Morto há 20 anos, Brizola liderou resistência armada e evitou golpe militar em 1961

Morto há 20 anos, Brizola liderou resistência armada e evitou golpe militar em 1961
Leonel Brizola ostentava um currículo político invejável. No Rio Grande do Sul, foi prefeito de Porto Alegre, deputado estadual, deputado federal e governador. No Rio de Janeiro, deputado federal e duas vezes governador.
Ele disputou a Presidência da República em duas ocasiões. Na primeira, ficou em terceiro lugar. Candidatou-se a vice-presidente do país e acabou em segundo lugar. Criou uma agremiação política que existe até hoje, o Partido Democrático Trabalhista (PDT). Brizola fez parte da vida pública brasileira em toda a segunda metade do século 20. O currículo político só não foi mais extenso porque ele, inimigo dos generais que tomaram o poder em 1964, passou os primeiros 15 anos da ditadura militar no exílio. Faz 20 anos que o Brasil perdeu a voz indignada e combativa de Brizola. Vítima de enfarte, ele morreu em 21 de junho de 2004, aos 82 anos de idade. Dos muitos episódios que protagonizou, o que o levou definitivamente aos livros de história foi a Campanha da Legalidade, em 1961. Não fosse essa iniciativa de Brizola, é provável que João Goulart (mais conhecido como Jango) jamais tivesse chegado à Presidência da República. Logo após a renúncia do presidente Jânio Quadros, os três chefes das Forças Armadas decidiram vetar a posse de Jango, o vice, por considerá-lo excessivamente de esquerda e aliado dos comunistas — o mundo vivia o auge da Guerra Fria. Governador gaúcho, Brizola imediatamente deflagrou em Porto Alegre uma reação armada, a Campanha da Legalidade, que garantiu, no fim, o cumprimento da Constituição e a posse do vice, impedindo o golpe de Estado. Documentos da época guardados hoje no Arquivo do Senado, em Brasília, confirmam o papel central de Brizola. Num discurso, o então senador Lima Teixeira (PTB-BA) resumiu: — Leonel Brizola, numa das horas mais difíceis para a nacionalidade, quando estivemos a braços com uma das nossas maiores crises político-militares, deu-nos um exemplo edificante com a sua atitude desassombrada. Só não enveredamos pelo caminho errôneo das soluções extralegais graças a esse ilustre governador. Se ainda hoje continuamos nesta Casa [no Senado], devemos, em grande parte, à atuação de Sua Excelência. O governador Leonel Brizola alertou e preparou o povo riograndense para defender a legalidade, quaisquer que fossem as circunstâncias, se porventura tivéssemos descambado para uma solução que não a democrática. Leonel Brizola era casado com Neusa Goulart, irmã de Jango. Os dois políticos gaúchos pertenciam ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), sigla ligada aos trabalhadores urbanos e aos sindicatos. Diante do veto dos comandantes militares a Jango, Brizola se entrincheirou no Palácio Piratini, sede do governo do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, onde seu principal instrumento foi a voz. De lá, num estúdio de rádio improvisado, fez pronunciamentos transmitidos em todo o Brasil denunciando o golpe de Estado e convocando a população a não permitir a quebra da legalidade. O Arquivo do Senado conserva trechos de um dos discursos radiofônicos: — Povo de Porto Alegre, meus amigos do Rio Grande do Sul! Não desejo sacrificar ninguém, mas venham para a frente deste palácio, numa demonstração de protesto contra essa loucura e esse desatino. Venham. E, se eles quiserem cometer essa chacina, retirem-se, mas eu não me retirarei e aqui ficarei até o fim. Poderei ser esmagado. Poderei ser destruído. Poderei ser morto. Não importa. Ficará o nosso protesto, lavando a honra desta nação. O governador conseguiu o apoio de militares de seu estado e também da população gaúcha, que pegou em armas e se dispôs a enfrentar as tropas federais que tentassem sufocar a resistência. Do comando da Aeronáutica, partiram ordens — não cumpridas — para que o Palácio Piratini fosse bombardeado. Ao fim de uma semana de crise e incerteza, Brizola teve sucesso. Cientes de que o Brasil mergulharia numa guerra civil se o governador continuasse resistindo, os militares resolveram aceitar Jango. Mas com uma condição: que ele, uma vez no Palácio do Planalto, não tivesse plenos poderes. Desejando também evitar um banho de sangue e ao mesmo tempo garantir a posse do vice-presidente, um grupo de políticos liderados pelo mineiro Tancredo Neves articulou a adoção do parlamentarismo no Brasil. Jango seria, sim, presidente, mas a maior parcela do poder ficaria nas mãos de um primeiro-ministro.