Justiça determinou supressão de conteúdo e até inclusão de novos documentos em relatório custodiado pelo Arquivo Nacional

O caso envolve os documentos que mencionam Ney Braga (1917–2000), militar e político paranaense que exerceu diferentes cargos durante o período da ditadura.

Justiça determinou supressão de conteúdo e até inclusão de novos documentos em relatório custodiado pelo Arquivo Nacional

Justiça determinou supressão de conteúdo e até inclusão de novos documentos em relatório custodiado pelo Arquivo Nacional

O caso envolve os documentos que mencionam Ney Braga (1917–2000), militar e político paranaense que exerceu diferentes cargos durante o período da ditadura.

Redação[email protected]

 

Foto arquivo BRDE

Sugestão de José Carlos Faria

do Giro da Arquivo

Justiça determinou supressão de conteúdo e até inclusão de novos documentos em relatório custodiado pelo Arquivo Nacional

A decisão judicial sobre a “anonimização” das menções ao ex-coronel da PM pernambucana, Olinto de Sousa Ferraz, no relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), apurada pelo Giro da Arquivo na última semana, gerou repercussão e repúdio. Além da cobertura de veículos da grande imprensa, o caso levou à publicação de uma nota do Fórum Nacional de Ensino e Pesquisa em Arquivologia (FEPARQ), que manifestou “extrema preocupação” com o ocorrido.

Baseada em uma decisão judicial que despreza a legislação relativa aos arquivos, ao acesso à informação e aos próprios trabalhos da CNV, o apagamento do nome de Olinto de Sousa Ferraz gera preocupação pelo precedente aberto, mas talvez seja só mais um caso do tipo. Depois da publicação da última semana, o Giro da Arquivo apurou que outra decisão oriunda do Judiciário — desta vez de 2017 — determinou a adulteração de documentos custodiados em caráter permanente pelo AN. E o mais grave: a Justiça não apenas decidiu que a instituição deveria suprimir trechos de documentos, como também impôs a inclusão de novas páginas em relatório recolhido meses antes.

O caso envolve os documentos que mencionam Ney Braga (1917–2000), militar e político paranaense que exerceu diferentes cargos durante o período da ditadura. Em 2015, a família de Braga ingressou com uma ação judicial contra a União Federal e o Arquivo Nacional. Na causa, os familiares do político pediram a anexação e indexação de documentos no relatório final da Comissão Estadual da Verdade do Paraná Teresa Urban, recolhido ao AN.

Entre novembro de 2016 e junho de 2019, o Arquivo Nacional foi por diversas vezes chamado a cumprir a decisão de suprimir trechos e inserir documentos ao longo do relatório da Comissão. Como mostram os autos do processo, disponibilizados pelo próprio AN, a instituição tentou cumprir a decisão sem desfigurar o relatório, no intuito de “garantir a integridade e confiabilidade dos documentos sob sua custódia”. No entanto, em 2018, mediante nova intimação e ameaça de multa de R$ 100 mil, o Arquivo cumpriu a sentença.

Além de suprimir um parágrafo inteiro do relatório da Comissão Estadual da Verdade paranaense, o Judiciário determinou que pelo menos 15 documentos fossem insertados em ordem pré-estabelecida no relatório final disponibilizado pelo Sistema de Informações do Arquivo Nacional (SIAN). A decisão judicial — tomada com base em uma interpretação livre do direito de habeas data — exigiu a inserção de documentos que incluem cópias de reportagens de jornal e até de um livro que desmente um dos depoimentos dados à Comissão.

Um dos pontos mais curiosos da decisão é a preocupação do juiz Friedmann Anderson Wendpap, responsável pelo último despacho do caso, em fazer cumprir a determinação no que diz respeito à inserção de documentos “na estrita ordem como determina a sentença” (p. 54).

Como aponta o despacho, a União conseguiu reverter, pelo menos, a decisão de suprimir partes do relatório. A apelação, no entanto, não foi capaz de deter a decisão pela inserção de documentos no dossiê disponibilizado on-line, uma medida grave, que não apenas fere os preceitos basilares da teoria arquivística, como também atenta contra a legislação vigente.

A adulteração de documentos preservados em caráter permanente — feita com a anuência do Judiciário — representa uma das ações de maior gravidade na história da arquivística brasileira. Produtos de processos já concluídos, documentos como os reunidos pelo relatório final da Comissão Estadual da Verdade do Paraná compõem o patrimônio cultural arquivístico brasileiro e, segundo a lei de arquivos, devem ser preservados em sua integridade por seus valores histórico, probatório e informativo. A inserção de novos documentos no relatório — depois de esgotado o prazo de funcionamento da própria Comissão — representa uma clara tentativa de mudar o conteúdo e o contexto dos resultados obtidos pelas investigações.