O caminho brasileiro
Em dois sucessivos eventos, o presidente brasileiro João Goulart conversava com os trabalhadores na Central do Brasil (13.3.1964) e enviava mensagem ao Congresso Nacional (15.3.1964). Os documentos ilustram os capítulos 21 e 22 do Pensamento Nacional-desenvolvimentista.
O caminho brasileiro
Publicado porIso SendaczPublicado emSem categoriaTags:desenvolvimento, Independência nacional, João Goulart, Nacional-desenvolvimentismo, Reformas de Base
João Goulart, março de 1964
Em dois sucessivos eventos, o presidente brasileiro João Goulart conversava com os trabalhadores na Central do Brasil (13.3.1964) e enviava mensagem ao Congresso Nacional (15.3.1964). Os documentos ilustram os capítulos 21 e 22 do Pensamento Nacional-desenvolvimentista.
Ao povo reunido na praça, Jango procurou “inspirar confiança no futuro” com “a coragem de enfrentar sem fraquezas a dura realidade do presente”. Aos congressistas, instou à “deliberação de progredir”.
Ante à reação que se avolumava no Brasil e declarava ser o encontro público “atentatório à democracia”, o presidente esclareceu:
A democracia que eles querem é a democracia para liquidar com a Petrobrás; é a democracia dos monopólios privados, nacionais e internacionais, é a democracia que luta contra os governos populares e que levou Getúlio Vargas ao supremo sacrifício.
O caminho pacífico de avançar na construção nacional era o das reformas, aquelas que permitissem superar as extremas desigualdades verificadas então com base em marcos legais alcançados “pelos caminhos do entendimento e da paz social”.
A “mãe de todas as reformas” era a agrária, em que se pretendia estender a dezenas de milhões de brasileiros a propriedade de terra para plantar, vez que a miséria que grassava nos campos tinha a sua origem no preço que o latifúndio cobrava aos agricultores de metade da produção obtida. O agravante dessa situação era o encarecimento dos gêneros alimentícios à quem vivia nas cidades.
Como medida urgente, Goulart anunciou a possibilidade de desapropriação no interesse público das terras improdutivas às margens das rodovias, ferrovias e açudes construídos pelo governo, com dinheiro público. Adicionalmente, parte da produção precisaria necessariamente ser voltada ao consumo popular interno. Algo semelhante ao que já havia sido feito em países como o Japão, a Itália, o México e a Índia.
A adequação da ordem jurídica abrangeu também as reformas política – dobrar a base de eleitores, sem discriminação ideológica e religiosa de organização partidária – e universitária, como imperativas ao desenvolvimento social e econômico brasileiro.
Jango prestava contas de suas ações relativas ao saneamento da economia, com o reescalonamento dos compromissos externos e retomada do crédito internacional, o cesse da drenagem ilegal de lucros e medidas de economia no comércio internacional. Uma nova medida era também anunciada: a nacionalização do conjunto das refinarias de petróleo, que ainda contavam com controle ou participação relevante privada.
O plano de investimentos possibilitado pela nova situação de caixa coadunava-se com as necessidades de crescimento do Brasil, com justiça social. O aproveitamento do potencial hidráulico brasileiro pela Eletrobrás recém-criada, mais logística, mineração e expansão da Petrobrás, o salário móvel para fazer frente ao aumento do custo de vida, o reaparelhamento das Forças Armadas eram iniciativas do governo federal anunciadas no comício e na mensagem ao Congresso.
Aos milhões de brasileiros reunidos na praça que “só ao povo pertence” ou acompanhavam pelo rádio e pela TV, Jango reafirmou “os seus propósitos inabaláveis de lutar com todas as suas forças pela reforma da sociedade brasileira. Não apenas pela reforma agrária, mas pela reforma tributária, pela reforma eleitoral ampla, pelo voto do analfabeto, pela elegibilidade de todos os brasileiros, pela pureza da vida democrática, pela emancipação econômica, pela justiça social e pelo progresso do Brasil”.
Aos congressistas, concluiu:
Estou certo de que os nobres Parlamentares do Brasil deste ano de 1964 guardam fidelidade às honrosas tradições dos nossos antepassados, que, em conjunturas semelhantes da vida nacional, como a Independência, a Abolição da Escravatura, a Proclamação da República e a Promulgação da Legislação Trabalhista, tiveram a sabedoria e a grandeza de renovar instituições básicas da Nação, que se haviam tornado obsoletas, assim salvaguardando o desenvolvimento pacífico do povo brasileiro.
O desafio histórico repete-se outra vez. Agora, nossa geração é que está convocada para cumprir a alta missão de ampliar as estruturas socioeconômicas e renovar as instituições jurídicas, a fim de preservar a paz da família brasileira e abrir à Nação novas perspectivas de progresso e de integração de milhões de patrícios nossos numa vida mais compatível com a dignidade humana.
Fiel ao seu compromisso com os trabalhadores, nas semanas seguintes Jango optou por evitar o derramamento de sangue brasileiro, ante à truculência de sua deposição.
Sobre o discurso da Central do Brasil, veja também a matéria de Carlos Lopes na Hora do Povo, escrita em 2012.
Reproduzido na Raiz Trabalhista.