Futuro governo Lula se equilibra em espinhos para poder governar

Futuro governo Lula se equilibra em espinhos para poder governar

Futuro governo Lula se equilibra em espinhos para poder governar

Rodrigo Lentz


O ensaio da indicação de Múcio Teixeira para o ministério da Defesa que, ao lado da inteligência, são as únicas pastas a atropelar o governo de transição, tem muitos significados.

O primeiro é que confirma a ação coordenada de generais da ativa e da reserva nos atos antidemocráticos em frente aos quartéis. Há uma clara liderança do vice-presidente Hamilton Mourão e do general Eduardo Villas Bôas. Nos bastidores, Augusto Heleno, no Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e Braga Netto, com seu comitê do golpe em Brasília, cuidam do quartel para fora, enquanto os atuais comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica protegem as agitações em frente e dentro dos quartéis, assim como alimentam a mitologia autoritária do poder moderador.

Análise: O desafio da desmilitarização: da transição ao governo

Como toda operação dissuasória, tentam aparentar um poder que não possuem: dar um golpe de Estado. Porém, demonstram a disposição de serem agentes fortes de desestabilização do futuro governo. Mas em troca de quê? Querem a chave do Ministério da Defesa e do Gabinete de Segurança Institucional.

O segundo significado é que o futuro governo Lula está se equilibrando em espinhos para poder governar. Além do empresariado no Congresso Nacional, sofre pressão constante do tal mercado para entregar a chave do ministério da Economia.

Com isso, não é difícil ver o drama do futuro governo: temos força para enfrentar três oposições estratégicas, mantendo a capacidade de governar em condições adversas e sob pressão por resultados econômicos imediatos? Nesta conta, entra a vitória apertada, que mitiga a regra dos 100 primeiros dias: momento certo para um novo governo promover mudanças.

Nessa esquina histórica, tem faltado o povo. Mantida a pressão apenas no andar de cima, enquanto nas ruas há somente uma minoria clamando por golpe, o trabalho democrático fica comprometido.

Parece razoável a leitura de que no primeiro tempo de governo não haveria condições de mudanças estruturais nas relações civis militares. Há um labor anterior, de debater a missão das Forças Armadas, para aí sim mudar a organização dela.

Porém, perder a autoridade com a solução Sarney - nomeando Múcio - será contratar o fim dessa possibilidade e, o que é pior, viver sob constante chantagem institucional. É hora de escolher, pois toda escolha será uma renúncia.

*Rodrigo Lentz é advogado, professor de ciência política da UnB e pesquisador do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.