Fidel no Brasil: 65 anos da primeira viagem do líder da Revolução Cubana
Fidel no Brasil: 65 anos da primeira viagem do líder da Revolução Cubana
Fidel permaneceu uma semana em território brasileiro e realizou um intenso programa em São Paulo, Brasília e Rio
Adolfo Curbelo Castellanos
*Adolfo Curbelo Castellanos é embaixador de Cuba no Brasil
Poucos são os que sabem que a Revolução Cubana ainda não completara quatro meses de vida e o comandante Fidel Castro desembarcava… no Brasil! Sim, no dial 29 de abril se completou 65 anos desde a primeira de 12 viagens ao Brasil do Líder da Revolução Cubana, naquela época o ainda primeiro-ministro Fidel Castro Ruz.
Fidel permaneceu uma semana em território brasileiro e realizou um intenso programa em São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro. Nas reuniões, defendeu a unidade e a integração latino-americanas; enfatizou o status do Brasil como potência e, de forma um tanto profética, suas possibilidades de estimular a criação de um mercado comum que possibilitasse o desenvolvimento econômico do continente.
Em Brasília, na lanchonete futurista concebida pelo gênio de Oscar Niemeyer, ele teve um encontro memorável com o presidente Juscelino Kubitscheck no Palácio da Alvorada. O ar aberto e sorridente entre os dois chefes de Estado que aparece impresso é um retrato fiel da relação cordial que unia os dois países.
No Rio, Fidel apoiou a Operação Pan-Americana proposta pelo presidente JK como um meio de elevar o padrão de vida de todos os latino-americanos e teve uma conversa animada com o vice-presidente João Goulart.
Tendo se tornado uma personalidade reconhecida por grande parte da opinião pública brasileira, Fidel concordou em participar do programa “Esta é a sua vida” - o campeão de audiência da recém-nascida TV Tupi, apresentado pelo popularíssimo Jota Silvestre. O programa semanal, exibido em horário nobre, era um perfil do personagem central - no caso, Fidel Castro - entremeado por cenas de sua vida e perguntas feitas de improviso, ao vivo. Foi com exclusividade para o “Esta é sua vida” que Fidel tornou público um texto em que o escritor norte-americano Ernest Hemingway lhe escreveu: “Tenho grande confiança na revolução de Castro porque ela tem o apoio do povo cubano. Acredito em sua causa, Cuba tem sido boa para mim (...) Vivi e trabalhei ali”.
Em 7 de maio de 1959, antes de partir para sua viagem de volta, Fidel participou de um comício público organizado pela aguerrida UNE - União Nacional dos Estudantes. Aí também se deu um fato inusitado. Semanas antes, o presidente dos Estados Unidos, Dwight Eisenhower, havia feito uma visita oficial ao Brasil. Para encher os olhos do visitante, a embaixada dos EUA colocou em centenas de postes no Rio de Janeiro cartazes com a foto do visitante e o título: “WE LIKE IKE” (“Nós gostamos de Eisenhower”). Ao chegar ao histórico campus da UNE, na Praia do Flamengo, o Comandante-em-Chefe se deparou com uma gigantesca faixa pintada pelos estudantes com o rosto gigante do líder cubano e a frase: “WE LIKE FIDEL” (“NÓS GOSTAMOS DE FIDEL!”).
Em apenas uma semana, ele havia dado várias entrevistas à imprensa, das quais participaram centenas de jornalistas, uma expressão do interesse suscitado pela nascente Revolução Cubana e seu líder.
Fidel viajou ao Brasil em outras 11 ocasiões. Reuniu-se com os presidentes José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Participou da Cúpula da Terra/ Rio +20 (Rio, 1992) e da Cúpula Ibero-Americana (Salvador, 1993). Teve inúmeros intercâmbios com a mídia, incluindo uma entrevista com Marília Gabriela (no programa “Cara a Cara” da TV Bandeirantes) e sua participação no programa “Roda Viva” da TV Cultura de São Paulo. Em várias ocasiões, conversou com Roberto Marinho, presidente das Organizações Globo.
Se reuniu com líderes políticos proeminentes de diferentes tendências políticas, incluindo o deputado Ulysses Guimarães, presidente do MDB - Movimento Democrático Brasileiro, Leonel Brizola, presidente do Partido Democrático Trabalhista, João Amazonas, presidente do PC do B, Roberto Amaral, presidente do PSB. Em todas as suas visitas ao Brasil, ele se reuniu com Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Partido dos Trabalhadores. Se reuniu com os governadores de todos os estados que visitou: o governador de Pernambuco, Miguel Arraes; de São Paulo, Orestes Quércia; do Rio de Janeiro, Wellington Moreira Franco e Anthony Garotinho; da Bahia, Antonio Carlos Magalhães; e de Minas Gerais, Eduardo Azeredo.
Em 1990, ele se reuniu com cerca de 100 líderes de nove partidos e movimentos de esquerda e duas centrais sindicais no Centro de Convenções Anhembi. Na ocasião, cumprimentou Adão Pretto, então Deputado Estadual e membro da Diretoria Nacional do MST. Em 1992, durante o encontro com o governador Leonel Brizola, foi assinado um acordo de cooperação e transferência de tecnologia que permitiu oferecer tratamento a 6,5 mil crianças brasileiras afetadas pela contaminação radioativa do Césio 137. Naquele mesmo ano, encontrou-se com Terezinha Nunes, vítima do acidente radioativo em Goiânia.
Em 1990, trocou experiências com Luiza Erundina, prefeita de São Paulo, e Eduardo Suplicy, presidente da Câmara dos Vereadores da cidade. Em 1993, durante uma reunião com a prefeita de Salvador, Lídice da Mata, ele prometeu ajuda para crianças sem escolas e trocou opiniões sobre as contribuições que Salvador poderia fazer a Cuba no campo da biotecnologia.
Uma clara expressão de seu interesse e respeito pela religião é a visita que fez à sede da CNBB - Conferência Nacional de Bispos do Brasil - em 1990, quando se reuniu com mais de 1,3 mil religiosos e militantes das CEBs - Comunidades Eclesiais de Base - de vários estados brasileiros. A reunião foi presidida, entre outros, pelo padre franciscano Leonardo Boff, um dos mais importantes teólogos da América Latina, e por Frei Betto, promotor de comunidades cristãs com quem o líder da Revolução Cubana se reuniu em repetidas ocasiões.
O líder revolucionário demonstrou seu interesse em promover um relacionamento profundo com a intelectualidade e expoentes das mais variadas expressões e manifestações artísticas. Prova disso é o encontro que teve no Memorial da América Latina com o arquiteto Oscar Niemeyer, o antropólogo Darcy Ribeiro e o escritor Fernando Morais, responsáveis pela concepção do Memorial, bem como sua participação na cerimônia de condecoração do antropólogo e indigenista Orlando Villas Boas.
Na viagem de 1990, houve um importante encontro com intelectuais, do qual participaram, além do Comandante, os cubanos Abel Prieto e Roberto Fernández Retamar, enquanto Antonio Callado, Chico Buarque de Holanda e Fernando Morais, entre outros, representaram o Brasil. Na ocasião, o escritor Callado leu uma mensagem de apoio de intelectuais a Fidel, assinada por 300 criadores, artistas e cientistas brasileiros. Durante o encontro, Fidel disse: “Se a Revolução fosse derrotada em Cuba, a independência de nosso país desapareceria. Revolução, independência e soberania são inseparáveis em Cuba”.
O Comandante também favoreceu, em seu encontro, o estabelecimento de um vínculo sólido e estável com o setor de ciência, inovação e tecnologia. Em uma visita à Fundação Osvaldo Cruz - conhecida como Fiocruz ou Manguinhos -, defendeu a necessidade de colaboração, integração e a realização de esforços e projetos comuns em prol do desenvolvimento de nossos países.
Sua atuação no Brasil não deixou de lado a promoção das relações econômicas e comerciais. Suas reuniões com empresários, organizadas pela Câmara de Comércio Brasil-Cuba no Centro de Convenções do Anhembi, e seu encontro com Albano Franco, presidente da Confederação Nacional das Indústrias do Brasil, são bem lembrados.
Premonitório foi seu discurso na Cúpula da Terra em 1992, quando, se antecipando aos desafios que enfrentamos hoje como resultado das mudanças climáticas, ele disse: “Uma importante espécie biológica corre o risco de desaparecer [...]: o homem. Peço aos países desenvolvidos que mudem seu comportamento consumista, a principal causa histórica da degradação ambiental. A solução não pode ser impedir o desenvolvimento daqueles que mais precisam [...] Chega de transferir para o Terceiro Mundo estilos de vida e hábitos de consumo que arruínam o meio ambiente [...] Que se aplique uma ordem internacional justa [...] Que se utilize toda a ciência necessária para o desenvolvimento sem contaminação [...] Que desapareça a fome, não o homem”.
Durante a Primeira Cúpula União Europeia-América Latina, realizada no Rio de Janeiro em 1999, Fidel disse aos chefes de Estado presentes: “Defenderemos a soberania como algo sagrado enquanto houver alguns muito poderosos e outros muito fracos; enquanto todos não estiverem dispostos a renunciar a ela em nome de uma soberania mais universal [...] É urgente demolir o sistema financeiro estabelecido até suas fundações e criar outro verdadeiramente honesto, democrático, equitativo e humano que ajude a erradicar a pobreza e a salvar o mundo [...] Estamos dispostos a receber da Europa cooperação sem condições e uma solidariedade com liberdade.”
Naquela ocasião, o Jornal do Brasil publicou que “latino-americanos e alguns europeus chegaram a um consenso: o sistema financeiro mundial precisa de reformas e mecanismos de controle”. O Jornal de Comércio declarou: “O atual sistema econômico envelheceu e precisa ser reformado urgentemente.”
Também em 1999, em um dia emocionante no Museu de Arte Contemporânea de Niterói, ele recebeu a medalha Araribóia do arquiteto Oscar Niemeyer em memória do líder de um povo nativo que se opôs à ocupação estrangeira. Em 2003, retornou a Brasília para o que seria sua última visita ao país, para assistir à primeira posse do presidente Luis Inácio Lula da Silva.
Durante suas visitas ao Brasil, trabalhou incansavelmente em favor da aproximação entre os países latino-americanos, defendeu incansavelmente a justiça e contribuiu decisivamente para o desenvolvimento e o fortalecimento dos laços entre Brasil e Cuba em uma ampla gama de campos.
Passadas seis décadas, as sementes plantadas por Fidel em doze viagens históricas ao Brasil já estão dando flores e frutos.
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Lucas Estanislau