Impulsionando a ignorância, mantendo o poder

A ignorância é qualidade mais cultivada e desejada pelo poder, em toda parte e em todos os tempos.

Impulsionando a ignorância, mantendo o poder

Impulsionando a ignorância, mantendo o poder

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A ignorância é qualidade mais cultivada e desejada pelo poder, em toda parte e em todos os tempos. É pela falta de conhecimento sobre a própria pessoa e a respeito da sociedade onde vive, que são cometidos verdadeiros suicídios e ações malévolas, sem que o atingido nem se dê conta. Quando não a divulgue, orgulhosamente, como relevante feito.

Impulsionando a ignorância, mantendo o poder

Nossa história está repleta de ações governamentais em favor do obscurantismo, da incapacidade de receber corretas informações e, principalmente, para não aprender a pensar, a ter uma perspectiva crítica.

Observe, caro leitor, na primeira organização do Brasil, então um estado colonial português. Havia responsáveis pelas finanças, pela segurança pública, pela defesa do território, pela administração da colônia, mas ninguém, com responsabilidade de dirigente público, era incumbido de promover a alfabetização e a dotar de conhecimento a população originária, os índios, nem mesmo aqueles que para aqui emigravam, majoritariamente portugueses, ou eram importados como mão de obra escrava, da África.

Quem cuidava da instrução era um agente privado, uma ordem religiosa, que o fazia para difundir sua doutrina, angariar fiéis e colaboradores, e não para ensinar os educandos a observar criticamente o que ocorria naquela terra de múltiplos recursos naturais.

Terra tão boa

“Mas é de grande maravilha haver Deus entregue terra tão boa, tamanho tempo, a gente tão inculta que tão pouco conhece, porque nenhum Deus têm certo, e qualquer que lhes digam ser Deus o acreditam”, escrevia, em 10 de agosto de 1549, ao Dr. Navarro, mestre em Coimbra, seu ex-aluno e chefe dos jesuítas que ao Brasil vieram com Tomé de Souza, o padre Manoel da Nóbrega (1517-1570) (Manoel da Nóbrega, Cartas do Brasil 1549-1560, Publicações da Academia Brasileira de Letras, Officina Industrial Graphica, Rio de Janeiro, 1931).

O Brasil só veio a ter um órgão e um sistema de ensino público, com objetivo de alfabetizar os habitantes desta rica e imensa terra, em 14 de novembro de 1930, com o nome de Ministério da Educação e Saúde Pública, por decisão do Presidente que assumira a direção do Brasil onze dias antes (3 de novembro), vencedor da Revolução civil e militar de 1930, Getúlio Dornelles Vargas (1882-1954).

Vê-se, portanto, a importância que, após 381 anos da primeira estrutura de Estado, a educação ganhava, finalmente, no Brasil. Mas as forças do atraso, do poder financeiro, sempre agiram no sentido de manter nosso País uma colônia exportadora de produtos primários, e atuaram no sentido de minimizar, quando não de destruir, as iniciativas e projetos bem sucedidos de instrução pública, como foi o caso dos Centros Integrados de Educação Pública, os CIEPs.

Darcy Ribeiro

Leiamos do criador do CIEP, o homem público e pensador brasileiro Darcy Ribeiro (1922-1997): “em lugar de ir-se estendendo a todo sistema educacional a nova pedagogia comprovadamente eficaz, que se criou experimentalmente em anos de esforços, o que se pretende fazer é atirar tudo no atraso e no descaso da rede comum, com total desprezo pelo destino de um enorme alunado” (Balanço Crítico de uma Experiência Educacional, in O Novo Livro dos CIEPs, Carta’ nº 15, Senado Federal, Brasília, 1995).

Os CIEPS foram construídos nos Governos Leonel Brizola, no Estado do Rio de Janeiro (março de 1983 a março de 1987 e março de 1991 a abril de 1994), e destruídos pelos governos que lhe seguiram.

Darcy Ribeiro também narra a dificuldade de implantar em Brasília, ainda no período da construção da nova capital do Brasil, uma Universidade exemplar, “caminho de renovação do nosso ensino superior e de desenvolvimento da ciência”. Transcrevo de Darcy Ribeiro, em “O nascimento da UnB”, na Carta’ nº 14, dedicada a “A Invenção da Universidade de Brasília” (Senado Federal, Brasília, 1995): “Terminei por redigir um documento muito divulgado, que englobava uma crítica severa à universidade que tínhamos e a proposição de uma universidade de utopia .... quando fui chamado ao Catete para falar com o Presidente. Ele me disse que tinha sido procurado por Dom Hélder Câmara, que lhe comunicara o propósito que tinha a Companhia de Jesus de criar em Brasília uma universidade jesuítica, sem ônus para o Governo. O Presidente me disse que, entre meu projeto e o jesuítico, ele lavava as mãos”.

A partir daí, Darcy descreve todo esforço que empreendeu para conseguir que Juscelino Kubitschek (1902-1976), em 21 de abril de 1960, enviasse ao Congresso Nacional a mensagem pedindo a criação da Universidade de Brasília e a luta para que esta se tornasse realidade, vindo, finalmente, por Decreto do Presidente João Goulart (1919-1976), a ser seu primeiro Reitor, em 5 de janeiro de 1962.

E, mais do que descaso, há oposição ao ensino no Brasil (escola sem partido?!), que continua no Governo Bolsonaro. Além de um mês sem Ministro (faria falta?) em dois anos e meio, teve-se:

      Ministros                                       Início                              Término

Ricardo Vélez Rodríguez          01 de janeiro de 2019         08 de abril de 2019

Abraham Weintraub                  09 de abril de 2019             19 de junho de 2020

Vago                                          20 de junho de 2020           16 de julho de 2020

Milton Ribeiro                            16 de julho de 2020             atual

Um exemplo de desconhecimento proposital de nós mesmo e de nossa história foi recordado recentemente com o feriado no Estado de São Paulo pela “revolução constitucionalista de 1932” (9 de julho a 2 de outubro).

Ninguém melhor do que Alzira Vargas do Amaral Peixoto (1914-1992), filha e confidente do Presidente Vargas, que viveu aqueles momentos de pressão contra o Brasil, para descrever o que foi aquele movimento ocorrido em parte do Estado paulista.

“A revolução constitucionalista de São Paulo não era nenhuma dessas três coisas. Não era uma revolução. Era uma represália. Não era constitucionalista, pois apenas contribuiu para perturbar a constitucionalização do país. E, por estranho que pareça, também não era paulista. O fermento veio do Rio Grande do Sul e a massa que se servia da juventude e do solo bandeirantes, como campo de batalha, era feita dos grãos de ódio de todos os reacionários, de todos os tempos e de todos os Estados” (Alzira Vargas do Amaral Peixoto, Getúlio Vargas, meu Pai, Editora Globo, RJ, PA, SP, 1960, 2ª edição).

E Alzira explica: “O Rio Grande do Sul nascera lutando e queria continuar lutando .... Borges de Medeiros, que não gostara da Revolução de 1930, aceitou de bom grado a de1932 e fez causa comum com seu maior adversário, Raul Pilla. ... “queremos o Brasil constitucionalizado”. Quem é que disse que não queria?”.

Escreve o jornalista Beto Almeida: “o presidente Getúlio Vargas já havia dado início à reforma das regras eleitorais da República Velha e até fixado data para a eleição de uma nova Assembleia Constituinte, o que de fato veio a ocorrer na data prevista, no ano seguinte” (Beto Almeida, Nove de Julho: a oligarquia paulista comemora sua contrarrevolução, Portal Pátria Latina, 09/07/2021).

Mas a realidade, atrás das cortinas, também nos revela Beto Almeida: “naquele mesmo ano, o governo Getúlio Vargas dera início à realização de uma Auditoria da Dívida Externa, o que contrariou enormemente os credores internacionais, principalmente representados pelos bancos ingleses. O que explica o apoio que os capitais ingleses ofereceram à pseudo Revolução Constitucionalista, que, ao invés de avançar para uma nova Constituição, pretendia o retorno à Constituição anterior, grafada ainda nos tempos imperiais”.

Passemos, então para o exterior. O mundo atual não é aquele da guerra fria, ideológica, que marcou o século passado. O mundo vive sob a pressão do capital financeiro que domina os Estados Unidos da América (EUA), o Reino Unido, parcela expressiva da Europa Continental, sobretudo da zona do euro, e alguns países periféricos, colônias estadunidenses, ou britânicas ou europeias.

Na outra ponta estão a República Popular da China (RPC), a Federação Russa, a República Islâmica do Irã, e os países que participam da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI, da sigla em inglês), que abrange quase toda Ásia, o Oriente Médio, parte da África e alguns países europeus (Itália, Áustria, Hungria, Polônia, Alemanha entre outros).

O que se verifica, principalmente com os efeitos da pandemia que se alastra pelo mundo desde 2019, é o crescente desenvolvimento do mundo euroasiático, sob a liderança da RPC e da Rússia, e a redução das produções e do desenvolvimento científico e tecnológico nos países submetidos ao capital financeiro.

Capital financeiro

Este capital financeiro, após as desregulações nos anos 1980, provocadas pelos governos do Reino Unido e dos EUA, passou a incorporar os capitais das drogas, dos contrabandos de produtos, de pessoas e de órgãos humanos, das corrupções, subornos e outros ilícitos. O capital que denominamos marginal ganha cada vez maior relevância no mundo financeiro, e está estabelecido nos paraísos fiscais que cresceram extraordinariamente, a partir de 1990. Como simples exemplo, dos 50 estados dos EUA, são paraísos fiscais: Dakota do Sul, Delaware, Nevada e Wyoming, que afrouxam as leis locais, permitem a abertura de uma empresa em 15 minutos, não há transparência nos negócios e garantem todo tipo de direitos e isenções tributárias.

O que deseja o capital financeiro é o maior e mais rápido retorno de seu investimento, pouco se interessando com o futuro. Daí a falta de recursos e regressão na quantidade e qualidade de pesquisas científicas, afetando a produção e a qualidade dos produtos.

Mas as finanças têm grande controle das mídias, escondendo as ações da RPC na luta contra a pobreza, o subdesenvolvimento, e, como se manifestou o líder Xi Jin Ping, ao discursar em Beijing, no dia 6 de julho, na reunião de partidos políticos de todo mundo, ao condenar os bloqueios e as sabotagens que atingem as populações e o desenvolvimento dos países que não aceitam a hegemonia e práticas políticas dos executores das ordens das finanças apátridas, sediadas em paraísos fiscais.

Comemorando o centenário do Partido Comunista Chinês (1º de julho), Xi Jin Ping disse que o objetivo do Partido sempre foi tornar feliz a vida dos quase um bilhão e meio de chineses, e esperar que este também seja o objetivo de todos os partidos: fazer felizes os cidadãos de suas pátrias. A China reconhece e apoia as ações nacionalistas, pela independência e autonomia de todos os países, pois foi nesta luta que conseguiu atingir o desenvolvimento social, tecnológico, econômico, sem abrir mão de sua cultura, que desfruta hoje.

É essa a informação que chega ao caro leitor, ou a de que a China é uma potência comunista que deseja dominar o mundo? Ideal explícito do neoliberalismo, das finanças apátridas, que se afirmam globalizante, mundiais.

A China se expandiu pelo mundo asiático, chegou às Américas e ao Oriente Médio, nos séculos XIV e XV, mas não dominou os povos, nem os obrigou a falar sua língua. Já a Inglaterra, veja quantas etnias e idiomas desapareceram e quantos países falam inglês, por terem sido exterminadas suas populações originais.

Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.