Fazenda onde Salles humilhou camponesas está em penhora e tem histórico de desmatamento

Fazenda onde Salles humilhou camponesas está em penhora e tem histórico de desmatamento

Fazenda onde Salles humilhou camponesas está em penhora e tem histórico de desmatamento

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Ex-ministro intimidou acampadas da FNL durante diligência da CPI do MST no Pontal do Paranapanema (SP); mulher que acompanhava deputado perdeu posse efetiva do imóvel por não  quitar contrato de compra; dono de fato foi condenado por desmatamento ilegal

Por Katarina Moraes e Tonsk Fialho

Ricardo Salles e ruralistas da CPI do MST inspecionam fazenda ocupada em Rosana (SP). (Foto: Dep. Lucas Bove)

Na última segunda-feira (29), os moradores do acampamento Nelson Mandela, no município de Rosana (SP), foram surpreendidos pela chegada de uma comitiva de deputados federais, membros da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Liderado pelo relator Ricardo Salles (PL-SP), o grupo viajou à região do Pontal do Paranapanema para realizar diligências em ocupações da Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL), um dos alvos do projeto de criminalização pretendida pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).

O acampamento visitado por Salles foi instalado sobre a Fazenda Santa Mônica, que é alvo de disputas judiciais, está em penhora e tem um histórico de desmatamento sobre área de reserva. O ex-ministro do Meio Ambiente realizou a diligência acompanhado da dita proprietária da fazenda, a professora Maria Nancy Giuliangeli, de Sertanópolis (PR).

Um vídeo compartilhado nas redes sociais mostra o momento em que os dois intimidam três camponesas ligadas à FNL. As três mulheres estão trabalhando — aparentemente debulhando feijões — quando Maria e Salles se aproximam. O parlamentar as apresenta à fazendeira. “Vocês queriam saber quem era a proprietária, tá aqui”, disse Salles. “A terra, como a gente comentou, tem dono”.

As camponesas afirmam nunca tê-la visto, apenas o ex-marido dela, Valdemar Dorigon, e que tudo estava abandonado quando chegaram. Maria, então, nega a informação e diz que não pôde mais entrar no local desde 2020, quando a área foi ocupada. Por fim, a fazendeira ameaça: “Tem dono aqui, tá. Vai juntando a malinha que aqui vocês não vão ficar”.

 

Composta por 32 municípios, a região do Pontal do Paranapanema foi alvo de intensos conflitos fundiários, tornando-se um dos principais símbolos da reforma agrária no país. Segundo o MST, há hoje 117 assentamentos nesta zona rural, com 6.627 famílias, divididas em 147.857 hectares.

No último ano, o governador do estado de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), sancionou um projeto de lei do ex-governador João Doria para privatizar terras públicas estaduais no Pontal por meio da imposição compulsória da Titulação de Domínio (TD). O apoio a Doria é constante no perfil de Giuliangeli no Facebook, também marcado por diversas críticas ao MST.

IMÓVEL OCUPADO PELA FNL É ALVO DE BRIGA JUDICIAL

De Olho nos Ruralistas analisou os registros do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a matrícula imobiliária da propriedade para conferir se a afirmação de Maria Nancy Giuliangeli, de que seria a proprietária da Fazenda Santa Mônica, estava correta. Em todos os documentos fundiários, o imóvel está registrado em nome de Pedro Julião Freire Lemos e suas filhas Juliana, Luciana e Fernanda Grandi Lemos.

Os 495 hectares da fazenda foram vendidos para Maria Nancy e seu ex-marido Valdemar Dorigon em 2004 por R$ 2,4 milhões, mas a transferência definitiva, que deveria ter sido realizada dois anos depois, jamais foi concluída. Segundo o processo judicial, que tramita no Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), ficou pendente o pagamento de R$ 469 mil. De acordo com um depoimento dela à Polícia Civil do Paraná, em 2016, o motivo para não ter quitado a compra foi “devido à estiagem”.

Pedro Julião entrou na Justiça e ganhou uma liminar para reintegração de posse, voltando à fazenda onde, ainda de acordo com o depoimento, estavam todos os pertences dela. Em 2014, foi a vez de Valdemar ganhar uma ação de reintegração, obrigando Pedro a se retirar novamente. Foi durante esse período de quase uma década em que o imóvel esteve desocupado que a FNL instalou o acampamento Nelson Mandela.

No dia 02 de março deste ano, a juíza Kléia Bortolotti, da 7ª Vara Cível da Comarca da Região Metropolitana de Londrina, determinou a penhora da fazenda.

Mesmo sem ter a posse efetiva da terra, Maria Nancy impetrou, em 2021, uma ação de reintegração de posse contra a FNL. A Comarca de Rosana do Tribunal de Justiça de São Paulo (SP) chegou a determinar a desintrusão da área, porém o mandado foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Acampamento Nelson Mandela, em Rosana (SP). (Foto: FNL)

DONO DA FAZENDA DESMATA EM SÃO PAULO E NO MATO GROSSO

A Fazenda Santa Mônica foi alvo de ações civis públicas ambientais do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) por irregularidades no registro e constatação de desmatamento em área de proteção ambiental. Com as terras ainda no nome dos antigos donos, foi celebrado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em 2009 para que o imóvel fosse regularizado.

Imagem de satélite mostra desmatamento de Pedro Julião em Araguaiana (MT). (Imagem: Mighty Earth)

Em 2017, o órgão realizou vistorias no imóvel e constatou que houve intervenções irregulares no entorno de nascentes para preparo do solo para cultivo agrícola, além de desflorestamento em grande parte de seu território. Verificou-se ainda que a inscrição da fazenda no Cadastro Ambiental Rural (CAR) afirmava que a reserva legal abrangia somente 4,39% da área total do imóvel, quando o mínimo legal é de 20%.

Com isso, o juiz Danniel Adriano Araldi Martins, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), determinou a retificação da inscrição da fazenda junto ao CAR e vetou qualquer nova intervenção na área de preservação até que fosse apresentado um projeto de recomposição ambiental de todas as áreas de preservação permanente, com cronogramas para a restauração e a abstenção de exploração na área.

Prática semelhante já foi identificada em outra propriedade de Pedro Julião, um tradicional fazendeiro da região e sócio de empresas de engenharia e energia no Centro-Oeste. A Fazenda Lago do Marrecão, em Araguaiana (MT), teve cerca de 411 hectares de Cerrado nativo desmatados dentro da área de Reserva Legal entre 15 de junho e 8 de setembro de 2019.

A informação consta em relatório da ONG estadunidense Mighty Earth. Segundo o documento, o desflorestamento atingiu 9% da propriedade durante esse período. Na Fazenda Lago do Marrecão, Pedro Julião cria gado, que é fornecido para um abatedouro da JBS em Barra do Garças (MT).

Foto principal (Divulgação): Salles concede coletiva de imprensa durante diligência no acampamento Nelson Mandela, da FNL

Katarina Moraes é repórter do De Olho nos Ruralistas. |

||  Tonsk Fialho é estudante de Direito na UFRJ e pesquisador, com foco em sindicatos e movimentos sociais. ||

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