Não se combate crime cometendo crime, diz Gilmar Mendes

A Segunda Turma retomou nesta tarde o julgamento sobre a suposta parcialidade de Moro especificamente no caso do tríplex do Guarujá

Não se combate crime cometendo crime, diz Gilmar Mendes

Não se combate crime cometendo crime, diz Gilmar Mendes

A Segunda Turma retomou nesta tarde o julgamento sobre a suposta parcialidade de Moro especificamente no caso do tríplex do Guarujá

REUTERS/Adriano Machado
 

Uma das principais vozes do Supremo Tribunal Federal (STF) de crítica à Operação Lava Jato, o ministro Gilmar Mendes votou na tarde desta terça-feira (9) a favor de declarar a suspeição (parcialidade) do ex-juiz federal Sérgio Moro no caso do tríplex do Guarujá. Ao atacar a atuação de procuradores e da Justiça Federal de Curitiba nas investigações de um esquema bilionário de corrupção na máquina do governo federal, Gilmar disse que “não se combate crime cometendo crime”. Para o ministro, a história recente do Poder Judiciário ficará marcada pelo “experimento de um projeto populista de poder político”, em referência à atuação da Lava Jato.

“A Justiça Federal está vivendo uma imensa crise a partir deste fenômeno de Curitiba. O combate à corrupção é digna de elogios. Mas o combate à corrupção deve ser feito dentro dos moldes legais. Não se combate crime cometendo crime. Ninguém pode se achar o ó do borogodó. Cada um terá o seu tamanho no final da história. Calcem as sandálias da humildade”, disse o ministro. “Não podemos aceitar que o combate à corrupção se dê sem limites. Não podemos aceitar que ocorra a desvirtuação do Estado de Direito, que uma pena seja imposta de um modo ilegítimo, não podemos aceitar que o Estado viole as próprias regras.”

A Segunda Turma retomou nesta tarde o julgamento sobre a suposta parcialidade de Moro especificamente no caso do tríplex do Guarujá. Já o plenário STF vai decidir – em data a ser definida- o recurso da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra a decisão do ministro Edson Fachin que anulou todas as condenações de Lula na Lava Jato – tanto a do triplex (assinada por Moro) quanto a do sítio de Atibaia (assinada pela juíza Gabriela Hardt).

Conforme revelou o Estadão no início do mês, Fachin lançou uma ofensiva para reduzir danos diante de derrotas iminentes que podem colocar em risco o legado da operação. A Corte virou foco de oposição à Lava Jato, e Fachin não conta hoje com situação confortável nem na Segunda Turma nem no plenário. Fachin queria considerar a discussão sobre a conduta de Moro já encerrada, mas a Segunda Turma decidiu que, mesmo com a anulação da condenação no caso do triplex, o tribunal deve, sim, analisar a conduta do ex-juiz federal na ação.

Os ministros estão discutindo agora se o ex-juiz federal de Curitiba tratou o petista como “inimigo” e agiu com parcialidade ao condenar o ex-presidente da República por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no triplex do Guarujá. Caso os ministros sigam o entendimento de Gilmar Mendes formem maioria para declarar a suspeição de Moro, todas as provas reunidas contra o ex-presidente podem ser anuladas, incluindo o acervo que embasa as demais ações penais contra Lula.

Para o ministro, a condenação que Moro impôs a Lula no caso do triplex é de uma “cristalina contaminação”, devido ao “histórico de cooperação espúria” entre o juiz federal da Lava Jato e a força-tarefa de investigadores .

“Em fevereiro de 2016, quando o reclamante (Lula) ainda estava sendo investigado, o ex-juiz Sergio Moro chegou a indagar ao procurador Deltan Dallagnol se já havia uma denúncia ‘sólida ou suficiente’, o procurador responde apresentando um verdadeiro resumo das razões acusatórias do MP, de modo a antecipar a apreciação do magistrado”, destacou Gilmar, ao citar mensagens privadas atribuídas a Moro e Dallagnol obtidas por um grupo criminoso de hackers.

Ao comentar a interceptação do escritório de advocacia da defesa de Lula, Gilmar disse que o episódio remetia a regimes totalitários – e foi apoiado pela ministra Cármen Lúcia. “Gravíssimo”, disse a colega, levantando dúvidas se a magistrada vai mudar o voto proferido em dezembro de 2018, quando rejeitou o habeas corpus de Lula.

Como o julgamento ainda não foi encerrado, nada impede que Cármen Lúcia altere o voto proferido em dezembro de 2018, quando o caso começou a ser analisado. Na época, a discussão foi interrompida por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, que só liberou o processo para julgamento às 11h29 desta terça-feira, dois anos e três meses depois – a menos de três horas da sessão.

Presidente da Segunda Turma, Gilmar é expoente da ala mais contrária aos métodos de investigação dos procuradores de Curitiba. Fachin, por outro lado, é o relator do caso de Lula e integrante da corrente do STF pró-Lava Jato.

“Falo com toda tranquilidade porque não cheguei aqui pela mão do PT. E eu era considerado um tipo de opositor de algumas práticas do Partido dos Trabalhadores. Chegou-se a dizer, a imprensa chegou a dizer que eu liderava bancada de oposição no STF apontando que faltava oposição ao governo do PT. Portanto eu sou insuspeito nessa matéria. Não obstante eu sempre soube distinguir o que é ser adversário do que é ser inimigo”, disse Gilmar Mendes, ao iniciar a leitura do voto.

Para embasar o voto em que concluiu pela parcialidade de Moro, ministro ainda destacou a condução coercitiva de Lula – e a nomeação do ex-juiz federal da Lava Jato ao cargo de ministro da Justiça do governo Bolsonaro.

Estadão Conteúdo