cortasse o Rio Grande do Sul separando uma parte meridional lulista e uma setentrional bolsonarista. Claro que há exceções, entre as quais Porto Alegre, onde Lula predominou, além de cidades como Viamão, Alvorada, Esteio e Sapucaia do Sul. O mesmo ocorre com a presença de nichos bolsonaristas no Sul, situação de Uruguaiana. 

Lula levou a melhor em cidades importantes da Metade Sul como Bagé (52,28% x 39,51%), junto à fronteira uruguaia. Lá, em 2018, a caravana de Lula que percorria o Sul foi hostilizada pelo prefeito Divaldo Lara (PTB). Ele organizou protesto contra a presença do ex-presidente quando participantes da caravana foram agredidos por fazendeiros com relhaços. 

Terra de Getúlio e Jango votou com o PT 

Em Santana do Livramento, a vitória foi por 56,23% x 36,05%. Alegrete premiou Lula com 50,94% x 40,02%. Em Caçapava do Sul, Jaguarão, São Luiz Gonzaga, Dom Pedrito, São Gabriel, Rosário do Sul também venceu. Berço do trabalhismo e dos ex-presidentes Getúlio Vargas e João Goulart, São Borja votou Lula com 54,86%, embora sendo reduto de fazendeiros.

Bolsonaro predomina no Norte rico

Bolsonaro saiu vencedor em Caxias do Sul e Canoas, segundo e terceiro maiores colégios gaúchos. Em Canoas, na Região Metropolitana, fechou com 46,78%, enquanto Lula conseguiu 42,92%. No entanto, em 2018, atingiu o triplo da votação de Haddad também em primeiro turno. 

Em Caxias, triunfou por 57,54% x 31,79%. É uma vantagem considerável, mas que se torna até modesta se cotejada com a de 2018 quando o hoje candidato do PL recebeu três votos de cada quatro. 

 

A partir da maior cidade da Serra do Nordeste, o bolsonarismo caxiense se irradiou pelo entorno de colonização italiana e de fortes raízes conservadoras. Bento Gonçalves, Farroupilha, Garibaldi, Flores da Cunha, Veranópolis e Antônio Prado também deram grandes vitórias ao atual presidente.  

A Serra abriga a cidade mais bolsonarista do Brasil, a pequena Nova Pádua, onde Bolsonaro fez 83,98% dos votos válidos. Entre as 10 cidades do país que mais votaram em Bolsonaro também está a vizinha Nova Bassano, que entregou 78,60% da sua votação ao candidato da ultradireita.

No passado, a proximidade com o fascismo

A afinidade com o bolsonarismo não está dissociada das polêmicas que cercam a história da imigração. Na primeira metade do século passado, a Serra Gaúcha conviveu com uma intensa circulação das ideias do ditador Benito Mussolini, sem contar que foi terreno fértil para a Ação Integralista Brasileira (AIB), de Plínio Salgado, versão nativa do fascismo italiano, como observam os historiadores que abordaram a antiga presença nazifascista no chão gaúcho.       

A candidatura oficialista também se impôs nas áreas de colonização alemã. No Vale do Rio dos Sinos, Bolsonaro tirou grande vantagem. Foram casos como os de Novo Hamburgo, São Leopoldo, Portão, Campo Bom e Ivoti. 

Municípios ricos, com população de alto poder aquisitivo e conhecidos pelo turismo entregaram copiosa votação a Bolsonaro. Em Gramado, ele recebeu o triplo da votação do principal adversário. Na vizinha Canela, obteve o dobro. 

No vale do Rio Pardo, também de colonização alemã, lugar de plantações de fumo e de indústrias de tabaco, Bolsonaro venceu em Santa Cruz do Sul e em Venâncio Aires, as duas maiores cidades.