A defesa da Constituição: Brizola e a resistência democrática

Na década de 1960 o Brasil experimentou tortuosos anos e perigosos dias. Os militares continuavam inquietos na caserna à luz de sua colonização psíquica e intelectual pelo império norte-americano em processo radicalizado após a Segunda Guerra Mundial, devido a convivência durante o conflito e aos acordos militares que permitiriam ao oficialato brasileiro frequentar a famigerada Escola das Américas. Instituto do Departamento de Defesa dos Estados Unidos (EUA) fundado em 1946, a Escola das Américas foi o espaço privilegiado para o doutrinamento político e treinamento para a tortura foram práticas usuais

A defesa da Constituição: Brizola e a resistência democrática

A oficialidade militar brasileira recebeu formação à distância da compreensão da realidade do país e das necessidades de sua gente, e se opõem, oceânica e historicamente, dos interesses dos EUA, a propósito do que, como bem recordava Brizola, com singular atualidade, que “o processo capitalista, que se humanizou nos Estados Unidos ainda exerce toda sua antiga crueldade em relação aos países atrasados da América do Sul” (BRIZOLA, 2004a, p. 518), comportamento típico de sua política externa que se expressa reiteradamente nos processos de intervenção na região tanto na esfera política, como econômica e, inclusive, militar.

A política de atrelamento do Brasil aos interesses geopolíticos dos EUA foi naturalizada no interior das Forças Armadas brasileiras (FA) passando a fazer parte do cenário ideológico-político de fundo sobre o qual os militares operaram as suas intervenções na vida política do país. Desde esta perspectiva as FA assistiram ao avanço do discurso antipolítico do então Governador de São Paulo, Jânio Quadros (1917-1992) perpassado por calorosas promessas de combater a corrupção, que redundou em sua ascensão à Presidência do Brasil. Mais uma vez a retórica anticorrupção tão cara à classe média autóctone mostrou o seu poder de sedução junto a população, massa desconectada de caminhos eficientes para interferir e influenciar nos instrumentos de controle do poder, sendo assim mais facilmente suscetível aos discursos que alimentam o esvaziamento da política tão bem encarnado pela retórica anticorrupção, pois carrega de densidade o desvalor da política, avizinhando-a da criminalidade, assim semeando o território para o aventureirismo autoritário tão próprio da antipolítica.

Jânio Quadros ocupou a Presidência entre 31.01.1961 e 25.08.1961, quando ocorreu a sua precoce renúncia, que desencadeou grave crise devido a oposição dos militares em aceitar a solução constitucional, a de que assumisse o Vice-Presidente da República, João Goulart (1919-1976), então em viagem à China. A oposição militar à posse de João Goulart (Jango) encarnada nos Ministros Odílio Denys (Guerra), Sílvio Heck (Marinha) e Grun Möss (Aeronáutica) foi, indubitavelmente, uma ofensa direta à Constituição, à legalidade e, portanto, uma gravíssima ofensa ao povo brasileiro que, de forma inequívoca, havia manifestado a sua vontade política nas urnas com altíssima votação para Jango. Mas por qual motivo os militares mostravam-se tão dispostos a transgredir a ordem jurídica que tem por obrigação de respeitar?

É preciso compreender que os militares foram sendo adestrados ao longo de décadas e familiarizados com a ideia de que são um corpo estranho, e superior, ao povo brasileiro, com ainda maior intensidade quando de sua inserção na Escola das Américas pelas Forças Armadas dos EUA, que inocularam nos militares latino-americanos não apenas o germe do anti-comunismo como de sistemas de bem-estar como o social-democrata, que o continente conhecia através de políticas nacional-desenvolvimentistas gestadas em importantes espaços intelectuais como a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe).

O momento da renúncia de Jânio Quadros em 1961 oportunizou às FA mobilizar os seus juízos ideológicos anti-democráticos, anti-progressistas e lançar à público massivamente o argumento de que Jango compactuava com projetos esquerdistas e que pretenderia impor à sociedade brasileira um regime afinado com o comunismo, do que seria prova o fato de sua visita à China, aleivosia mascaradora da visão de Estado de Jango sobre o grande potencial do país para os produtos brasileiros, especialmente para a área agrícola que tão bem conhecia. Era a visão que agitava a mente do alto oficialato das Forças Armadas e do Departamento de Estado norte-americano, tal como sabemos pelo acesso às gravações das reuniões das administrações John F. Kennedy (1917-1963) e Lyndon B. Johnson (1908-1973). Quando da crise em 1961 as FA defenderam ativamente uma opção claramente subversiva da ordem jurídica e, sob lamento, reconhecemos que não foi ocorrência isolada na história do país.

Jango foi erigido ao posto de eterno inimigo da oligarquia nacional quando na qualidade de Ministro do Trabalho do Presidente Getúlio Vargas decidiu pela concessão de aumento de 100% no valor do salário mínimo que, mesmo sob intensa pressão, Vargas manteve, mas teve de ceder e afastá-lo da pasta ministerial. Jango era herdeiro do trabalhismo varguista e do desenvolvimentismo nacionalista, e teria podido compartilhar com Brizola a ideia deste de que “Qualquer regime democrático só é aceitável e só poderá ser julgado por sua capacidade de realizar o bem-estar coletivo” (BRIZOLA, 2004a, p. 519), algo com o que, paradoxalmente, o nacionalismo militar não pode jamais compactuar. Articulado com a oligarquia nacional historicamente o oficialato das FA desconhece tanto e despreza a gente a quem deveria proteger e, portanto, a própria base de que provém os seus subordinados e, logo, a vontade política que o povo validamente expressa nas urnas.

A cultura da caserna era compatível com ferrenha oposição à posse de Jango, assim como também já pressionara Vargas, e como o faria com quaisquer outros governos que adotassem políticas voltadas a eficiente promoção do desenvolvimento nacional e a melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro, mobilizando recursos econômicos nacionais. Em suma, tratava-se de militares influenciados pela ideologia norte-americana avessa a que políticos de esquerda assumissem o poder na América Latina, sobretudo no Brasil, mas também em outros países como o Chile, bastando com observar o vasto empenho da administração Nixon para evitar o triunfo eleitoral de Allende, que finalmente tendo vencido, deveria evitar-se que governasse e, paralelamente, ir criando as condições para a sua deposição. A preocupação do império era, portanto, evitar que o êxito econômico e social encarnasse uma real opção de sistema político e econômico concorrente com o dos EUA e, por conseguinte, configurar um seríssimo revés para os interesses das grandes corporações dos EUA no continente. Tal era o cenário que inflamava os ânimos de militares brasileiros para impedir a posse de Jango.

A força das armas não havia considerado um decisivo fator político que entraria em ação a partir da manhã do dia 25 de agosto de 1961, quando Leonel Brizola verificou a gravidade da situação pois os militares insistiam em resistir à posse de Jango em face da vacância do cargo gerada pela renúncia de Jânio. Brizola começaria a organizar prontamente a campanha em defesa da posse de Jango, ou seja, pela defesa da legalidade, sem descuidar da articulação da construção das condições materiais para emprestar efetividade à sua vontade política a ponto de equilibrar a correlação de forças, passando a organizar massa da população disposta a brandir as armas em público, ademais de criar cadeia de rádio que percorreu diversas latitudes do interior do RS e também diversas unidades federativas do Brasil. Um dos importantes apoiadores da posse de Jango foi o respeitável Marechal Henrique Teixeira Lott, perseguido e preso logo após a publicação de manifesto endereçado ao povo brasileiro em que defendia Goulart. Paralelamente, no correr dos dias 25 e 26 de agosto de 1961, Brizola articulava com alguns setores militares, dos quais conseguiu apoio, além de também obtê-lo de grande parte da população.

Brizola deparou com radical crise histórica que reclamava a defesa da legalidade constitucional, e soube assumi-la com integridade pessoal e responsabilidade política contra amplos setores das FA, incapazes de aceitar que devem permanecer à parte do jogo político, posto que a função precípua de quem sustenta armas é incompatível com a participação no cenário político. Brizola teve a grandeza política, o desprendimento e a coragem para, literalmente, atrincheirar-se na sede do Governo gaúcho, o Palácio do Piratini, e enfrentar o grande desafio do momento, expondo a sua vida à risco, o que tornou-se pública a ordem para que Brizola fosse morto e a FAB bombardeasse o Palácio, o que finalmente não ocorreu, à diferença da sorte de La Moneda, e de Allende, no Chile em 1973. Sob um mar de riscos Brizola definitivamente inscreveu o seu nome no panteão dedicado aos grandes brasileiros de todos os tempos, enquanto, por outro lado, o nome dos golpistas o fez na obscuridade dos porões em que sobrevive a memória dos vilipendiadores da vontade popular e o sangue dos torturados por regimes de força.

Brizola compreendeu que a essência da política é o enfrentamento, mas não o extermínio do outro, mas também que o embate não pode ser devida e imparcialmente mediado pelas instituições, como se estas fossem destituídas de compromissos e dispusessem de uma força transcendental capaz de impor-se ao mundo das forças políticas concretas. Ciente desta limitação das instituições Brizola reagiu aos militares golpistas de 1961 mobilizando a Brigada Militar (a Polícia Militar gaúcha) ademais de obter importante apoio do General Machado Lopes, então Comandante do III Exército (cf. BRIZOLA, 2004c, p. 505), ao passo em que não descuidava da distribuição de armas para que a população tivesse meios para resistir a possível embate visando garantir a posse de Janto. Em face da penetração da cadeia radiofônica da legalidade todo este processo de resistência foi ganhando simpatia e adeptos por diversas unidades da Federação, tal como foi o caso de Goiás, ademais de importantes setores em outros Estados. Foi então que Brizola aconselhou Jango a voltar para o país: “Desce sem revólver na cintura, como um homem civilizado. Vem como para um País culto e politizado como é o Brasil e não como se viesse para uma republiqueta, onde dominam os caudilhos, as oligarquias que se consideram todo-poderosas”. (BRIZOLA, 2004c, p. 507).

Ilegitimamente operantes no plano político, as FA continuam a arrogar-se no direito de interferir na esfera política, com a pretensão elitista de definir os rumos que apenas o povo tem o direito de determinar através de sua representação, assim terminando por opor-se aos mais comezinhos interesses basilares do povo brasileiro. Brizola não apenas tinha absoluta ciência desta condição como em todos os seus postos de responsabilidade política empregou meios concretos para combater, assim como em sua condição de propagador de ideias, tal como em conferência realizada em 25 de novembro de 1961, quando defendia firmemente a necessidade imperiosa de enfrentar o quadro de exploração do Brasil por parte do império, em que “Homens e mulheres que não encontram oportunidades de vida se vão brutalizando na mais implacável das misérias, açoitados permanentemente pelas necessidades mais essenciais e prementes”. (BRIZOLA, 1979b, p. 157).

A sustentar tal cenário de depauperamento do povo encontravam-se grupos de poder que mostraram publicamente a sua face em seus ataques aos governos de Vargas, Jango e também na crise oriunda da tentativa de bloquear a posse de Juscelino Kubitscheck em 1956. O projeto antidemocrático da oligarquia brasileira contou em todos os momentos com o apoio militar, embora no caso da crise da posse de Juscelino seja positivo destaque o exitoso esforço do digno então Ministro da Guerra, Marechal Lott. Ordinariamente alinhada nos momentos decisivos da história com as forças autoritárias de direita, os militares deixaram transparecer proximidade ideológica com a oligarquia brasileira que manteve indisfarçável ojeriza a tudo quanto significasse a consolidação da social-democracia ou políticas nacional-desenvolvimentistas aptas a elevar a qualidade de vida da massa da população, e neste aspecto o enfrentamento com Brizola foi insalvável, dada a sua defesa constante da elevação da qualidade de vida dos trabalhadores, de seus direitos e de projeto de desenvolvimento nacional soberano. Sob o controle doutrinário norte-americano os militares consolidaram e operaram em conjunto com setores da oligarquia civil para disseminar o mantra anti-comunista atribuído a todos que, como Brizola, Jango, Celso Furtado, Darcy Ribeiro e outros tantos, apresentaram projetos de desenvolvimento nacional.

Foi este o discurso que serviu como elemento unificador das forças oligárquicas em contexto da Guerra Fria. Prontamente a classificação como comunista foi instrumentalizada para interditar qualquer adversário dos interesses do capitalismo, torná-lo inimigo exposto à persecução. O capitalismo norte-americano concebeu a teoria para a proteção dos interesses econômicos e geopolíticos e a transferiu para a caserna brasileira sob a forma da doutrina de segurança nacional. É irrelevante que diversos atores políticos nada mais encarnassem do que a mera defesa de ideais destinados enfrentar e, no limite, apenas paliar, os terríveis efeitos da pobreza e da miséria no Brasil naquela quadra da década de 1960, cujas agruras derivadas da concentração de riquezas já impunha as suas severas consequências.

Um dos países mais desiguais do mundo, o Brasil já então estava equipado com elite coordenada com os interesses do império para interditar a emersão de uma sociedade equipada com instrumentos mínimos capazes de enfrentar a realidade tantas vezes inequívoca e indignadamente descrita por Brizola (1979a, p. 142) como inaceitável, e que não encontrar abordagem eficiente senão através daquela via que lhe parecia ao grupo oligárquico a mais ofensiva possível, a realização de reformas estruturais cujo valor e papel histórico para a transformação do Brasil compartilhava com Jango, e assim expunha que “enganam-se os que imaginam que conseguiremos vencer o círculo vicioso da miséria, realizar reformas de base, alterar nossa estrutura econômico-política interna sem tocar ao processo espoliativo”. (BRIZOLA, 1979a, p. 142).

Brizola tinha clara percepção das riquezas disponíveis no país para viabilizar a implementação de projeto desenvolvimentista orientado ao bem-estar do povo, tomadas como alvo de estratégia de espoliação por parte do império através de diversas armadilhas como as ajudas econômicas concedidas para o “desenvolvimento econômico” dos países subdesenvolvidos mas que internamente operavam como bomba de sucção de riquezas de um país já marcado pela concentração de riquezas em um dos países mais desiguais do mundo. O interesse material e as prementes necessidades do povo brasileiro não sensibilizaram os militares brasileiros no decorrer dos tantos movimentos golpistas que apoiaram, desprezando as virtudes da redistribuição de riquezas realizada por governos social-democratas, permanecendo aferrados ao pretexto ideológico do “comunismo” para impor véu ideológico eficiente para manipular a percepção de mundo dos indivíduos e do conjunto da sociedade. Nesta medida, paulatinamente, os militares foram sendo transformados em meros apêndices da crudelíssima oligarquia brasileira à qual, rigorosamente, não pertencem, mas a qual fielmente serve em sucessivos processos de subversão da ordem democrática.

A mentalidade castrense de animosidade com a democracia e sua base popular é compatível com as pretensões implícitas que alimentam modelo político e econômico que opera em desfavor da massa do povo brasileiro. Brizola (2004b, p. 504) respondeu corajosamente a esta cultura político-militar em 1961 em discurso que desencadeou a campanha da legalidade: “Não pactuaremos com golpes ou violências contra a ordem constitucional e contra as liberdades públicas. Se o atual regime não satisfaz, em muitos de seus aspectos, desejamos é o seu aprimoramento e não sua supressão, o que representaria uma regressão e o obscurantismo”. A defesa da ordem democrática e constitucional é dever maior dos cidadãos, e na quadra que lhe tocou a Brizola viver, este desafio consistiu em defender a posse de empossado vice-presidente nos termos previstos pela Constituição.

Recordar Brizola é atualizar a percepção de que mesmo em seus melhores dias a democracia caminha sob o fio da navalha, que a qualquer momento precisamos dispor mais do que de mera convicção profunda nos valores democráticos, senão que é indispensável estar disposto a intervir positivamente em sua defesa. A disposição para agir é legado de Brizola, conforme conclamou em alocução radiofônica, reconfigurando o espaço de ações dos indivíduos para a operação de resistência organizada nas dependências do Palácio do Governo gaúcho, transformado em “cidadela, que há de ser heróica, uma cidadela da liberdade, dos direitos humanos, uma cidadela da civilização, da ordem jurídica, uma cidadela contra a violência, contra o absolutismo, contra os atos dos senhores, dos prepotentes” (BRIZOLA, 2004c, p. 505), em suma, uma cidadela que foi equipada com material bélico, mas nada teria sido possível sem o empenho daquela gente com quem Brizola havia sido capaz de manter-se conectado e imbuir de profunda crença nos valores e princípios capazes de semear no presente a vida coletiva em mais promissores dias no futuro.

Correram anos no Brasil desde aquela heroica resistência ao empenho golpista e subversivo da ordem constitucional que, lamentavelmente, não foi a última. A defesa da legalidade constitucional é um imperativo para todas as gerações, hoje como o foi antanho, e se antes foi colocado na ordem do dia a defesa da ascensão de governo legítimo, contemporaneamente, temos a defesa de dezenas de milhares de vidas como o valor superior, desrespeitadas às centenas a cada dia, projetando para um horizonte próximo uma vastidão de corpos destituídos de vida pela adoção de políticas eficientes para este resultado que poderá ser classificado como genocida, sempre sob o silêncio ensurdecedor das armas que ancora tal regime.

Os ataques à Constituição são gestados desde as fileiras daqueles que insistem em impingir o tormento do retardo da emasculação da soberania e do retardo do desenvolvimento, orientadas pela estratégia de provocar a ruptura do regime. São reiteradas as tentativas de realizar a transferência das habilidades próprias do campo de batalha para as instituições da vida civil, reorientando o potencial de agressividade e ódio para dimensão política que dele deve permanecer alheio. Desde as fileiras que gestam a subversão da ordem democrático-constitucional são mobilizados os recursos para interditar a caminhada de um povo que aspira afirmar o seu direito à soberania e organização da vida coletiva.

São enfrentadas duas esferas de poder irreconciliáveis por parte daqueles que articulam a destruição da soberania e a sua afirmação, a irresignação autoritária perante a assunção do poder por grupos que afirmam a supremacia popular. Não faltou a Brizola o espírito de resistência para enfrentar poderosos subversivos comprometidos com o solapamento da ordem constitucional, expressando-o com inequívoca clareza em diversos momentos, tal como em pronunciado em 28 de agosto de 1961, quando dizia que “Porque nós não nos submeteremos a nenhum golpe, a nenhuma resolução arbitrária. Não pretendemos nos submeter. Que nos esmaguem! Que nos destruam! Que nos chacinem, neste Palácio! Chacinado estará o Brasil com a imposição de uma ditadura contra a vontade de seu povo” (BRIZOLA, 2004c, p. 506). A irresignação física perante a violência contra a ordem política é a última fronteira para defender o pacto formalizado na forma da Constituição, e impor o dissabor de desluzir a própria vestimenta com sangue é alto preço que a posteridade sempre cobrará.

Resistir à violência como método de subversão da ordem política é empenhar-se na defesa da própria dignidade. Clamar pela arregimentação de forças para defender a ordem arregimentando o povo dentro do território do Palácio do Governo tal como Brizola o fez adquire efeitos devastadores sobre o espírito dos violadores da ordem política que pretendem tomar o poder pela via da força. Sob o cenário próximo da consecução da violência Brizola (2004a, p. 520) pronunciaria conferência em Porto Alegre em 1961 convocando a cidadania com atualidade que a defesa da democracia reclama como sempre e como nunca: “Entendo que precisamos deixar de lado as palavras e passar à ação! Entendo que devemos deixar de nos preocuparmos com o que ocorre lá longe, para nos dedicarmos à nossa realidade. Já e já [...]”, pois é só assim mesmo que podemos forçar a extensão do destino da nação brasileira para além do horizonte apresentado como cristalizado e único possível. A soberana criação da ordem política sob a norma constitucional é o passo inicial para o alargamento do horizonte político e libertário cuja condição de possibilidade é o empenho prático que supõe retomar Brizola e “deixar de lado as palavras e passar à ação!”

Roberto Bueno é Professor Doutor Adjunto IV da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Doutor em Filosofia do Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Filosofia pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestre em Filosofia do Direito e Teoria do Estado (UNIVEM). Especialista em Ciência Política e Direito Constitucional pelo Centro de Estudos Constitucionais de Madrid (CEC). Pós-Doutor em Filosofia do Direito (UNIVEM). Estágio doutoral em Filosofia do Direito no Programa de Doutorado da Faculdade de Direito da Universidade Autônoma de Madrid (UAM) (1992-1994). Graduado em Direito pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL).


BIBLIOGRAFIA

BRIZOLA, Leonel. Palavras à Mocidade do Meu País. (Conferência na cidade de Presidente Prudente, por ocasião da instalação da Junta Acadêmica Regional do Oeste Paulista e Norte-Paranaense, em 25 de novembro de 1961). In: MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. Brizola e o trabalhismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979b. P. 149-174. 204 p.

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_______ . Subdesenvolvimento e processo espoliativo: atraso, pobreza, marginalismo. (Conferência proferida no auditório do Colégio Júlio de Castilhos, Porto Alegre, em 20 de outubro de 1961). In: BRIZOLA, Leonel. Parlamentares gaúchos. Perfil, discursos e testemunhos (1922-2004). Porto Alegre: Assembléia Legislativa do RS, 2004d.

_______ . Exortação de Leonel Brizola pelas emissoras de rádio da “Cadeia da Legalidade”. 28.08.1961. Parlamentares gaúchos. Perfil, discursos e testemunhos (1922-2004). Porto Alegre: Assembléia Legislativa do RS, 2004c.

_______ . Discurso de Leonel Brizola que desencadeou a Campanha da Legalidade. 27.08.1961. Parlamentares gaúchos. Perfil, discursos e testemunhos (1922-2004). Porto Alegre: Assembléia Legislativa do RS, 2004b.

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Por Roberto Bueno