Capitalista, Getúlio Vargas não era um populista econômico, diz professor da Ufrgs

Capitalista, Getúlio Vargas não era um populista econômico, diz professor da Ufrgs

Capitalista, Getúlio Vargas não era um populista econômico, diz professor da Ufrgs

Pedro Cézar Dutra Fonseca aponta que Vargas não era um nacionalista radical

Pedro Cézar Dutra Fonseca aponta que Vargas não era um nacionalista radical

Cadinho Andrade/Ufrgs/Divulgação/JC

 

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Juliano TatschEditor-assistente

Os 70 anos da morte de Getúlio Vargas, completados neste dia 24 de agosto, colocam luz sobre uma das figuras históricas mais pesquisadas da história brasileira. Estudioso da Era Vargas, o economista e professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Pedro Cézar Dutra Fonseca concedeu entrevista ao Jornal do Comércio. Ele entende Getúlio como um capitalista que via fundamental importância do papel do Estado na condução da economia. Na visão do doutor em Economia pela Universidade de São Paulo (USP), Vargas era um nacionalista não radical, que buscava jogar o jogo político de modo obter os melhores resultados.

Jornal do Comércio - Muitas pessoas consideram Getúlio o maior homem público da história da República, outros dizem que foi o melhor presidente, alguns, o maior político, e outros mais o consideram um autoritário. Quem foi Getúlio? Qual o tamanho da figura histórica?

Pedro Cézar Dutra Fonseca - De certo modo ele foi as três coisas. Há certo consenso de que foi o presidente mais importante, não só pelo tempo em que ficou no cargo (quase duas décadas), mas pelas transformações que ajudou executar. Quando assumiu a Presidência, em 1930, o país era nitidamente agrário, com quase 80% das exportações centradas no café. Em 1954, ao deixar o cargo, com o suicídio, o Brasil já tinha o maior parque industrial da América Latina e uma economia diversificada, com um mercado interno forte. Foi uma transição muito rápida, quase sem similar no mundo, de passagem de uma sociedade rural para urbana, de agrária para industrial, de exportadora para ter sua dinâmica na demanda interna. Essas transformações exigiram muita habilidade política, algumas vezes em contexto democrático e outras com autoritarismo, como no Estado Novo (1937-1945).

JC - O professor não coaduna com o rótulo de populista dado a Vargas. Poderia explicar sua posição?

Fonseca - A literatura científica faz a distinção entre populismo econômico e populismo político. Vargas não foi populista econômico: mesmo favorável à intervenção estatal, defendia equilíbrio orçamentário e combate à inflação. Depois de governar 15 anos, saiu em 1945 deixando inflação baixa e balanço de pagamentos equilibrado, sem déficit. Essa austeridade vinha da formação positivista. Já do ponto de vista político, há manifestações retóricas que lembram populismo, pois se estava na “Era do Rádio” e dos grandes comícios, mas outras que contrariam: se há uma ditadura que prende a oposição e proíbe manifestações políticas, como no Estado Novo, como falar em populismo, um fenômeno que exige permanentes mobilizações? Posteriormente, quando se prepara para retornar à democracia, cria dois partidos, o PSD e o PTB, para ter maioria parlamentar. Ora, uma das características básicas do populismo político é a personalização do chefe e a negação dos partidos. Ele fez o contrário.

JC - O posicionamento ambíguo de Getúlio quando do início da Segunda Guerra Mundial ainda gera muitas críticas a ele. Há, porém, quem aponte que, ao não tomar partido inicialmente, ele estava apenas atuando em defesa dos interesses nacionais. Como vê esse episódio?

Fonseca - A aparente ambiguidade entendo que era para ganhar tempo e para poder barganhar com os dois blocos, um liderado pelos EUA e outro pela Alemanha. Os dois países eram potências emergentes e com relações econômicas e diplomáticas com o Brasil. O mundo inteiro estava dividido, dentro dos EUA e da Grã-Bretanha havia grandes empresários que defendiam o nazismo. Mas hoje há pesquisas que mostram que ele, já bem cedo, sinalizara nos bastidores que sua preferência era se alinhar com os norte-americanos, impulsionado por Alzira, sua filha do coração. Por exemplo: em 1937, mandou fechar todos os partidos, incluindo o nazista, muito forte nas colônias alemãs do sul do País. Mesmo a diplomacia alemã tendo protestado, não recuou e posteriormente proibiu jornais e rádios em línguas estrangeiras, pois estas faziam propaganda do nazi-fascismo, mesmo depois de o Brasil ter declarado guerra ao Eixo. Era o contexto da época: manifestações pró-americanas na Alemanha e Itália eram também proibidas, consideradas como alinhadas ao liberalismo decadente, ideologia tida como das “raças fracas”, como de judeus, latinos e americanos.

JC - Getúlio foi um homem que esteve no epicentro político nacional em um momento de muita agitação internacional. Assumiu o poder logo após a quebra da Bolsa de 1929, esteve no comando do Brasil durante a ascensão nazista e a guerra na Europa, acompanhou a Revolução Chinesa, e ainda pegou os primeiros anos da Guerra Fria. Como podemos definir a política externa de Vargas?

Fonseca - Em geral a política externa de Vargas oscilou entre uma aliança incondicional com os Estados Unidos, como na época da guerra, abrindo o Nordeste para as bases norte-americanas e enviando tropas à Itália, o único pais da América Latina que fez isso, até uma política mais independente, mais pragmática, como foi em seu governo da década de 1950. O nacionalismo não era radical, pois não pretendia romper com os EUA nem expulsar o capital estrangeiro: ao contrário, reclamava por os EUA não priorizar a América Latina em investimentos no pós-guerra, que se voltaram à reconstrução da Europa e do Japão. Os ânimos se exacerbaram quando os EUA não queriam que se criasse a Petrobras estatal. Mas ele, com apoio civil, militar e de mobilizações populares, não abria mão do controle da prospecção e produção do petróleo. Poderia ser privada, mas nacional. Ele queria inicialmente que empresários privados brasileiros encampassem o projeto; como estes não tinham fôlego nem capacidade para investimento de tal monta, a saída foi uma empresa estatal. Mas essa era o plano “b”.

JC - Podemos dizer que Getúlio era um capitalista?

Fonseca - Pessoalmente, ele era proprietário de terras. Mas a defesa do capitalismo era óbvia. Nunca foi nem mesmo simpático ou “indiferente” com relação ao socialismo ou ao comunismo. Ao contrário de sucessores como João Goulart e Leonel Brizola, nem mesmo reforma agrária defendeu: entendia que o país tinha terras devolutas no Centro-Oeste e no Norte, impunha-se a colonização antes que repartição de terras.