Pochmann: Fascismo e política eleitoral dos negócios
Golpe abre novo ciclo de fisiologismo: austeridade é mantida, porém, às vésperas de eleições, gastos públicos são manipulados, visando votos e compra de apoios no Congresso.
Pochmann: Fascismo e política eleitoral dos negócios
Golpe abre novo ciclo de fisiologismo: austeridade é mantida, porém, às vésperas de eleições, gastos públicos são manipulados, visando votos e compra de apoios no Congresso. Mas, diante da estagnação da renda, isso gera vantagens reais nas urnas?
OUTRASPALAVRAS
Por Marcio Pochmann
O fim do ciclo político da Nova República (1985-2014) encerrou a polaridade entre austeridade fiscal e governabilidade, própria do presidencialismo de coalizão, cujo objetivo era tornar o nível de emprego dependente do estado de confiança definido pelo setor privado. Com isso, a tensão política que separava tucanos de petistas na gestão macroeconômica do passado foi perdendo centralidade.
Até 2014, por exemplo, os seis pleitos presidenciais tinham consolidado cerca de quatro quintos dos eleitores em somente dois blocos políticos distintos liderados pelo PT e PSDB. Naquele contexto político, a condução da política macroeconômica terminou servindo à gestão das melhores práticas governamentais possíveis no âmbito da rígida austeridade fiscal, monitorada por agências de risco estrangeiras e porta-vozes neoliberais locais potencializados pela mídia comercial.
A não aceitação do resultado das urnas e a ação questionadora da administração Rousseff até extirpá-la completamente permitiram inaugurar a fase política eleitoral dos negócios. A proximidade atual com o fascismo, talvez pós ou neofascismo, diante do contexto distinto da década de 1930, encontra justificativa na perspectiva de Herbert Marcuse (Tecnologia, guerra e fascismo, 1999) que o considera alternativa ao modelo liberal, quando este chega ao seu limite de continuar mantendo as condições básicas da reprodução capitalista.
Nesse sentido, o fascismo não seria um acontecimento, mas algo intrínseco à própria dinâmica da sociedade burguesa, especialmente no momento atual em que o receituário neoliberal perdeu sentido. Apesar disso e da mesma forma com que o uso do cachimbo faz a boca torta, alguns analistas seguem insistindo na reprodução do mantra da austeridade fiscal, adequado ao ciclo político da Nova República que ficou para trás.
Basta um breve olhar sobre as contas públicas do país para perceber o quanto as finanças do Estado brasileiro se encontram em sintonia com a atual política eleitoral dos negócios. Em 2020, por exemplo, o gasto público agregado da União, estados e municípios (soma da carga tributária bruta com o déficit nominal financiado por emissão monetária ou endividamento) alcançou 45,3% do PIB, muito acima do vigente durante o ciclo da Nova República (36,2% do PIB, em 2010, e 36,9% do PIB, em 2000).
Neste ano, em decorrência da eleição presidencial, o gasto público pode novamente se aproximar ao equivalente de dois anos atrás, quando os partidos do centrão criaram uma espécie de outro orçamento complementar para irrigar as prefeituras. Naquela oportunidade, convém lembrar, o centrão obteve consagrada vitória eleitoral, com enorme taxa de eleição e reeleição dos seus candidatos no pleito municipal de 2020.
Mas em 2022, em plena disputa presidencial, seria possível repetir o mesmo sucesso eleitoral? A literatura especializada que trata do tema do ciclo político de negócios tem como referência original os estudos da década de 1940 pertencentes ao economista polaco Michael Kalecki (Aspectos políticos do pleno emprego) e o sueco Johan Akerman (Ciclos econômicos políticos, 1947).
Desde aquela época, proliferam análises a respeito da capacidade de certos políticos se diferenciarem dos demais manipulando o gasto público em favor da elevação de seus votos para permanecerem no poder. A versão de que o desempenho econômico possa ser impactado por impulsos políticos anima os interesses eleitorais, especialmente daqueles que almejam se perpetuar no poder, independentemente das consequências econômicas, políticas e sociais negativas.
É por esse motivo que reaparece destacadamente o posicionamento fascista para além do esgotamento da gestão neoliberal. Mas em que medida as condições econômicas alteradas justamente no período que antecede a eleição presidencial permitiriam atrair eleitores e, assim, gerar vantagens exclusivamente adicionais nas urnas?
Sabe-se que, nos últimos anos, a “disciplina nas fábricas” foi novamente imposta à classe trabalhadora simultaneamente à “estabilidade congressual” pacificada pelo centrão. Apesar do verdadeiro massacre do capital, com prejuízos aos pequenos negócios e ampla destruição de empregos, o sentido da estagnação da renda e da economia rentista improdutiva não foi alterado. Muito pelo contrário.
Pode agradar ao andar de cima da sociedade, sem sustentação, contudo, nos segmentos sociais majoritariamente pertencentes ao andar de baixo. É por esse motivo que o ciclo eleitoral dos negócios pressupõe a interconexão com o fascismo no Brasil.