E agora, Nabuco?

E agora, Nabuco?

EDITORIAL

E agora, Nabuco?

A Segunda Abolição requer um pacto pela justiça social

 

Por Cristovam Buarque 

 

Cristovam Buarque.jpg - Foto: Ilustração/O Tempo

— Foto: Ilustração/O Tempo

 

Faz 135 anos que o deputado pernambucano Joaquim Nabuco, da janela do Paço Imperial, gritou para a multidão: “Não há mais escravos no Brasil”. Na sala ao lado, a princesa regente sancionava a Lei Áurea, aprovada na Câmara e no Senado, depois de dez dias de debates parlamentares.

Tudo indicava que haviam chegado ao fim 350 anos do mais brutal sistema social adotado pela humanidade: a escravidão industrial, que trouxe mais de 4 milhões de africanos e produziu um número desconhecido de escravos nascidos no território brasileiro, sujeitos a todo tipo de maus-tratos e exploração.

Eufóricos com o fim da escravidão, os abolicionistas não imaginavam que atravessaríamos dois séculos com pessoas em condições servis. Não mais vendidas e compradas, porque os escravos de hoje estão nas esquinas e se submetem a esses trabalhos como forma de subsistir. Nabuco e outros alertaram que, sem distribuição de terra e escolas, a Abolição não estaria completa, mas não imaginavam o quadro de pobreza e consequente escravidão que ainda temos.

Os escravos já não vêm da África, não são capturados, amarrados ou vendidos. Eles são fabricados pela negação de escola com qualidade, que os joga na pobreza. Todos os libertados do trabalho servil de hoje são analfabetos ou têm baixíssimo nível educacional, por falta de escola: sem matrículas ou frequentando “escolas negreiras”, que levam à escravidão, como faziam os navios da época. Nos 135 anos desde a Abolição, “escolas negreiras” conduziram mais candidatos à escravidão do que os navios negreiros por 350 anos. E sem que um Castro Alves moderno cante o sofrimento de um analfabeto.

A realidade seria completamente diferente se, além do art. 1º (É declarada extinta, desde a data desta Lei, a escravidão no Brasil), a Lei Áurea tivesse mais um artigo: art. 2º - Fica estabelecido um Sistema Único Nacional Público de Educação de Base em todo o território brasileiro, com professores bem-remunerados, bem-formados, que sejam bem selecionados, comprometidos e avaliados, todos em uma mesma carreira federal; com escolas em prédios bonitos e confortáveis; com todas as crianças em horário integral, respeitando o itinerário escolhido pelo aluno.

Diferentemente da Lei Áurea, que depois de décadas de luta foi assinada e entrou em vigor com uma assinatura, a Segunda Abolição requer implantação ao longo de décadas, graças a um pacto entre os brasileiros, graças ao que Nabuco chamou de “instinto nacional” pelo progresso econômico e justiça social. Esta é a tarefa que Nabuco e todos os guerreiros contra a escravidão, desde Zumbi dos Palmares, nos deixaram: a construção de um Sistema Único Nacional Público de Educação de Base.

Cristovam Buarque é Professor emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação