“Direita jurássica” quer Brasil atrasado e exportador de produtos primários

“Direita jurássica” quer Brasil atrasado e exportador de produtos primários

“Direita jurássica” quer Brasil atrasado e exportador de produtos primários

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Carro de boi (reprodução)

Desenterraram a tese esdrúxula de Eugênio Gudin de que o Brasil tem vocação agrícola. Acham que podem, com editoriais, enquadrar Lula nesta estupidez

Em editorial publicado nesta segunda-feira (12) o Estadão afirmou que os defensores da reindustrialização do país, da ampliação do mercado interno, da melhoria dos salários e da recuperação dos direitos dos trabalhadores fazem parte de uma “esquerda jurássica”, de quem Lula deve manter distância. Moderno mesmo, para o noticioso paulista, é a economia agroexportadora.

Defensor do slogan “Agro é tudo, Agro é pop”, versão atual para a velha tese da “vocação agrícola” do Brasil, inventada por Eugênio Gudin – que, em boa hora, foi enterrada por Roberto Simonsen -, o Estadão tenta convencer Lula a ser “pragmático”, ou seja, a fazer o que o jornal quer.

Eles defendem que Lula se afaste dos que o apoiaram nas eleições para adotar as “maravilhosas” ideias neoliberais que afundaram o Brasil. Quais sejam, manter o teto de gastos, estrangular a população, desmontar o Estado e agradar o “mercado”, ou seja, os banqueiros. O que o editorial do Estadão propõe é que Lula faça o contrário do que defendeu na campanha. Ou melhor, que cometa um estelionato eleitoral.

“Sem responsabilidade fiscal e sem a reforma da Previdência de 2003 articulada pelo governo do PT – para citar apenas dois tópicos –, o desempenho do primeiro governo Lula teria sido inteiramente diferente”, afirma o texto. Mas, a realidade foi exatamente o contrário do que o jornal diz. O país só saiu da crise quando Lula e José Alencar deram um basta nos ajustes fiscais e começaram a investir no crescimento.

As coisas começaram a mudar de verdade quando eles [Lula e José Alencar] aceleraram os investimentos públicos, como o PAC, o Minha Casa Minha Vida, os grandes projetos do pré-sal e iniciaram a recuperação do salário mínimo. Enquanto predominou a ortodoxia estúpida de Henrique Meirelles, então na presidência do BC, com os juros lunáticos e ajustes atrás de ajustes, o país não saiu do buraco.

Na verdade, quem tem pensamento jurássico são os setores que o Estadão representa – que acham o suprassumo da modernidade o Brasil ter perdido quase toda a sua indústria de transformação. Bacana para eles é o país sair da sexta posição na economia mundial para a décima quarta. O “novo” para essa gente é o Brasil deixar de ser uma potência industrial em ascensão, para tornar-se um país exportador de soja, de milho e de minérios. Nada mais jurássico.

 

O Brasil, na década de 80 do século passado, tinha uma indústria pujante, que correspondia a 34% de seu PIB. A indústria brasileira era maior do que a indústria da China. Hoje, depois da xaropada neoliberal, ela não passa de 11% do PIB. Em síntese, com o neoliberalismo, houve uma verdadeira destruição do parque industrial brasileiro. O Estado também foi desmontado e só quem cresceu no Brasil foi a fome, o desemprego a especulação, as multinacionais e o agronegócio.

O editorial delira que houve grandes avanços nesses últimos tempos. “Muita coisa foi feita nessas duas décadas, houve avanços significativos em algumas áreas, mas também se observam retrocessos, como a volta da fome, e problemas que ainda estão longe de ser resolvidos satisfatoriamente, como a falta de saneamento básico para muitas famílias”, diz o jornal. Realmente, a produção agrícola cresceu. Mas, ao mesmo tempo, 33 milhões de brasileiros estão passando fome.

Enquanto o indústria brasileira era destruída, o agronegócio faturou R$ 1,2 trilhão só em 2021. O setor recebeu financiamento público bilionário e subsidiado, utilizou toda a expertise da Embrapa, estatal altamente capacitada, e exportou grande parte de sua produção. Fez tudo isso com enorme isenção de impostos, particularmente do imposto de exportação. Venderam seus produtos e receberam em dólar. Ou seja, um tratamento de primeira classe.

Mas o editorial acusa a “esquerda” de só pensar em reidustrialização e de não ter se dedicado mais ao setor agrário brasileiro. “Ela [a esquerda] tratou muitas vezes com desdém e hostilidade quem empreende no campo”, acrescentou o Estadão. Não se sabe de onde o jornal tirou essa ideia do desdém, já que todas essas boas condições obtidas pelo agro, citadas acima, foram mantidas durante os dois mandatos de Lula.

Por fim, o jornal diz que não é “implicância”. “É que ela [a esquerda] parou no tempo”, afirma. Mas, quem parou no tempo, de fato, é quem defende que o Brasil seja reduzido a um mero país agrário. Não há força capaz de segurar indefinidamente o desenvolvimento industrial brasileiro. Este crescimento interessa vitalmente a empresários e trabalhadores, duas forças poderosas que, unidas, derrubarão os obstáculos e certamente levantarão a indústria brasileira.

Em suma, quem precisa de ajuda é a indústria. O setor do agronegócio brasileiro é um setor maduro e desenvolvido, que tem sido muito bem remunerado nas últimas décadas. Ele está num nível tão alto de desenvolvimento que tem plenas condições de competir com qualquer país do mundo. Por isso, não precisa mais dos incentivos ou subsídios do Estado brasileiro. Pode perfeitamente caminhar com as suas próprias pernas. Isso, se o Estadão deixar…

SÉRGIO CRUZ