Boas e velhas lembranças políticas .

Fiquei sabendo, pela Rede PDT, da morte de meu querido amigo Guilhobel Camargo, e quero acrescentar algumas palavras àquelas com que nos despedimos dele.

Boas  e velhas lembranças políticas .

 

Boas e velhas lembranças políticas

Caros amigos 

 

Fiquei sabendo, pela Rede PDT, da morte de meu querido amigo Guilhobel Camargo, e quero acrescentar algumas palavras àquelas com que nos despedimos dele.

 

Trabalhamos juntos, Guilhobel, Geraldo Moretzsohn, Jairo Régis, Tato Taborda, Osíres de Brito, Júlio Xavier Vianna e eu mesmo, na assesoria de Amaury Silva, Ministro do Trabalho do Presidente João Goulart de julho de 1963 até o golpe de 1o. De abril de 1964 e a deposição do Presidente.  

Havia outros paranaenses no governo João Goulart, como o Senador Nelson Maculan e Léo de Almeida Neves.  

Nenhum, porém, era tão próximo de Amaury Silva - que o ex-Presidente Juscelino queria como seu Vice na chapa com a qual pretendia voltar ao governo em 1965 - nenhum era tão próximo quanto Guilhobel Camargo.  

Amaury, querido e respeitado por todo mundo, por sua serenidade e inteligência, sacrificou o próprio futuro - e o mandato de senador que de outro modo não seria cassado - ao aceitar o pedido do Presidente Jango para negociar com os marinheiros e fuzileiros rebelados na Semana Santa de 1964.  

Jango fez esse pedido, quando todas as autoridades militares cobravam-lhe o enquadramento disciplinar dos marinheiros e fuzileiros, porque Amaury realizara, no papel de Ministro do Trabalho, verdadeiros milagres de entendimento.  

Amaury sabia que atender a esse pedido equivalia a colocar o próprio pescoço no cepo da guilhotina. Mas não teve um segundo de hesitação. Foi para a guilhotina, sabendo que seria decapitado, com duas companhias - a de sua límpida, serena e destemida consciência; e a de Guilhobel Camargo.  

Em outros tempos, com outros personagens, Guilhobel tornar-se-ia um homem poderoso e rico. Não ele, nem ninguém com Amaury Silva.  

No momento do golpe, Amaury viajou com Jango até Montevidéu. Poderia ter ficado lá, no conforto do exílio, mas resolveu voltar a Brasília e reassumiu, quixotescamente, o mandato de Senador, com Guilhobel a seu lado.  

Cassado, em seguida, e perseguido - porque não lhe perdoavam a tentativa, a pedido de Jango, de entendimento com os marinheiros e fuzileiros rebelados - Amaury teve de procurar asilo numa embaixada. E em Brasília só funcionava a da Iugoslávia, que o acolheu, assim como já acolhera muitos outros brasileiros. Para lá ele foi, e Guilhobel com ele.  

Dessa embaixada, Amaury só conseguiria salvo-conduto para Belgrado, a capital da Iugoslávia, nos Bálcans. Aí alguns amigos, entre os quais, é claro, o Guilhobel, inventaram sua fuga da embaixada, e uma sucessão de voos maluca, com escala na região de Cascavel, no Paraná, onde ele foi recebido com faixas de boas-vindas atribuídas ao deputado Luís Alberto Dalcanale, e de onde seguiu para o Paraguai e daí para o Uruguai.  

É claro que o maior maluco e quem mais se expôs nessa operação era o Guilhobel.  

Amaury, chegando ao Uruguai, ficaria soldado a Jango, que pelos anos seguintes não o deixou sair de perto.  

Quando os amigos inventavam de trazer Amaury de volta ao Brasil – e Guilhobel estava sempre metido nessas histórias, se é que não as tinha iniciado - Jango reagia, dizendo:  

- Amaury, tenho aqui, a meu lado, a loucura de Darcy Ribeiro. Preciso de você e de sua sensatez, do outro lado, para não fazer bobagem.  

Guilhobel, nessa época, conseguiu trabalho como gerente de um restaurante em Angra dos Reis. Vinha ao Rio, duas ou três vezes por mês, sempre à noite, para comprar peixe, de madrugada, no mercado de pescadores da Praça Quinze.  

Como eu trabalhava à noite, na redação do Globo, ele me telefonava e nos encontrávamos para jantar. De madrugada, ele se despedia para buscar seus peixes na Praça Quinze.  

Pergunto-me hoje se eram só peixes para o restaurante ou se Guilhobel, que fora marinheiro, mantinha armado algum esquema de barcos pesqueiros para trazer Amaury Silva de contrabando, de volta ao Brasil.  

Como não perguntei na época, agora não tenho como perguntar. Mas fico pensando se entre os sonhos secretos desse maravilhoso e quixotesco Guilhobel não figuraria também essa aventura, que, infelizmente, acabou por não ser necessária.  

É com essa lembrança que me despeço desse querido e maravilhoso amigo. Não porém sem lembrar que antes de Jango e da passagem de Amaury Silva pelo Ministério do Trabalho, havia no Brasil menos de cem sindicatos de trabalhadore rurais. Depois de Jango, de Amaury e de Guilhobel, esse número subiu para mais de mil e quinhentos. O que explica tanta perseguição.  

Até logo, Guilhobel, até o próximo peixe que você vai trazer de Angra...

 

Seu velho amigo e companheiro, com enorme saudade,

 

José Augusto Ribeiro"