Entenda o que levou à demissão de Silvio Almeida: das acusações de assédio sexual à permanência 'insustentável'

Entenda o que levou à demissão de Silvio Almeida: das acusações de assédio sexual à permanência 'insustentável'

Entenda o que levou à demissão de Silvio Almeida: das acusações de assédio sexual à permanência 'insustentável'

A ministra Esther Dweck assumirá temporariamente a pasta de Direitos Humanos

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Silvio Almeida
Silvio Almeida — Foto: Arquivo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva demitiu ontem o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, acusado de assediar sexualmente integrantes do governo. Segundo o Palácio do Planalto, o presidente considerou “insustentável” a permanência do auxiliar ao considerar a natureza da denúncia, que envolve um dos temas caros para o petista e seus aliados mais próximos: a proteção às mulheres. Almeida nega as acusações, que chamou de “ilações absurdas” e disse que provará sua inocência. Essa é a sexta troca ministerial desde o início do mandato.

 

 

A ministra Esther Dweck assumirá temporariamente a pasta de Direitos Humanos, que acumulará com a da Gestão até a definição de um novo titular. O cargo é cobiçado por alas do PT.

A saída de Almeida foi anunciada 24 horas após a organização Me Too Brasil revelar a existência das denúncias, período no qual o governo foi cobrado a tomar uma atitude. Entre as supostas vítimas de Almeida está a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. Lula estava fora de Brasília e pediu para ouvir Almeida antes, o que só ocorreu ontem, quando retornou ao Palácio do Planalto. A demissão, porém, já estava selada.

Mais cedo, ao falar sobre o assunto em entrevista, Lula afirmou que “alguém que pratica assédio não pode ficar no governo”. O presidente, contudo, disse que o auxiliar tem “o direito de se defender”.

— Acho que não é possível a continuidade no governo, porque o governo não vai fazer jus ao seu discurso da defesa das mulheres e da defesa dos direitos humanos, com alguém que esteja sendo acusado de assédio — disse o presidente à Rádio Difusora, de Goiânia.

A conversa no Palácio do Planalto, que durou 45 minutos, foi dura e Almeida chegou a ficar emotivo, segundo relatos de pessoas que acompanharam o encontro. A postura, no entanto, não convenceu nem o presidente nem os ministros que estavam presentes.

'Está demitido'

A Almeida foi sugerida a opção de renunciar. “Você não quer pedir demissão?”, teria perguntado Lula. Ele negou e disse que irá mostrar que está sendo injustiçado. De acordo com os relatos, o presidente então respondeu: “Então você está demitido”.

O agora ex-ministro dos Direitos Humanos também afirmou não ter assediado Anielle e afirmou ao presidente que tinha mensagens e vídeos que comprovariam sua inocência. Neste momento, as ministras Cida Gonçalves (Mulheres) e Esther Dwek, que participaram do encontro no gabinete presidencial, defenderam a colega.

Almeida argumentou ao presidente que a troca de mensagens mostra como Anielle o tratava bem e que, por isso, não houve assédio. Na avaliação de ministros que tiveram acesso ao material, as conversas não são conclusivas sobre a situação.

De acordo com o site Metrópoles, que revelou a denúncia contra Almeida, o então ministro teria tocado na perna de Anielle em uma reunião na Esplanada e dado beijos inapropriados ao cumprimentá-la, além de usar palavras de cunho sexual e baixo calão.

Após anunciar a demissão de Almeida, Lula chamou Anielle no Planalto. Como mostrou o GLOBO, ela havia confirmado mais cedo a ministros ter sido uma das vítimas citadas pelo Me Too Brasil. Ao se pronunciar pela primeira vez após a revelação do caso, a ministra disse, por meio de nota, que "não é aceitável relativizar ou diminuir episódios de violência", que "agir imediatamente é o procedimento correto" e que "contribuirá com as apurações, sempre que acionada".

Antes mesmo da demissão de Almeida, a Polícia Federal abriu um inquérito para investigar as denúncias de violência sexual. Além disso, a Comissão de Ética da Presidência da República iniciou uma apuração e deu dez dias úteis para o agora ex-ministro se explicar.

Em nota divulgada na noite de ontem, Almeida disse ter pedido para ser exonerado a fim de conceder “liberdade e isenção às apurações”. “Sou o maior interessado em provar a minha inocência. Que os fatos sejam postos para que eu possa me defender dentro do processo legal”, disse ele.

Relatos de 2023

Os relatos sobre um suposto caso de assédio sexual envolvendo Almeida já circulavam no gabinete de Lula havia pelo menos um ano. Em meados de 2023, o então titular do Direitos Humanos era citado como um dos nomes que poderiam disputar a indicação do presidente para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), aberta com a aposentadoria, em setembro, da ministra Rosa Weber.

Mas os relatos informais de um suposto caso de assédio sexual envolvendo o ministro chegaram ao gabinete de Lula e foram usados, de acordo com integrantes do primeiro escalão do governo, como argumento para descartar a possibilidade de Almeida ser escolhido para a Corte.

Na entrevista ontem à Rádio Difusora, o presidente disse que ficou sabendo na quinta-feira das denúncias de assédio sexual envolvendo Silvio Almeida. Segundo ministros, porém, os relatos informais das acusações já tinham chegado há algum tempo a Lula e à primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja. Não foi esclarecido, porém, se a própria Anielle contou o caso. Janja publicou nas redes sociais uma foto ao lado da ministra, de quem é amiga, após a história vir à torna.

A Secretaria de Comunicação Social foi questionada, por e-mail e mensagens de WhatsApp, desde a noite de quinta-feira, se Lula sabia das acusações de assédio sexual contra o ministro de Direitos Humanos. Também foi perguntado como, quando e de que forma o caso chegou ao presidente. Não houve resposta. O gabinete de Janja, por sua vez, disse que não comentaria.

Aplausos e inimizades

No fim de 2022, o anúncio de Silvio Almeida como ministro dos Direitos Humanos foi um dos mais exaltados por simpatizantes do governo e especialistas do setor. Logo no seu discurso de posse, o advogado e professor emocionou o público ao destacar o valor de negros, pobres, indígenas, LGBT+ e mulheres para o país, em uma tentativa de marcar posição em contraponto ao governo anterior de Jair Bolsonaro.

Nos meses seguintes, houve apresentação de planos, eventos midiáticos, embates políticos e discursos importantes. Mas, ao mesmo tempo, Almeida sofreu revezes internos e dificuldades para implementar programas. Como mostrou O GLOBO, no primeiro ano de gestão, a pasta, que tinha o quarto menor orçamento da Esplanada, liberou apenas 56% dos R$ 442 milhões reservados para gasto em 2023.

Ele também acumulou inimizades no governo. Uma das principais brigas políticas de Almeida durante sua gestão foi a recriação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, encerrada no governo Bolsonaro. O então ministro defendia a retomada do grupo, mas a resistência nas Forças Armadas impediu o plano no primeiro ano do governo Lula. Há dois meses, após recomendação do MPF, o presidente assinou o decreto que reativava a comissão.

Entre as derrotas internas, Almeida viu pareceres de sua pasta serem ignorados pela Presidência. Um deles defendia a inclusão de “locais de natureza religiosa” no rol de estabelecimentos obrigados a seguir o protocolo do “Não é Não”, de proteção a vítimas de violência doméstica.