Guerra na Ucrânia está estagnada e sem fim à vista

Guerra na Ucrânia está estagnada e sem fim à vista

Guerra na Ucrânia está estagnada e sem fim à vista

Alexandre Schossler

 

Com contraofensiva ucraniana de 2023 estagnada, tensões internas surgem em Kiev e solidariedade ocidental apresenta fissuras. Russos vêm mantendo pressão militar enquanto guerra entra em mais um inverno.

Soldado ucraniano na cidade de Avdiivka Cidade ucraniana de Avdiivka é o mais recente palco de batalhasFoto: Radio Free Europe/Radio Liberty/Serhii Nuzhnenko via REUTERS

Em 24 de fevereiro de 2023, no aniversário de um ano da guerra de agressão russa contra a Ucrânia, o presidente Volodimir Zelenski elogiou a resistência dos ucranianos e se mostrou confiante: "Sabemos que 2023 será o ano da nossa vitória!"

Por aqueles dias, as esperanças de uma vitória ucraniana eram de fato grandes, impulsionadas por reconquistas de território e pelo fornecimento de armas e equipamentos modernos pelo Ocidente, como o sistema de defesa de mísseis americano Patriot, os tanques alemães Leopard 2 e os britânicos Challenger 2. Falava-se muito no início da contraofensiva de primavera.

Mas, dez meses depois, o ano se encerra com uma perspectiva completamente diferente: a contraofensiva da Ucrânia estagnou, com progressos modestos. Essa realidade foi reconhecida em novembro pelo comandante-chefe das Forças Armadas de Kiev, general Valerii Zaluzhnyi. "Assim como na Primeira Guerra Mundial, atingimos o nível de tecnologia que nos coloca numa estagnação", declarou à revista The Economist.

Ucrânia caminha para guerra longa

Essa declaração foi o primeiro dos sinais de atrito entre Zelensky e Zaluzhnyi, estimulando especulações na imprensa nacional de que o chefe dos militares poderia ser afastado e deixando evidente que a Ucrânia não está obtendo os resultados esperados com a sua contraofensiva.

Atraso no início da contraofensiva

Esta só fora lançada, com atraso, no início de junho, após meses de preparativos. As tropas ucranianas atacaram as forças russas em três eixos – um no leste e dois no sul.

O objetivo era dividir o exército russo em dois e cortar as suas linhas de abastecimento para a Crimeia. Era um plano ambicioso. Após meses de combates intensos e dispendiosos, a Ucrânia conseguiu obter alguns ganhos – mas de forma lenta e dolorosa.

A batalha pela vila de Robotyne, no sul, foi simbólica dessas dificuldades. As forças ucranianas encontraram defesas russas bem preparadas – com densos campos minados, labirintos de trincheiras, arame farpado e valas antitanques.

"As batalhas são acirradas, mas estamos avançando, e isso é o principal. Agradeço aos nossos soldados por cada bandeira ucraniana que agora está retornando ao seu devido lugar", declarou Zelenski na época.

Quando a bandeira ucraniana foi hasteada em Robotyne, no final de agosto, o exército ucraniano já havia sofrido perdas pesadas. Zelenski disse que a Ucrânia esperou muito pelas armas ocidentais. O atraso deu à Rússia mais tempo para preparar o campo de batalha.

Putin

"Não vamos desistir dos objetivos da operação militar especial", disse recentemente Putin, usando o eufemismo do Kremlin para sua guerra de agressão na Ucrânia.Foto: Sputnik/Mikhail Klimentyev/Kremlin via REUTERS

Fissuras no apoio do Ocidente

O presidente Vladimir Putin parece ter esperança de que a pressão militar implacável da Rússia, combinada com a mudança da dinâmica política ocidental e um desvio da atenção mundial para a guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, vão retirar apoio da Ucrânia após quase dois anos de guerra.

"No que diz respeito à liderança russa, o confronto com o Ocidente atingiu um ponto de virada: a contraofensiva ucraniana falhou, a Rússia está mais confiante do que nunca e as fissuras na solidariedade ocidental estão se alastrando", observa a pesquisadora Tatiana Stanovaya, do Carnegie Russia Eurasia Center, em declarações à agência de notícias AP.

Um bilionário pacote de ajuda para a Ucrânia está paralisado no Congresso dos EUA, pois os republicanos insistem em vincular a liberação de mais dinheiro a mudanças na segurança da fronteira entre os EUA e o México, contestadas pelos democratas.

A União Europeia não conseguiu chegar a um acordo, na semana passada, sobre um pacote de 50 bilhões de euros em ajuda financeira de que a Ucrânia necessita desesperadamente devido ao bloqueio do premiê húngaro, Viktor Orbán, conhecido pela sua proximidade com Putin.

"Se o Ocidente simplesmente assumir que há uma estagnação e reduzir seu compromisso com a Ucrânia, as vantagens russas aumentarão porque a Rússia não aceita a estagnação", diz o especialista militar Michael Kofman, do Carnegie Endowment.

Mural em parede lateral de prédio destruído pela guerra na cidade de Avdiivka

Cenário de guerra em Avdiivka, na região de DonetskFoto: Genya Savilov/AFP/Getty Images

Há combates, mas pouco muda

No meio desses sinais de desgaste do apoio ocidental, a Rússia aumentou a sua pressão sobre as forças ucranianas em várias partes do front de mais de 1.000 quilômetros. "Desde outubro que os militares russos têm tentado tomar a iniciativa numa série de locais no front", comenta Kofman.

A situação na linha da frente é mais dinâmica do que a palavra estagnação sugere. A Rússia continua organizando ataques, mesmo que pouco sofisticados, e alguns analistas acusam o Ocidente de demora no fornecimento de armas e equipamentos.

Já os militares da Ucrânia, após cinco meses de combates exaustivos, estão precisando reconstituir suas forças e sua eficácia de combate. "As forças ucranianas, embora motivadas, estão exaustas. Elas perderam muitas unidades de ação. Perderam muitas tropas com capacidade de assalto", diz Kofman.

A Rússia também mantém uma grande vantagem em termos de pessoal, apesar de ter sofrido inúmeras perdas. Um relatório desclassificado dos serviços secretos dos EUA avalia que a guerra na Ucrânia custou à Rússia 315 mil soldados mortos ou feridos, ou 87% do pessoal que tinha quando o conflito começou.

Dias depois, Putin declarou que a Rússia tem 617 mil soldados na Ucrânia, um número que muitos blogueiros de guerra russos consideram muito aquém do necessário para adentrar profundamente a Ucrânia. Zelenski diz que suas forças terrestres somam cerca de 600 mil.

A Rússia também continua sendo capaz de produzir mísseis, tanques e, segundo estimativas ucranianas, até 1 milhão de projéteis de artilharia de 152 mm por mês. Os EUA disseram que Moscou também começou a receber munições sob um acordo firmado com a Coreia do Norte em setembro.

Novos campos de batalha

Uma área onde a Rússia tem mantido pressão constante é a cidade de Kupiansk, no nordeste do país, um centro ferroviário estrategicamente importante que Moscou havia capturado no início da guerra e que depois perdeu na contraofensiva ucraniana de setembro de 2022. Embora as forças russas não tenham conseguido obter quaisquer ganhos significativos na área, a Ucrânia teve que empregar uma força significativa para proteger a cidade.

Em outubro, as tropas russas também lançaram uma ofensiva em torno de Avdiivka, uma cidade perto de Donetsk, o centro da região que foi tomada por rebeldes apoiados por Moscou em 2014 e anexada ilegalmente pela Rússia em 2022, juntamente com outras três regiões ucranianas.

Médicos ucranianos tratam soldado ferido no campo de batalha

Médicos ucranianos tratam soldado ferido no campo de batalhaFoto: Alina Smutko/REUTERS

A Ucrânia construiu múltiplas defesas em Avdiivka, completas com fortificações de concreto e uma rede de túneis subterrâneos, o que lhe permitiu repelir ataques russos. Mesmo assim, e apesar das grandes perdas, as tropas russas avançaram de forma constante, procurando envolver Avdiivka e cortar as linhas de abastecimento ucranianas.

Essa batalha evoluiu para um conflito horrível para ambas as partes e já foi comparada à luta por Bakhmut, a batalha mais longa e sangrenta da guerra, que terminou com a captura da cidade pela Rússia, em maio.

Mais um inverno de guerra

Depois de atenuar a contraofensiva da Ucrânia a partir do verão europeu, a Rússia está se preparando agora para um novo período de guerra no inverno, o que pode envolver a tentativa de ampliar seus ganhos no Leste e desferir golpes significativos nas infraestruturas vitais do país vizinho.

O Kremlin e o Ministério russo da Defesa silenciam sobre planos específicos, mas alguns blogueiros de guerra russos dizem que Moscou poderia lançar uma grande ofensiva para adentrar profundamente território ucraniano.

Outros alertam, no entanto, que os militares russos carecem de recursos para qualquer grande avanço, dizendo que isso exigiria muito mais soldados e armas, expondo-os aos mesmos riscos que resultaram no fracasso das tentativas russas de capturar Kiev e outras cidades, no começo da guerra.

Os ucranianos esperam uma repetição da série de bombardeios no inverno do ano passado, dirigida à rede energética do país, embora, no ano passado, ela já tenha começado em 10 de outubro e, este ano, ainda não haja nenhum sinal de que comece em grande escala.

Isso pode indicar que faltem mísseis de longo alcance à Rússia, mas como as temperaturas em Kiev ainda estão relativamente amenas, alguns analistas avaliam que o Kremlin talvez esteja apenas esperando o frio intenso chegar para iniciar uma campanha.

Sem perspectiva de fim

Quase um ano depois de sua declaração de que 2023 seria o ano da vitória, Zelenski agora diz que ninguém é capaz de dizer quando a guerra vai acabar.

Já o Kremlin expressa crescente confiança na vitória. Putin, que anunciou que irá concorrer à reeleição em março, declarou-se confiante e disse, durante uma reunião com autoridades de defesa, que a sociedade se uniu em apoio ao esforço de guerra. "Não vamos desistir dos objetivos da operação militar especial", disse ele, usando o eufemismo do Kremlin para sua guerra de agressão na Ucrânia.

Em declarações a um canal de notícias tcheco, repercutidas pelo site Politico, o presidente da República Tcheca, Petr Pavel, disse esperar "desenvolvimentos significativos" na guerra em 2024 e que esses não deverão ser favoráveis a Kiev. "Os sinais até agora são de que não será como gostaríamos que fosse", alertou Pavel, que é um antigo general, alto líder da Otan e firme apoiador da Ucrânia.