8 de Janeiro e ditadura não se separam, não se prioriza um ou outro, diz cientista sobre decisão de Lula

8 de Janeiro e ditadura não se separam, não se prioriza um ou outro, diz cientista sobre decisão de Lula

8 de Janeiro e ditadura não se separam, não se prioriza um ou outro, diz cientista sobre decisão de Lula

Rodrigo Lentz analisa a decisão de Lula, que barrou atos oficiais nos 60 anos do golpe de 1964, visando evitar confronto com os militares

Carla Castanho[email protected]

 

Foto: Elineudo Meira/@fotografia.75

 

A postura conciliatória adotada pelo presidente Lula – que evitando melindrar os militares, decidiu proibir a realização de atos oficiais no governo em respeito à memória das vítimas da ditadura militar – tem sido alvo de críticas não apenas no âmbito político, mas também entre juristas e acadêmicos que apontam para uma direção equivocada.

Lula tem defendido que sua a prioridade, agora, é lidar com as ameaças atuais, referindo-se ao episódio do 8 de Janeiro, quando bolsonaristas marcharam contra as sedes dos Três Poderes, em Brasília, atentando contra a democracia. Para Lula, o 60º aniversário do golpe militar de 1964 pertence ao passado.

Para o cientista político Rodrigo Lentz, professor da UnB e pesquisador do Instituto Tricontinental, estudioso do poder militar, a ditadura e o 8 de Janeiro são fenômenos indissociáveis, visto que ambos os episódios foram alimentados pelo autoritarismo que ameaça o Estado Democrático de Direito.

“O receio de gerar uma tensão e um ponto de crise que possa vir a escalar faz [Lula] priorizar o 8 de Janeiro. Ou seja, a prioridade agora não seria a memória de 1964 e nem a ligação dessa memória com o presente e com o futuro, que todo mundo sabe que isso é impossível de separar”.

O cientista analisa que a conduta mediadora de Lula vem de outros mandatos, mas ressaltava que a conjuntura política pode ser diferente. No passado, houve anistia para os militares golpistas. Hoje, vigoram as cobranças sobre a responsabilização dos militares que cometem crimes contra a democracia.

“Nós, pela primeira vez, estamos vendo cadeias sendo construídas para generais. No mês da construção de Brasília, o quartel general, que é onde eles podem ser presos conforme a hierarquia, nunca teve uma cadeia. Então é um momento realmente muito diferente”, exemplifica Lentz.

Razões explicam, mas não justificam

No ambiente jurídico, Lênio Streck analisa que embora Lula utilize argumentos para explicar sua decisão de evitar confronto com os militares na atualidade, a decisão de ignorar o aniversário do golpe de 1964 não lhe parece justificável.

“Se você tem medo de rememorar o golpe de 64, se você tem receio, você continua com medo dos espectros que rondam a democracia brasileira, que são os militares. A gente tem que romper com isso, fazer esse enfrentamento. Posso até entender as razões que se colocam; elas explicam, mas não justificam”, pondera o jurista.

Nesse sentido, Streck acredita que evitar tensionar com os militares significa a perda de memória dos episódios que sangraram o país. “Agora, você dizer pra mim, ‘não vamos bulir com essa gente’, você está dizendo: ‘não lembre mais das coisas'”.

Reportagem do jornal The Guardian, publicada nesta sexta (29), mostra depoimentos de familiares de vítimas da ditadura. Eles estão “consternados”, “indignados” e decepcionados com a decisão do presidente Lula não impedir atos oficiais a respeito do aniversário de 60 anos do golpe militar. Leia aqui.