'Dos pesos, dos medidas'

'Dos pesos, dos medidas'
Esta é a primeira edição do boletim Venezuela Em Pauta, que oferece curadoria de notícias, análises e sugestões culturais para ampliar o debate sobre a realidade venezuelana. Acompanhe!
A Venezuela permanece como um ator central no cenário latino-americano e global, mesmo após anos de crise e sanções. Com 28 milhões de habitantes e dona das maiores reservas de petróleo comprovadas do mundo, o país segue no epicentro de disputas geopolíticas e narrativas antagônicas. Enquanto a mídia ocidental trata o presidente Nicolás Maduro como um "ditador", figuras como Benjamin Netanyahu – acusado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) de crimes contra a humanidade – são amplamente recebidos como estadistas democráticos.
Foto: Prensa Presidencial Venezuelana
Em janeiro, Maduro assumiu seu terceiro mandato, que vai até 2031, no Palácio de Miraflores. Como era previsível, o pleito foi marcado por controvérsias. O que chamou atenção, porém, foi a postura do Brasil. O Itamaraty, que historicamente manteve diálogo com o chavismo, optou por não reconhecer a reeleição de Maduro em julho de 2024, exigindo novas eleições. Curiosamente, a mesma exigência não se aplicou ao Equador, onde o direitista Daniel Noboa assumiu a presidência em meio a denúncias de irregularidades.
No âmbito do Brics, o Brasil bloqueou a entrada da Venezuela no bloco, enfraquecendo a integração regional. A decisão contrasta com a tradição diplomática brasileira de defender a autodeterminação dos povos – princípio que, aparentemente, não se aplica a Caracas. Como questionou o jornalista Breno Altman, por que o Itamaraty não adota o mesmo rigor com a Arábia Saudita (uma monarquia absoluta), a Ucrânia (onde Zelensky governa sem eleições desde 2022) ou a França (onde Macron ignorou resultados legislativos)?
Em entrevista do início deste ano, Maduro rebateu as acusações de fraude.
"Temos sido acusados, desde o início da Revolução Bolivariana, de algo impossível de fazer. A Venezuela construiu um sistema eleitoral absolutamente auditável. Digam-me: em que parte do mundo existe um sistema eleitoral que é auditado 15 vezes? 15 auditorias! Nosso povo sabe, as instituições sabem, o Supremo Tribunal de Justiça fez uma avaliação tremenda do processo e ficou demonstrado, tal como nas 31 eleições anteriores que realizamos, que se trata de um processo em que prevaleceu a soberania popular".
Mas Maduro, que sempre esteve ao lado do petismo no Brasil, repudiando o golpe contra Dilma e a prisão de Lula, não guarda mágoas do mandatário brasileiro. Diz que com o Brasil “não há e nem haverá crise". O que existe, segundo ele, são divergências entre os ministérios das relações exteriores daqui e de lá.
Foto: Ricardo Stuckert/PR
Enquanto Brasília esfria laços com Caracas, movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ampliam a cooperação e a solidariedade. Em abril, o movimento anunciou um projeto agroflorestal em 180 mil hectares no sul da Venezuela, região de Vergareña, fortalecendo a segurança alimentar local.
Já a China continua aprofundando sua aliança estratégica com o país, fechando novos acordos energéticos para contornar as sanções ocidentais.
A Venezuela segue desafiando as narrativas hegemônicas enquanto busca garantir sua soberania em um cenário internacional cada vez mais conservador. As contradições nas relações diplomáticas – onde o Brasil age com dois pesos e duas medidas, a China avança em cooperação estratégica e os movimentos sociais tecem solidariedade além das fronteiras governamentais – revelam que o tabuleiro geopolítico é mais complexo que a simples dicotomia 'democracia versus ditadura'.
Enquanto isso, Maduro mantém sua posição, sustentado por um sistema eleitoral que, independentemente das críticas externas, segue sendo reconhecido como legítimo por parte significativa da população venezuelana. Resta saber até que ponto o isolamento seletivo imposto por alguns países conseguirá alterar esta equação, ou se servirá apenas para aprofundar a dependência de alianças alternativas no eixo Sul-Sul.
O país vizinho se prepara agora para as eleições regionais de 25 de maio, quando escolherá novos governadores e deputados. Acompanharemos de perto esses desdobramentos, convidando imprensa e público interessado a se unir a essa cobertura especial.