Após exumação, versão sobre a morte de João Goulart pode ser revista
Comissão Nacional da Verdade investiga nova versão sobre morte do ex-presidente Jango; envenenamento pode ter causado a morte em 1976
A versão sobre a morte do ex-presidente João Goulart, deposto com o golpe militar de 1964, pode ser revista, após 37 anos. Este ano, a pedido da família, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) iniciou uma investigação sobre a causa da morte do ex-presidente. A versão oficial diz que Jango, como era chamado, morreu de ataque cardíaco, mas para os familiares ele foi envenenado no período da ditadura militar, na chamada Operação Condor.
Jango governou o país de 1961 a 1964, quando foi deposto pelo golpe militar. Após o golpe, ele se exilou com a família no Uruguai e, depois, na Argentina, onde morreu, no dia 6 de dezembro de 1976 em Mercedes, cidade do Norte do país. A partir de março de 2013, quando foi anunciada a investigação, a CNV começou a reunir documentos que mostram que Goulart era constantemente vigiado pela ditadura.
Para a família, Jango foi vítima de envenenamento, como parte da Operação Condor, ação coordenada entre os regimes militares de países sul-americanos contra seus opositores.
Além da documentação, a versão da família se baseia no depoimento de Mario Neira Barreiro, um uruguaio que atuou na repressão militar em seu país. Em 2006, ele declarou à Polícia Federal que o ex-presidente foi envenenado tendo seus comprimidos, que tomava por causa de um problema cardíaco, trocados. Mario disse ainda que atuou com o apoio da CIA, o Serviço de Inteligência Americano, e do delegado Sergio Fleury, então chefe do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de São Paulo. 'Foi uma operação muito prolongada e a gente não sabia que teria como objetivo a morte do presidente João Goulart', relatou.
 
 
Em maio, foi anunciada a exumação dos restos mortais para serem periciados. O trabalho, feito em novembro envolveu, além da CNV, o Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul, a Secretaria de Direitos Humanos e a Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.
A exumação foi um dos trabalhos mais importantes feitos pela CNV em 2013. A equipe de peritos de diversas disciplinas forenses, coordenada pelo Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal, contou com o apoio de técnicos argentinos e uruguaios e da Cruz Vermelha Internacional que, com o conhecimento adquirido em casos como o da exumação dos restos mortais do ex-presidente chileno Salvador Allende, exerceram a função de peritos independentes.
Após terem sido exumados, os restos mortais estão sendo submetidos a exame antropológico, como medição de ossada, tomografia e radiografia, e de DNA, para confirmação de identidade. As amostras de cabelos, ossos e tecidos também passarão por exame toxicológico, com o objetivo é verificar a hipótese de morte por envenenamento.
Os peritos procuram traços de remédios que eram usados por Jango, além de substâncias que podem levar à morte. As amostras serão enviadas para laboratórios no exterior, que já foram definidos, mas que não serão divulgados para não comprometer os resultados e a transparência do processo.
O estado em que o corpo foi encontrado surpreendeu os legistas da CNV e, na prática, segundo os peritos, isso deve colaborar para um resultado mais preciso dos exames.
Embora a exumação tenha surpreendido os peritos, o resultado dos exames poderá não ser conclusivo, devido ao grande espaço de tempo entre a morte e a exumação.
A expectativa da comissão e dos parentes de Goulart é que os resultados sejam entregues no fim do primeiro semestre do ano que vem. Segundo a portaria que criou o grupo de trabalho para conduzir o processo, as atividades serão encerradas após a entrega do laudo oficial conclusivo das atividades periciais à ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos, e à Comissão Nacional da Verdade.
Após exumação de restos mortais, Jango é homenageado em Brasília
 
14 de novembro - Dilma entrega bandeira do Brasil à viúva de João Goulart, Maria Teresa Goulart, durante cerimônia em homenagem ao ex-presidente
Foto: Beto Nociti / Futura Press
Agência Brasil


MORTE DE JOÃO GOULART
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Morre o ex-presidente João Goulart, em dezembro de 1976, durante exílio na Argentina.
Denúncias

Em 1982, uma denúncia levou a Justiça da Argentina a pedir a exumação do corpo de João Goulart. A acusação partiu de Enrique Foch Díaz, conhecido do ex-presidente, que acusava o antigo sócio de Jango e ex-governador de Brasília, Ivo Magalhães, e o administrador do escritório argentino de João Goulart e ex-deputado, Cláudio Braga, de participação na morte. Díaz afirmava que Jango havia sido envenenado com sarin, uma substância tóxica, para que os dois ficassem com seus bens.

No Jornal Nacional de 21 de agosto de 1982, João Vicente Goulart, filho de Jango, foi entrevistado sobre a decisão da família de não autorizar a exumação do corpo do pai.

As teses de Enrique Foch Díaz foram descartadas e o livro que ele escreveu sobre o caso, recolhido. O juiz responsável arquivou o caso por falta de provas e Díaz foi processado por Cláudio Braga e sentenciado a sete meses de prisão em 2002.
 
 

A segunda vida de João Goulart

 

A segunda vida de João Goulart

A ressurreição de Goulart, que nada tem de religiosa ou mística, atualiza a indagação sobre a colaboração da CIA e do Departamento de Estado em sua queda.

Por Dario Pignoti, na Carta Maior. Tradução de Liborio Junior.

Os restos do ex-presidente João Goulart começaram a ser exumados nesta quarta-feira (14) em sua cidade natal, São Borja, 37 anos depois de sua morte no exílio, quando estava na mira da Operação Condor, como prova uma vasta documentação que circulou secretamente entre os agentes da repressão e diplomatas em cumplicidade para vigiá-lo e, eventualmente, caçá-lo no Brasil, na Argentina e no Uruguai.

A presidenta Dilma Rousseff, que receberá nesta quinta-feira (14) o corpo de João Jango Goulart com honras de Estado, em Brasília, enviou à São Borja seus ministros Maria do Rosário Nunes, Direitos Humanos e José Eduardo Cardozo, Justiça, para rubricar o apoio do governo e dar a dimensão política de um acontecimento que transcende a conjuntura.

“Começamos pela perfuração das paredes do jazigo e da cúpula para fazer a extração de gases tóxicos. Isso leva uma hora de trabalho. Procuramos gases de três famílias toxicológicas e também as substâncias (usadas) historicamente pela Operação Condor”, declarou o doutor Jorge González Pérez, titular do curso de ciências médicas da Universidade de La Habana.

Junto aos especialistas estrangeiros, entre os quais há um grupo de argentinos e uruguaios, estava o médico João Marcelo Goulart, graduado em Cuba e neto do ex-presidente.

O cubano Fernández Pérez, perito de parte da família Goulart, e Amaury de Souza Junior, da Divisão de Perícias da Polícia Federal do Brasil, falaram com a imprensa no acesso ao Cemitério Jardim da Paz, de São Borja, sob um sol absoluto. Ao meio-dia, o termômetro da Praça 15 de Novembro marcava 35 graus centígrados.

Até o cemitério municipal chegaram vários vizinhos são-borjenses como “Seu” Anastácio Fonseca, de 90 anos e Luthero Fagundes, de 88, para contar suas vivencias com Jango e reclamar que o corpo não deveria deixar a cidade.

Celeste Penalvo, viúva do secretário pessoal de Goulart, com quem ele compartilhou seus anos de exilio, disse à Carta Maior que “a exumação é algo que tem que ser feito de uma vez por todas. Ao Doutor Jango nem sequer lhe fizeram a autopsia quando o trouxeram a São Borja…eu estive com ele no Uruguai, pouco antes de sua morte, estava muito bem, havia deixado de beber, tomamos uns mates e ele partiu para a Argentina, poucos dias depois nos avisam que havia morrido, não podia acreditar”.

O fato de ter retirado Jango de sua tumba provavelmente seja uma das poucas iniciativas relevantes do Estado brasileiro na apuração dos fatos ocorridos durante a ditadura. Outra é a Comissão da Verdade, em sua marcha lenta em busca da recuperação da memória e da verdade (o governo evita, por enquanto, falar de Justiça, como é mencionado pelos familiares) sobre o que aconteceu durante a ditadura mais influente, por ser a que Washington escolheu como sócia principal, e a menos investigada de América do Sul, dado que ainda rege a lei de anistia promulgada durante a regência do ditador João Batista Figueiredo.

Os peritos que supervisionaram a exumação começaram a expor efetivamente os passos do estado terrorista brasileiro: junto com os despojos de Jango, começou a sair de seu enterro a conspiração urdida pela Operação Condor para eliminá-lo.

Ao falar no Centro de Tradições Gauchescas de São Borja, na terça-feira à noite, a ministra Maria do Rosário Nunes lembrou que o ex-governante esteve vigiado cada dia dos 14 anos que viveu desterrado depois do golpe de março de 1964.

“Estamos exumando a Operação Condor” resumiu a ministra em uma entrevista à Carta Maior.

Não houve, embora tenha sido solicitado formalmente, nenhum apoio do Exército, que alegou razões burocráticas para dissimular a preocupação militar frente à repercussão do líder “populista” nesta segunda vida iniciada com a reparação histórica de seu governo. “Goulart não está morto, porque sua agenda de transformações sociais, reforma agrária entre elas, ainda não perdeu vigência”, observou João Vicente, seu filho, em uma de suas tantas declarações desde que chegou a São Borja.

A ressureição de Goulart, que nada tem de religiosa ou mística, atualiza a indagação sobre a colaboração da CIA e do Departamento de Estado em sua queda e, supostamente, no complô para assassinar, mediante a adulteração de seus medicamentos, o presidente deposto.

Goulart volta, e com ele a trama de agentes da repressão dissimulados na Embaixada Brasileira em Buenos Aires, que entre 1975 e 1976 parece ter sido uma base de operações ilegais, vinculada possivelmente à desaparição de vários brasileiros, como o pianista de Vinicius de Moraes Francisco Tenório Cerqueira.

Falta muito por investigar sobre as ações das ditaduras em ambas margens do rio Uruguai, sobre as quais os agentes da Operação Condor estabeleceram bases que se movimentavam complementarmente.

Pela mesma ponte sobre o rio Uruguai, onde passou o cadáver de Goulart no dia 6 de dezembro de 1976, vindo da província argentina de Corrientes ao Rio Grande do Sul, 4 anos mais tarde o fizeram os militantes argentinos Ismael Viñas e o padre Jorge Adur (viajava a Porto Alegre para denunciar, frente ao papa Juan Pablo II, as violações dos direitos humanos cometidas pelo ditador Jorge Videla), ambos sequestrados e desaparecidos em operações executadas por brasileiros e argentinos.

Ter recuperado Goulart de sua morte política traz consigo a possibilidade, inclusive, de que avance a causa que investiga sua morte no Juizado Federal de Paso de los Libres, Argentina, freada devido à falta de colaboração de sua contraparte brasileira. Uma fonte do judiciário disse, por telefone à Carta Maior, que a exumação “pode ser de grande ajuda, porque este caso de Goulart está cheio de coisas estranhas. Um exemplo? Das 21 testemunhas de seu falecimento, 19 morreram, alguns por causas naturais, outros por acidentes estranhos”.