Economista denuncia artifícios no lucro da Petrobrás e fala em bomba-relógio deixada para nova administração

"Por isso eu digo que estão deixando uma “bomba relógio” para quem entrar na gestão da empresa depois”, concluiu.

Economista denuncia artifícios no lucro da Petrobrás e fala em bomba-relógio deixada para nova administração

 

Economista denuncia artifícios no lucro da Petrobrás e fala em bomba-relógio deixada para nova administração

Escrito por  Davi de Souza

A Petrobrás surpreendeu o mercado nesta semana com o seu resultado financeiro do quarto trimestre.

Contrariando até mesmo algumas previsões, a empresa apurou um lucro de R$ 59,8 bilhões – resultado que foi bastante comemorado pela atual gestão da companhia. Contudo, especialistas apontam alguns problemas nos números apresentados pela estatal brasileira. O ex-economista da estatal e atual diretor da Associação de Engenheiros da Petrobrás (Aepet), Claudio Oliveira, alerta que a petroleira usou de artifícios para divulgar o lucro publicado no balanço. O entrevistado lembra que a estatal divulgou impairments (desvalorização de valor de ativos) muito elevados no início do ano de 2020, no auge da pandemia. Oliveira acusa que houve um exagero nos números e, por isso, a Petrobrás agora teve de fazer essa correção. “O preço do barril de petróleo subiu ao longo de 2020 e terminou o ano a US$ 48. Por isso, no balanço do quarto trimestre, a Petrobrás estornou quase a metade daquilo que tinha sido lançado como negativo. Resumindo: isso é só um ajuste contábil, não tem nada a ver com a operação da empresa”, declarou. Ele também alertou que diante desse cenário, existe uma “bomba relógio” contábil para a futura administração da companhia. “Todos esses números podem ser revertidos no exercício seguinte. Por isso eu digo que estão deixando uma “bomba relógio” para quem entrar na gestão da empresa depois”, concluiu.

O senhor poderia explicar como que o cálculo dos impairments influenciou no resultado da Petrobrás no quarto trimestre?

Os impairments já vêm sendo feitos há algum tempo. Em 2014 e 2015, os impairments feitos resultaram nos grandes prejuízos registrados à época. Isto é, baixa de valor de ativos. Hoje, os impairments são feitos praticamente em cima das reservas de petróleo. A Petrobrás projeta o aproveitamento das reservas e, dependendo do valor do petróleo e do câmbio, isso é trazido para o valor presente.

Esse valor varia de período em período. No início de 2020, o Barril de petróleo estava cotado a US$ 60 e chegou a cair para US$ 20. Por conta dessa diferença, a Petrobrás corrigiu o valor de seus estoques e deram baixa no balanço. Daí, a empresa registrou um valor enorme de prejuízo no primeiro trimestre.

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E qual sua avaliação sobre essa contabilidade feita pela Petrobrás?

Foi um exagero. Você não costuma fazer essa correção em cima do valor total. Nenhuma petroleira fez dessa forma. Basta olhar os balanços da Exxon, da Shell e da BP, por exemplo. Nenhuma delas teve essa violência de valor lançado como prejuízo. Eu citei isso no site da AEPET na época. Comentei que, na minha opinião, a Petrobrás estava lançando um valor exagerado a mais [de impairment] para estornar esse valor no final de 2020 – já que haveria uma recuperação no valor do barril. Assim, a empresa iria dizer que teve um bom resultado no final do ano. Foi exatamente o que aconteceu.

O preço do barril de petróleo subiu ao longo de 2020 e terminou o ano a US$ 48. Por isso, no balanço do quarto trimestre, a Petrobrás estornou quase a metade daquilo que tinha sido lançado como negativo. Resumindo: isso é só um ajuste contábil, não tem nada a ver com a operação da empresa.

A minha crítica é alguns comentaristas econômicos, como Miriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg, estão falando como se a Petrobrás tivesse tido um resultado muito bom. Na verdade, foram ajustes contábeis que nada tem a ver com a operação da empresa. Então, esses comentaristas não transmitem a informação correta, sabe-se lá com qual intenção.

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Além do ajuste do impairment, a Petrobrás fez algo semelhante em outras variáveis contábeis?

Não foi só no impairment. Houve também um ajuste cambial R$ 20 bilhões, que nada tem a ver com a operação da empresa. Na verdade, esse ganho cambial, pelo o que vi em uma primeira visão, foi lançado em cima daquilo que eles chamam de hedge accounting. Eles fazem uma compensação em cima da variação cambial da empresa, que é calculada a partir da dívida da companhia.

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Essa compensação é feita em cima de vendas futuras. Ou seja, vendas firmes feitas de produtos para exportação em moeda estrangeira. Dependendo do valor do produto de câmbio projetado, eles trazem aquilo para o valor presente para compensar as perdas cambiais. E foi nesse ajuste que surgiu esse ganho de R$ 20 bilhões. É um assunto meio complexo, mas de origem contábil. Ou seja, não é operacional.

Além disso, a Petrobrás lançou R$ 13 bilhões para um ajuste atuarial do plano de saúde da empresa. Esse acordo foi feito com o sindicato, mas ninguém concordou com esse acerto. A AEPET entrou na Justiça contra esse acordo.

Todos esses números podem ser revertidos no exercício seguinte. Por isso eu digo que estão deixando uma “bomba relógio” para quem entrar na gestão da empresa depois. Essa situação toda pode ser revertida em resultado negativo no exercício de 2021. Alguém precisa desarmar essas bombas relógios que estão lá. É isso que esperamos.

Poderia avaliar a geração de caixa da companhia?

A Petrobrás sempre vai ter uma ótima geração de caixa, porque é uma empresa de petróleo que produz três milhões de barris por dia. Com o preço do petróleo a US$ 60, a alta produtividade do e o custo de extração lá embaixo, é claro que vai a Petrobrás terá muita geração de caixa. Tem que se dizer também que a empresa paga hoje muito menos imposto do que pagava no passado. Na Cessão Onerosa, por exemplo, não se paga mais participação especial – que é 10% de receita.

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A Petrobrás registrou uma geração de caixa de US$ 28 bilhões. Ora, em 2011, quando se tinha um subsídio aos combustíveis e corrupção, a geração operacional da empresa foi de US$ 33 bilhões. Ora, os corruptos devem ser presos sim. Mas devemos jogar a água suja fora, mas salvar a criança. O que eles fazem agora é jogar água suja com criança e tudo.

bandeira_do_Brasil_na_Plataforma_P-26_na_Bacia_de_CamposEm 2011, a empresa teve a maior geração de caixa da história. O brasileiro pagava um combustível por um preço mais baixo do que o do mercado internacional, porque era subsidiado. A Petrobrás lucrava mais porque suas refinarias estavam processando a 100%. O Brasil ficava mais competitivo porque tinha um combustível mais barato.

Atualmente, porém, você compra combustível por um preço mais alto do que o internacional. Isso prejudica a população, a Petrobrás e a economia  brasileira. E quem ganha com isso? Os importadores, os traders internacionais e as refinarias do exterior. Principalmente a Shell, que tem três refinarias no Golfo do México e vende para o Brasil mais de 200 mil por dia de gasolina. Então, é só prestar atenção. Tem gente ganhando muito dinheiro com isso. E quem tá pagando a conta são os brasileiros. Por isso, é preciso sim mexer na política de preços.

A Petrobrás não existe para atender o interesse de empresas estrangeiras. Temos a Petrobrás para atender o Brasil. A gestão que entrou na empresa são engenheiros de obra pronta. Receberam a empresa com uma super riqueza [o pré-sal] na mão. Agora, eles estão reduzindo e matando a empresa, colocando a Petrobrás como uma simples exportadora de óleo cru. Isso não interessa para o Brasil e para a população do país.

O que nos interessa é ter um combustível a um preço mais baixo. As empresas estrangeiras não estão aqui para desenvolver o país. Eles querem explorar o país e desenvolver lá fora. Será que é difícil de entender? Mas parece que Miriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg não entendem isso. Foram eles que falaram que a Petrobrás estava quebrada. Eles inventaram isso sem nunca mostrar nenhum número.

O senhor sempre foi um crítico a essa ideia de que a empresa beirou a falência… poderia explicar mais sobre essa sua visão?

Em 2011, a Petrobrás registrou US$ 20 bilhões de lucro, pagou US$ 7 bilhões de dividendos e pagou também participação para os empregados. Além disso, a empresa ainda contribuía com muito mais imposto do que hoje. E olha que não tinha o pré-sal naquela época. Mesmo assim, a empresa gerou caixa.

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Nos demais anos, todo o exercício teve muito lucro e geração de caixa, além de uma liquidez corrente sempre acima de 50. Enquanto isso, se propagava à ideia de que a empresa estava quebrada. Todo mundo acreditou e isso é repetido até hoje. Essa mentira tem que acabar. Esses comentaristas inventaram essa mentira sem mostrar número nenhum. E ninguém na imprensa desmente isso.

Retomando o assunto do balanço da Petrobrás no quarto trimestre, o senhor então discorda de algumas avaliações que apontaram que os números da Petrobrás foram ótimos?

Esse resultado foi ótimo? Cadê o ótimo? A empresa está acabando. A receita da Petrobrás em reais no ano de 2014 era muito maior do que é hoje. A empresa hoje é muito mais endividada do que era em 2014, quando teve o pico da dívida da empresa. Naquela época, a dívida representava muito menos em relação a receita do que representa hoje. E tudo que eles estão fazendo é vender ativos para pagar dividendos.

Está claro no plano de negócios da empresa. Se você olhar o quadro de usos e fontes, verá que eles colocam pagamentos de US$ 35 bilhões de pagamentos de dividendos. E para pagar esse dividendo, existem US$ 35 bilhões de ativos sendo vendidos. A conta é muito simples. A Petrobrás diminuiu os investimentos para pagar dividendo. Isso é um assalto ao país.

Quem começou com a interrupção de investimentos, demissões em massa e venda da ativos na Petrobrás foi o PT, com o [Aldemir] Bendine. Foi lá que começou essa política de preços também. E agora eles fingem que não aconteceu nada. Isso tem que vir às claras. O meu partido é o partido de Tiradentes [se referindo a Joaquim José da Silva Xavier, líder da Inconfidência Mineira]. Eu não sou de esquerda nem de direita. E nem quero saber o que é isso. Isso não resolve o problema do Brasil.

Fonte: Petronotícias