Parceria Rússia-Irã ressignifica o Cáspio, o Volga-Don e o Mar de Azov, por James Onnig

Parceria Rússia-Irã ressignifica o Cáspio, o Volga-Don e o Mar de Azov, por James Onnig

Parceria Rússia-Irã ressignifica o Cáspio, o Volga-Don e o Mar de Azov, por James Onnig

Desde o começo do século XXI, o processo de globalização ressignificou as redes, fluxos e cadeias produtivas do capitalismo internacional.

Observatorio de Geopolitica[email protected]

Parceria Rússia-Irã ressignifica o Cáspio, o Volga-Don e o Mar de Azov

por James Onnig

Na última semana de fevereiro foi realizada a 12ª Conferência sobre o Oriente Médio do Valdai Club, importante think tank que reúne especialistas da área estratégica da Rússia e convidados estrangeiros. Nos últimos dez anos é cada vez maior a participação dos órgãos oficiais russos no conselho da entidade que se transformou em uma fundação mais recentemente.  

   Obviamente, o ambiente de discussões estava influenciado pelo conflito russo-ucraniano. Mesmo assim, alguns temas ganharam relevo geoestratégico para além da guerra e a remota possibilidade de seu fim a curto prazo. Um dos destaques foi a relação russo-iraniana. O assunto está inserido em um contexto maior.

   Desde o começo do século XXI, o processo de globalização ressignificou as redes, fluxos e cadeias produtivas do capitalismo internacional. Uma infinidade de projetos de integração e compartilhamento de infraestruturas surgem ininterruptamente. Alguns deles se materializam gradualmente, outros continuam nas ideias e outros ainda nem mais são discutidos.

   Dos que vão pouco a pouco ganhando contorno se destaca o “Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul” (CITNS ou em inglês INSTC). Pensado desde 2002 pela Rússia, Índia e Irã, o projeto de transporte intermodal visa interligar o Oceano Índico e o Golfo Pérsico, via Irã, com o Mar Cáspio e a Rússia. A meta do megaempreendimento é substituir a tradicional, longa e cara rota entre o Porto de São Petersburgo e Mumbai via Canal de Suez. Reduzir os atuais 17.000 km para algo em torno de 8.000 km utilizando conexões por terra, em especial ferroviais, otimizando o aproveitamento da navegação no Mar Cáspio, fronteira entre Rússia e Irã. Os entusiastas chegam a dizer que seria uma economia de 50% no tempo e 30% nos custos de transporte.

  O fato é que dentro desse “minilateralismo” o ano de 2022 acelerou – e muito – as sinergias entre Irã e Rússia. Certamente as sanções ocidentais contra Moscou e Teerã pesam nesta conjuntura. Porém, é interessante notar que grande parte dos projetos que avançam tem caráter estrutural e de fôlego econômico.

   No começo de maio de 2022 um grande cargueiro russo ancorou no Porto de Noshahr no Cáspio iraniano depois de décadas de ausência deste tipo de embarcação por aquelas paragens. Além disso, ambos os países convergiram seus esforços para a criação de um estaleiro especialmente para essa empreitada que atenda todas as suas especificidades técnicas.

    Calcula-se que existe uma defasagem do número de navios iranianos do Cáspio da ordem de 100% quando comparados com o crescimento do volume do comércio entre os dois países. Nas últimas semanas essa parceria se ampliou com o envio dos primeiros navios russos para conserto nos estaleiros iranianos especializados em solução de avarias na grande frota petroleira daquele país.

   Todo esse processo tem uma peculiaridade. Por ser um mar interior (ou mar fechado) o Cáspio escoa seus navios pelo Rio Don, pelo sudoeste russo até atingir os canais Volga-Don, construídos bravamente ainda na Era Soviética. Quando esses navios chegam no Rio Volga eles rumam diretamente para o Mar de Azov e de lá para o Mar Negro até o Mar Mediterrâneo, ou seja , um mar aberto.

   A tarefa russo-iraniana não é simples, porém está muito longe de ser impossível. Decerto que Moscou e Teerã estão construindo uma alternativa a um ocidente hostil e que se ancora em sanções que pouco colaboram com um ambiente de tranquilidade nas relações internacionais.

   O infrutífero apoio da OTAN (Europa e Estados Unidos) enviando armas para a Ucrânia e de parte da comunidade internacional dando suporte financeiro ao governo Zelensky mostram o pouco interesse na paz duradoura. Longe de ser um exemplo neste sentido, a Rússia e seus parceiros e aliados já estão construindo um arranjo geopolítico para o pós-conflito e que pelas dimensões e interesses só sedimentam suas posições. Kiev e seus aliados que não esperem nenhum recuo de Moscou. Esses acordos com Irã e Índia reforçam os contornos do significado estratégico do Mar de Azov e da Criméia para a Rússia.

James Onnig, geógrafo, foi professor dos preparatórios para o concurso do Itamaraty, autor de coleções didáticas pela Editora FTD e pesquisador do Programa de Mestrado em Economia Política da PUC-SP. Professor de geopolítica do Laboratório de Pesquisa em Relações Internacionais da FACAMP